domingo, 20 de janeiro de 2013

OBSTÁCULOS NA PICADA


...Os quatro homens separaram-se. Cada um ocupou o seu lugar. Os dois alferes, colegas de Álvaro, não sabiam o que pensar. Rui Mendes, amigo chegado de Álvaro, considerava que o seu amigo sofria de qualquer perturbação psíquica. Mas no entanto o comandante de companhia dava algum crédito àquele pressentimento, uma espécie de profecia, a ponto de arriscar a sua credibilidade perante a coluna. Naquela guerra traiçoeira, os homens a tudo se agarravam para preservar a vida. E se fosse verdade? E se aquele cenário anunciado ali estivesse mesmo?
         Depois de toda a companhia ter sido informada daquilo que a esperava...daquilo que os poderia esperar além daquela curva ao fundo da picada, depois de cinco atiradores especiais se terem colocado à cabeça do primeiro pelotão, depois do capitão Rebelo ali também se ter posicionado, a coluna militar retomou a sua marcha.
         Ridiculamente ou não, todos os soldados haviam deixado de se sentir apreensivos com a robustez do mato, pois estavam imbuídos com a certeza de que o perigo apenas existia num ponto bem definido: logo a seguir à curva da picada, que se avistava ao fundo. Lentamente, o mais silenciosamente possível, o grupo armado se foi aproximando da curva. Quando se encontravam a uma vintena de metros, o capitão Rebelo fez sinal à coluna para que parasse. Seguidamente, ele e Álvaro rastejaram por entre o capim e dobraram a curva, encobertos pela vegetação que ladeava a picada. Álvaro suava abundantemente. Sabia que caso não houvesse qualquer sinal daqueles que ele indicara, o seu futuro poderia estar deveras comprometido.
         Muito mansamente ambos afastaram vegetação da frente dos olhos e observaram. A cerca de vinte metros avistaram bem ao centro da picada, logo ao dobrar da curva, um monte bem pronunciado. Se não se soubesse, nada de extraordinário havia naquele montículo, pois era igual a muitos outros existentes na picada, dada a irregularidade do terreno. Os dois homens prolongaram o olhar, e a cerca de cinquenta metros da curva avistaram um enorme tronco, que se encontrava na diagonal, obstruindo grande parte da picada na sua largura. O tronco, bastante grosso e comprido, estava coberto de folhagem muito verde. O suficiente para camuflar muitos homens. Naquela zona o capim era extraordinariamente alto. O capitão Rebelo, com uma expressão de incredulidade, olhou para Álvaro, fixou-o por momentos e num sussurro disse:
-         Porra que você è bruxo, homem!
-         Eu não compreendo, não sei explicar meu capitão, mas tenho a certeza de que atrás daquele tronco se escondem cinquenta turras.
-         Cinquenta? Isso è muita gente. Eu já não digo nada! Esta è a minha segunda comissão de serviço no Ultramar, levo dez anos de vida militar e nunca vi, nem nunca tive conhecimento, de que através de um palpite ou pressentimento se tivesse evitado o desastre de uma emboscada. Vamos regressar à coluna. Mudei de estratégia.
         Muito lentamente os dois homens rastejaram recuando. Ultrapassada a curva, levantaram-se e correram na direcção da companhia, que os aguardava ansiosamente.
-         Meus senhores, montículo e tronco existem- disse o capitão Rebelo com um meio sorriso nos lábios, grato à providência por não ter de punir um oficial por quem nutria grande estima. O mesmo era dizer que estava agradecido por ter inimigos à sua espera. Era efectivamente um sentimento contraditório e complicado. Mas o feitiço virara-se contra o feiticeiro. Os inimigos que traiçoeiramente aguardavam a companhia, já a tinham junto a si e ainda o não sabiam. Havia de se tirar proveito disso- mudei de estratégia. Levo cem homens comigo. Internamo-nos aqui no capim, dobramos a curva, fazemos uma volta bastante grande e vamos aparecer por detrás do tronco. Talvez tenhamos que caminhar quinhentos a oitocentos metros. O que vocês aprenderam na recruta sobre passo fantasma, queda na máscara e todas as técnicas de aproximação silenciosa, quero que ponham aqui em execução, pois temos de nos aproximar sem sermos detectados, e oitocentos metros ainda è muito metro. O armamento pesado fica aqui todo. Ficam aqui também três atiradores especiais para dispararem sobre o maldito montículo. Quando ouvirem tiroteio iniciem o ataque. Quero aquele tronco transformado em palitos. Existem dúvidas?
-         Não meu capitão- responderam os três alferes.
-         Então vamo-nos a eles. Se tudo correr bem, havemos de fazer uma celebração no Ninda dedicada ao alferes Santa Cruz...(em continuidade, pág. 77, ex. XXII)

in VISITADOS

Novembro/1999

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

HISTÓRIA E ARTE- UMA SIMBIOSE PERFEITA




Durante muitos anos a nossa literatura padeceu de uma enorme e grave enfermidade: os autores não despendiam nenhum do seu talento, nem nenhuma da sua inspiração e criatividade em temas que abordassem a nossa história. Eu lia episódios históricos romanceados de outras culturas que não a nossa, e ficava espantado com o facto de a nossa riquíssima história não despertar o engenho e arte nos nossos escritores.
Depois surgiu «O Memorial do Convento» do José Saramago.
Na minha opinião foi o interruptor que ligou a energia da história á energia das palavras. E cerca do ano 2000, portanto mesmo no final do séc. XX, para meu regalo, os romances históricos nacionais começaram a surgir, em catadupa, e se têm mantido. E coisas fascinantes, extraordinárias mesmo, tenho tido a oportunidade de ler. E de entre grandes, enormes títulos, dou realce a dois: «A Filha do Capitão», de José Rodrigues dos Santos, e «O Espião de D. João II», de Deana Barroqueiro.
E falo nisto, porque, há muito pouco tempo, foi estreado o filme «Linhas de Wellington», que aborda a temática das Invasões Francesas. É claro que para se escrever um bom livro, apenas é necessário a criatividade do seu autor. Para se fazer um bom filme, é necessária a criatividade do realizador e o talento dos actores, mas não chega. Se não houver verba, nada disso pode ser possível. Digo isto porque gostaria muito que os nossos realizadores se virassem para a história de Portugal. Acredito na capacidade deles e no talento de alguns dos nossos actores e actrizes (alguns), pois que tema, são já são perto de nove séculos dele.
Linhas de Wellington aí está nas salas para ser apreciado. Eu ainda o não fui ver, mas estou expectante.
Quem já o viu foi uma amiga, e numa sala de cinema em Toulouse. Estranho ver um filme sobre as invasões francesas a Portugal, em França. 
Mas este é o poder da arte- fazer mexer as consciências!