sábado, 22 de junho de 2013

COIMBRA, CIDADE AGORA DO MUNDO

Aguardei por algo que acontecesse, sobre o qual escrever, que de alguma forma se revestisse de uma qualquer particularidade singular, para comemorar o 5º aniversário deste meu blogue. É claro que, actualmente, em Portugal o que não falta é matéria sobre a qual se possa escrever. Mas é tudo matéria triste, deprimente, como deprimida se está a tornar 80% da população portuguesa, já que os restantes 20% vivem numa outra dimensão, imunes a toda e qualquer crise, tal é a força da sua capacidade financeira…vamos lá saber porquê?!...mas isso são contas de um outro rosário, e eu sou extremamente pequenino para que lhe tenha acesso!!

E hoje, a seis dias deste meu muito querido espaço, alugado á web, completar cinco anos, fui majestosamente surpreendido com uma notícia que me encheu de orgulho, e que eu escolhi como um bolo de aniversário. A minha querida Coimbra foi elevada a Património da Humanidade. E a humanidade, se quiser conhecer o que, a partir de hoje, lhe pertence, verá o quanto mais rica ficou, pois Coimbra é uma pérola de história e arquitectura. Que essa humanidade venha, se embrenhe na alma coimbrã, e fique a saber o quão poderosa pode ser a tradição. Aqui fica o meu testemunho disso mesmo:
Escrever sobre a minha Coimbra, é escrever sobre uma alma portuguesa, um ser-se português no mais romântico que tem a essência lusitana. Corra-se todo o território nacional, percorra-se todo o antigo Império Romano, e decerto que não se encontra nome mais belo do que este- AEMINIUM.
É um privilégio ter-se nascido conimbricense. Coimbra guarda valiosas memórias da história de Portugal.
Na Alta, na minha saudosa Alta, encontra-se a majestosa e muitas vezes secular Sé Velha, de estilo Românico. Nas suas pedras gastas pelo tempo segredei muitos dos meus ideais da juventude. Ainda na Alta, a meio caminho da Baixa, quantas foram as vezes em que passei sob o Arco de Almedina, a primitiva entrada de uma Coimbra ainda mourisca. Descendo a Visconde da Luz, eis-me na Praça 8 de Maio e ali, quantas vezes os meus olhos passearam pela muita antiga, imponente e sublime Igreja de Santa Cruz, onde repousam os restos mortais do fundador da nacionalidade, o nosso primeiro rei D. Afonso Henriques.
Já na Portagem, actualmente sem a passagem dos meus carinhosos eléctricos, que tanta nostalgia me traziam, atravessando a ponte, quantas vezes senti a mística que envolve o Mosteiro de Santa Clara a Velha, que o rio Mondego reclamou como sendo seu. E olhando aquele velho mosteiro submerso pelas águas do Mondego, me vinha à memória a Rainha Santa Isabel e o Milagre das Rosas; e ali bem perto, na Fonte dos Amores, era impossível esquecer o dramático romance de D. Pedro e D. Inês de Castro, Pedro e Inês, eternos amantes. Daquele mesmo local muitas vezes avistei a opulência da Torre da Universidade de Coimbra, fundada por D. Dinis em 1308.
Universidade de Coimbra, só ela é uma história. E quantas histórias não criou, que se disseminaram por este país fora e pelo mundo: o Hilário, o PadZé… e o meu muito querido e particular Bruno Rosa da Cunha. Histórias que orgulhosamente, todas elas, envergaram capa e batina, se passearam pelo choupal, namoraram tricanas, envolveram-se em disputas ferozes com fútricas, gritaram o A.F.R.A…. e arderam de paixão no Penedo da Saudade.
Da minha Académica, da Festa do Espírito Santo aos Olivais, da Queima das Fitas, de respirar Coimbra, eu tenho saudades.
Das trupes, do Fado Hilário e das Serenatas, eu tenho saudades.
«Coimbra tem mais encanto na hora da despedida». Ser de Coimbra é reter no coração a envolvência misteriosa de um ambiente único, onde o passado intervém no presente.
Só quem já passou por uma hora de despedida a Coimbra, pode efectivamente cantar o seu encanto.
A  hora de despedida à minha amada Coimbra ocorreu no dia 13 de Agosto de 1974, o que significa que a Revolução de Abril foi vivida por mim na minha cidade berço, na minha terra…pois que em outro lugar poderia eu ter sentido o primeiro suspiro de liberdade, pois que em outro lugar poderia eu, com a juventude a palpitar-me nas veias, ser possuído pelo ardor revolucionário naquele dia inesquecível, histórico, transformador da sociedade portuguesa, o 25 de Abril de 1974, senão na minha querida Coimbra, onde, em Abril, precisamente em Abril, de 2004, fui deparar-me com um monumento que Coimbra escondeu de mim durante vinte e nove anos, precisamente no local onde eu, e outros, no dia da Revolução, nas imediações da PIDE, voltámos um carro ao contrário, na paixão pela revolução que naquele momento estava a acontecer, e que eu vivia de forma explosiva. Naquele monumento existe um milímetro da estrutura que me pertence. O resto é da história, é de Coimbra, é de Portugal…mas esse milímetro é só meu.
No entanto, passados todos estes anos, a capacidade de compreender Coimbra está bem viva em mim, pois só quem lá nasceu, é que tem capacidade para assimilar os ecos da história, os rumores da ruas estreitas e empedradas da Alta, o latejar intenso de uma gente que profundamente me corre nas veias.
Coimbra, meu profundo e omnipresente horizonte.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

