Coimbra tem locais que são
verdadeiras fontes de tradição. Infelizmente para mim
existem dois que muito pouco posso falar sobre eles, porque nunca se
proporcionou na minha vida que os frequentasse com regularidade, porque não
existiu razão para que o fizesse. Falo do enorme «Penedo da Saudade», onde a
paixão explode, onde se cantam antigos amores de estudantes, e do Choupal, essa
floresta mágica, banhada pelo Mondego, perdição de tricanas, estudantes e
futricas.
E depois havia, e continua a haver, o
Jardim da Sereia.
O Jardim da Sereia, localizado logo
acima da imprescindível Praça da República, situa-se logo abaixo da enorme
escadaria pela qual se chegava ao Liceu D. João III, hoje José Falcão. A
escadaria actualmente é a mesma, o liceu também, somente com a diferença de que
agora assumiu a designação de «escola secundária». Coisa estranha!
E porque o Jardim da Sereia fica
muito perto do liceu, foram muitas e muitas as vezes que para lá me dirigi,
depois das aulas, eu e muitos dos meus colegas. E não íamos para o jardim com o
intuito de passear. É que no Jardim da Sereia existia um campo pelado de
futebol, para onde íamos dar uns toques na bola, quando o mesmo campo se
encontrava disponível- o Campo de Santa Cruz. Era neste campo que os juvenis da
Académica treinavam. E foi neste campo que eu cheguei a envergar o belo
equipamento negro da Académica, com o maravilhoso emblema da Briosa ao peito.
Tentei a minha sorte como juvenil da Académica. Mas faltava-me envergadura
física, para mais tendo o treinador considerado que eu tinha características de
médio, um lugar muito exigente fisicamente. A explosão física que se operou no
meu organismo ainda não tinha chegado. Por isso, nessa altura eu media 1.56 m
de altura, um três reis de gente. Como poderia eu impor-me como médio, sendo o
futebol uma modalidade de contacto? O meu pai ainda me chegou a ir ver num
treino, estávamos em 1972. Ter envergado o equipamento da Briosa é para mim um
momento de extrema importância simbólica, pois enverguei a cidade de Coimbra,
vesti a minha essência.
O Jardim da Sereia e o Campo de Santa
Cruz são, para mim, dois pontos fortes da minha vivência coimbrã.
in Prosas Pelas Janelas da Vida
livro I