Estava
ali havia três horas e já trouxera um trol cheio de bacalhau. O fundo do dóri
já estava repleto de peixe. Sentira de novo movimento na linha. O bacalhau
parecia estar a atacar bem o segundo trol. Felizmente que havia dias assim.
Outros havia que parecia que o bacalhau fugia dos anzóis como o diabo da cruz.
E por vezes com o tempo bem pior que o de hoje. Ainda se estava quase no
princípio da campanha. Chegasse lá o mês de Setembro que era ver as mãos a
engadanharem-se com tanto frio. Era a vida triste de um pescador do bacalhau.
Chamava-se Manuel da Benta. Nascera na Gafanha da
Encarnação, do concelho de Ílhavo, em 1913. Estava agora com vinte e três anos
de idade. Pois que outra vida esperava à maioria dos homens dali senão a pesca
do bacalhau? Ílhavo e as Gafanhas pareciam um grande coração que servia como
motor à grande faina. Tanto em barcos como em homens. Já o seu pai, que Deus
tivesse, por ali andara. Levara-o um golpe de mar. A mãe já nem lágrimas botara
quando o vira a ele, pela primeira vez, a embarcar num lugre. Chorara tantas
pela vida fora…
Enquanto trabalhava no peixe já pescado, de vez em quando deitando
o olho à linha, olhou em seu redor. A uma largueza de um quilómetro, a partir
do lugre que se via lá ao longe, o «Senhora do Pranto», o mar estava cheio de
pequenos pontos, que apareciam e desapareciam consoante a ondulação. Eram os
outros dóris da equipagem do lugre. Em cada dóri um pescador. Estavam ali
trinta e sete. Gente boa, sem dúvida a sua família nos bons e maus momentos no
mar.
A dado momento reparou que algo de pouco bom se passaria com
o dóri que estava a uns cem metros de si. Afirmou a vista para ver se conseguia
distinguir o pescador. Era…era o Mário Carvalho, o seu bom amigo Mário
Carvalho.
- Ó Mário, passa-se
alguma coisa?- gritou.
- Dói-me a barriga como a
merda- respondeu o outro a gritar.
- Espera, que eu já ai
vou- e dando mais linha ao trol que estava na água, pegou nos remos e
energicamente remou em direcção do dóri do seu amigo Mário Carvalho.
Lá chegado, afirmando-se no seu colega e amigo, logo viu que
ele não estava bem. O outro pescador tinha um esgar de dor na cara, e estava
curvado, agarrando-se à barriga.
- Comi alguma coisa
estragada.
- Aqui coisas estragadas
comemos nós todos os dias- dizia o Manuel da Benta- é a tripa que te dói?
- Eu sei lá ó Manel. É a
barriga toda.
- Se precisares de ir à
retrete põe o cú aí do lado de fora do dóri, que o bacalhau não se importa.
- Em calhando lá terá de
ser- dizia o outro com um meio sorriso.
Manuel da Benta olhou para o fundo do pequeno bote. Em três
horas nem um peixe...(em continuação, ex. I)
in Nas Arestas da Terra e do Mar
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