INFANTE D. PEDRO, DONATÁRIO DE AVEIRO, ECOS DE ALFARROBEIRA

Na nossa modesta condição de meros curiosos da história, entendemo-la sob dois prismas: a história monumental e a história factual.
A história monumental, sob a nossa modesta óptica, será aquela que todos os dias vemos, que facilmente é acessível ao nosso conhecimento. Será a história que fluí de cada monumento, que nos conta histórias da História. Para isso basta termos a atenção desperta e sabermos ver.
A história factual será aquela que se aprende nos documentos, pois apenas existe na memória dos factos, cujo peso do tempo a esconde do nosso olhar e impossibilita a sua percepção.
É da história factual que iremos falar hoje!
 E em função disso digamos duas palavras sobre uma nobre geração, a que Camões chamou de Ínclita- os filhos de El-Rei D. João I. Nestas andanças pelas memórias de Aveiro, disse algures que D. João I autorizou a construção da muralha de Aveiro, a pedido do Infante D. Pedro, seu filho, então senhor de Aveiro, em 1413. E senhor de Aveiro ainda se manteve durante muitos anos. E prolongou o senhorio de Aveiro no reinado do seu irmão, El-Rei D. Duarte, que, como primogénito de D. João I, lhe sucedeu no trono. Há a acrescentar que o Infante D. Pedro, além de donatário de Aveiro, era também Duque de Coimbra.
E foi então, que em 1438, o seu irmão El-Rei D. Duarte, faleceu, sucedendo-lhe no trono o príncipe herdeiro D. Afonso. Mas D. Afonso era uma criança de apenas seis anos de idade, pelo que D. Duarte deixou escrito que a rainha, D. Leonor de Aragão, tomaria a regência do reino. O Infante D. Pedro não concordou com a decisão do seu falecido irmão, tendo então assumido a regência do reino durante a menoridade do novo rei, D. Afonso V.
Os anos foram passando e o número de inimigos do regente D. Pedro foi aumentando, pois que ao tomar posse da regência do reino afastou da corte uma grande fatia da nobreza. Nobreza essa que, conforme o rei crescia e se aproximava da idade adulta, o ía convencendo de que o seu tio, o Infante D. Pedro, não mais lhe restituiria o trono.
A intriga surtiu efeito na mente do jovem rei D. Afonso V, não atendendo, por isso, ás tentativas de conciliação por parte do Infante D. Pedro.
O rei escreveu então ao Duque de Bragança, um dos fidalgos que o instigara contra o tio, ordenando-lhe que se dirigisse para a corte, em Lisboa, e que se fizesse acompanhar por homens de armas, pois que teria de passar por terras pertencentes ao ducado de Coimbra, onde o Infante D. Pedro era o duque. O Infante D. Pedro proibiu a passagem do Duque de Bragança, seu inimigo, pelas suas terras, tendo, por isso, sido considerado pelo rei D. Afonso V como um súbdito desleal ao seu rei. D. Afonso V, sabendo que o Infante D. Pedro saíra em perseguição do Duque de Bragança, com um exército de 6000 homens, formado pela sua gente de Coimbra e Aveiro, investe contra ele, com as suas tropas (30 000 homens), tendo-se encontrado no lugar de Alfarrobeira, ás portas de Alverca, no dia 20 de Maio de 1449, na que ficou conhecida como a Batalha de Alfarrobeira. O rei tinha apenas 17 anos de idade.
O donatário de Aveiro, o Infante D. pedro, pereceu nessa batalha, bem como vários fidalgos que o acompanhavam, terminando assim em tragédia a questão da sucessão ao trono, que opôs tio e sobrinho.
Logo a seguir à Batalha de Alfarrobeira, D. Afonso V concedeu o perdão geral aos moradores da vila de Aveiro, cujo senhor fora seu inimigo. No entanto, no início de 1450, retirou todos os bens a João Eanes, de Esgueira, que fora partidário do Infante D. Pedro em Alfarrobeira.
O Infante D. Pedro foi senhor de Aveiro durante cerca de quarenta anos, devendo-se a ele a construção da muralha e a ainda existente feira anual- a Feira de Março, bem como o incremento que deu á pesca e ao comércio.
Em Aveiro, a memória do Infante D. Pedro é lembrada sempre que vamos ao parque da cidade, ao qual foi dado o seu nome, e mais recentemente ao próprio hospital da cidade.
Infante D. Pedro, uma muito ilustre memória de Aveiro!

