quinta-feira, 28 de março de 2019

UM PEQUENO ENIGMA NAS RUAS DE AVEIRO


A cidade de Aveiro foi invadida por uma frase, presumivelmente da autoria de Fernando Pessoa, que diz: «TUDO É OUSADO PARA QUEM A NADA SE ATREVE». Esta frase surge em cartazes, por toda a cidade, por debaixo de uma foto-montagem, que pretende mostrar, em contraste com a cobardia latente na frase, uma adolescente a saltar corajosamente sobre uma garganta rochosa e profunda.
            Confesso que me tenho debruçado um pouco sobre o significado daquela imagem parafraseada por aquela legenda, porque aparentemente não existe publicidade a coisa nenhuma. Mas, na sociedade agressivamente consumista em que vivemos, muito provavelmente, quem sabe se não será um incentivo, muito subtil, ao investimento imobiliário, que como se sabe encareceu em flecha? Por exemplo, quem não arrisca não petisca?!
            É que não me acredito que, pura e simplesmente, alguém se tenha dado ao trabalho e à despesa de anunciar, pelas ruas de Aveiro, que os aveirenses são medrosos.
            Mas que algum intuito terá, isso é certo!

sexta-feira, 15 de março de 2019

EM REDOR DO LUGRE SENHORA DO PRANTO


Estava ali havia três horas e já trouxera um trol cheio de bacalhau. O fundo do dóri já estava repleto de peixe. Sentira de novo movimento na linha. O bacalhau parecia estar a atacar bem o segundo trol. Felizmente que havia dias assim. Outros havia que parecia que o bacalhau fugia dos anzóis como o diabo da cruz. E por vezes com o tempo bem pior que o de hoje. Ainda se estava quase no princípio da campanha. Chegasse lá o mês de Setembro que era ver as mãos a engadanharem-se com tanto frio. Era a vida triste de um pescador do bacalhau.
         Chamava-se Manuel da Benta. Nascera na Gafanha da Encarnação, do concelho de Ílhavo, em 1913. Estava agora com vinte e três anos de idade. Pois que outra vida esperava à maioria dos homens dali senão a pesca do bacalhau? Ílhavo e as Gafanhas pareciam um grande coração que servia como motor à grande faina. Tanto em barcos como em homens. Já o seu pai, que Deus tivesse, por ali andara. Levara-o um golpe de mar. A mãe já nem lágrimas botara quando o vira a ele, pela primeira vez, a embarcar num lugre. Chorara tantas pela vida fora…
         Enquanto trabalhava no peixe já pescado, de vez em quando deitando o olho à linha, olhou em seu redor. A uma largueza de um quilómetro, a partir do lugre que se via lá ao longe, o «Senhora do Pranto», o mar estava cheio de pequenos pontos, que apareciam e desapareciam consoante a ondulação. Eram os outros dóris da equipagem do lugre. Em cada dóri um pescador. Estavam ali trinta e sete. Gente boa, sem dúvida a sua família nos bons e maus momentos no mar.
         A dado momento reparou que algo de pouco bom se passaria com o dóri que estava a uns cem metros de si. Afirmou a vista para ver se conseguia distinguir o pescador. Era…era o Mário Carvalho, o seu bom amigo Mário Carvalho.
- Ó Mário, passa-se alguma coisa?- gritou.
- Dói-me a barriga como a merda- respondeu o outro a gritar.
- Espera, que eu já ai vou- e dando mais linha ao trol que estava na água, pegou nos remos e energicamente remou em direcção do dóri do seu amigo Mário Carvalho.
         Lá chegado, afirmando-se no seu colega e amigo, logo viu que ele não estava bem. O outro pescador tinha um esgar de dor na cara, e estava curvado, agarrando-se à barriga.
- Comi alguma coisa estragada.
- Aqui coisas estragadas comemos nós todos os dias- dizia o Manuel da Benta- é a tripa que te dói?
- Eu sei lá ó Manel. É a barriga toda.
- Se precisares de ir à retrete põe o cú aí do lado de fora do dóri, que o bacalhau não se importa.
- Em calhando lá terá de ser- dizia o outro com um meio sorriso.
         Manuel da Benta olhou para o fundo do pequeno bote. Em três horas nem um peixe...(em continuação, ex. I)

in Nas Arestas da Terra e do Mar

quarta-feira, 6 de março de 2019

SNOOKER NA SAVANA


O fotógrafo estava lá e revela-nos que o engenho humano é extraordinário. No coração de África, bem nas savanas do Maiombe, disputou-se um entusiástico jogo de snooker. Não há tecnologia para criar a mesa, as respectivas bolas e tacos, mas capacidade criativa não falta, não fosse África o berço da humanidade.
            Que ganhe o melhor!