domingo, 9 de junho de 2013

UM SOPRO DE PAZ NUM CENÁRIO DE GUERRA

...Álvaro encolhia os ombros e sorria. Todos se entreolharam e começaram a rir à gargalhada.
-         Bom, vamos ter com a restante rapaziada. Deste dia nunca mais me esqueço. Dentro de um caldeirão mágico alguém pôs uma floresta densa, uma picada de fazer nervos, uma companhia de militares portugueses que procuravam cruéis inimigos, um alferes bruxo, um capitão maluco, turras com habilidades de saltarem troncos, darem guinchos e pinotes sem se lhes fazer qualquer mal, e três russos...ou suecos...ou finlandeses... esse alguém mexeu a mistura dentro do caldeirão mágico, e surgiu um gozo de um dia passado em Angola, no maiombe guerrilheiro.
         E abanando a cabeça, o capitão Rebelo dirigiu-se para o outro grupo de combate, que ficara na picada aguardando, enquanto era seguido por cem homens que muito desejavam que a guerra, que todas as guerras tivessem sempre aquele desfecho. Ao passarem pelo tronco que obstruía a picada pegaram nas armas abandonadas pelos guerrilheiros angolanos. Muitas daquelas balas, ainda miraculosamente inseridas nos carregadores, estavam destinadas a embeberem-se no sangue de muitos dos que agora as transportavam. Que dia aquele! Que incrível história de guerra...que saudável sopro de paz num cenário predestinado a colorir-se de vermelho, mas que por súbita intervenção do inexplicável, e mau grado do seu cenógrafo, se pintara de verde esperança.
         Chegados à curva da picada, os cem homens passaram por uma grande cratera feita pelo rebentamento da mina.
-         Havia de ser lindo- dizia o comandante de companhia enquanto mentalmente media a dimensão dos efeitos destrutivos, ao inspeccionar tão grande buraco.
         Todos os olhares se voltaram para o local onde estivera armadilhada a mina. Impressionados por aquela visão, os soldados quase que podiam sentir, arrepiados, a deslocação do ar provocada pelo violento rebentamento e as centenas de estilhaços buscarem avidamente os seus corpos. Para alguns teria sido uma prenda de Angola, uma lembrança para o resto de suas vidas, ou o final das suas vidas numa lembrança sem memória.
         Na curva aguardavam-nos aqueles que tinham ficado na coluna. O alferes que ficara à frente do armamento pesado, dirigiu-se ao capitão Rebelo dizendo:
-         Meu capitão, isto è um milagre. Numa zona operacional como è esta, capturarmos cinquenta turras desta maneira tão pacífica... eu nem sei o que dizer.
-         Nem eu nosso alferes, nem eu. Na guerra não è assim que acontecem as coisas. Até tenho receio de levantar suspeitas no Quartel General. Onde estão os turras?
-         Estão ali deitados no chão- indicava o alferes.
         Toda a companhia avançou. Na picada, junto aos carros militares, encontravam-se os cinquenta negros deitados de barriga para baixo, com as mãos atadas atrás das costas, formando uma comprida fila, guardados pelos soldados portugueses, que de pé lhes apontavam os tapa chamas das g3.
-         Há algum que fale português de gente? Sabe-se porque è que fugiram sem mais nem p’ra quê?- perguntava o capitão Rebelo.
-         Nós vimo-los a correrem em nossa direcção- explicava o alferes de armas pesadas- logo lhes apontámos as armas. Eles caíram aqui de joelhos sem oferecerem resistência. Depois eu fiz algumas perguntas e houve um, que fala um português comestível, que disse quando se encontravam atrás do tronco, começaram todos a ouvir uma voz que não sabiam de onde vinha, que lhes falava em dialecto Nhemba, e que lhes dizia que os portugas sabiam que eles estavam ali e que se não fugissem iam ser todos mortos. Logo a seguir surgiu um sol no meio das árvores...
-         Isto anda tudo doido- interrompeu o capitão Rebelo- nós estávamos atrás deles e não vimos nem ouvimos nada.
-         E de dentro do sol apareceram três brancos com roupas esquisitas. Eles entraram em pânico e fugiram- concluiu o alferes.
-         Você disse três brancos?- questionou o comandante de companhia.
-         Sim meu capitão, foi o que eles disseram, três brancos.
-         Alferes Santa Cruz, você que falou com eles, o que me tem a dizer a isto?
-         Meu capitão, eu não falei com eles. Apenas recebi mensagens telepáticas. E não sei o que diga. Percebo tanto isto como o meu capitão. Agora, que a mensagem que recebi se mostrou completamente verdadeira, disso não há dúvida nenhuma. E com certeza que...sejam lá eles quem forem, são indiscutivelmente nossos aliados.
-         Pois, e eu capitão do exército português, se digo ao Marcelo Caetano que, se tive êxito numa missão de reconhecimento, devo-o ao apoio de aliados desconhecidos e praticamente invisíveis, sou dado como imbecil, alienado, incompatível com a função, e adeus carreira.
-         Meu capitão- disse Álvaro- o senhor tem cento e cinquenta testemunhas. Dessas, cem viram efectivamente três homens brancos vestidos de uma forma...diferente. Se houve loucura, ela foi colectiva mas perfeitamente justificada. Haverá em qualquer parte do mundo um momento de guerra mais pacificador do que este? Capturarem-se cinquenta elementos ao inimigo sem se verter uma pinga de sangue?

-         Você tem razão alferes Santa Cruz. Eu estou como o pobre que desconfia da esmola, quando ela è muita. O governo quer resultados e aqui esses resultados existem. Mas só por isso me posso sentir um pouco confiante, porque em relação ás minhas testemunhas que poderiam confirmar o meu depoimento, não se iluda nosso alferes. Para aqueles senhores ministros, a raia miúda nada sabe dizer, nada sabe ver. Mas fiquemos por aqui, porque já estou a dizer o que não devia. Bom, meus senhores, vamos para o Ninda. Com tanto turra aqui connosco è improvável que existam mais nas imediações. Tenho um longo relatório à minha frente...(em continuação, pág. 84, ex. XXIV)

in VISITADOS

Novembro/1999