quinta-feira, 23 de abril de 2020

QUANDO NASCE UM LIVRO


Hoje, dia mundial do livro, fui fazer uma visita àqueles momentos deliciosamente solitários, onde mundos fantásticos emergem para o mundo de cada um de nós, para o nosso gáudio, trazendo consigo personagens de índoles boas e más, delícias de quem, com elas, comunga daqueles momentos. Momentos que dão origem aos nossos valiosíssimos livros.

            A quem nos revela mundos escondidos e extraordinários, os escritores, um grande abraço!

domingo, 19 de abril de 2020

AGRICULTURA EM PORTUGAL: O RECONHECIMENTO DO DESENCONTRO

Porque neste tempo de pandemia tomámos verdadeira consciência do quanto a agricultura é importante para todos nós, aqui começo a publicar crónicas de quem sabe da matéria, e que fez o favor de me dispensar os seus textos para aqui os publicar. Obrigado João!


«Nestas últimas semanas tem sido um sério desafio falar de algo que esta pandemia não tenha afectado de forma séria, ou que esta pandemia não nos faça reflectir sobre. Uma delas é certamente a agricultura. No meio das nossas séries de Netflix, os resultados do nosso clube, as viagens que fazemos para qualquer parte deste planeta, a agricultura é (e sempre será?) a filha pobre da nossa sociedade.

É tão básica, dada como adquirida e invisível como o ar que respiramos. E como em tudo na nossa vida, como em tudo na nossa mente, só a sua falta ou dificuldade ao seu acesso é que nos lembra que afinal ela não é nada básica, não é nada invisível e nem pouco mais ou menos é um dado adquirido. E ela não se importa com isso.

Não pede reconhecimento, não luta pelo reconhecimento da sua importância, não faz conferências de imprensa sobre as injustiças de que é alvo. E então mais ainda se torna invisível.

Não é fácil encontrar uma indústria que não sobe os seus preços quando a sua procura aumenta, e a sua oferta tem dificuldade em aumentar. E impossível mesmo é encontrar uma indústria onde esta pressão faz quebrar o produtor, em vez de o enriquecer. Quando sai um telemóvel topo de gama que tem as melhores funcionalidades do mercado, e que por alguma razão antropologicamente justificável faz aumentar o status quo de quem o adquire, o seu fabricante apenas produz uma quantidade limitada destes produtos, o seu valor dispara, o status quo que ele oferece dispara também e os seus clientes, salivando e com os seus olhos raiados de sangue, fazem acampamentos à porta dos revendedores para o adquirirem 30 segundos depois do seu lançamento, custe o que custar, mesmo que nos meses vindouros esses clientes não se alimentem devidamente. Já quando a procura de um produto agrícola aumenta (por causa de um qualquer açambarcamento assustador) ou a sua oferta diminui (por um período de seca prolongado, uma praga, um aumento pornográfico dos preços dos combustíveis), quem sofre as consequências é por norma o produtor. É ele que tem que encontrar soluções técnicas, atalhos financeiros, prescindir muitas vezes da totalidade da sua margem de lucro e tantas vezes não ter tempo para dormir, de modo a que os contratos com as grandes superfícies sejam cumpridos, os seus clientes tenham alimentos frescos nos seus frigoríficos e a sobrevivência da sua família seja garantida, ainda que sem evolução na sua qualidade de vida. Ora… lá se foi o aspecto supostamente “básico” pela janela fora. O negócio agrícola tem todos os riscos de qualquer outro negócio, mais todos os outros riscos: riscos económicos e financeiros, mas também riscos climatéricos, biológicos, genéticos, entre tantos outros.

E quando o produtor não tem capacidade de fazer frente ao problema que põe em risco o fornecimento dos seus produtos a todos nós, é aí que ela, a agricultura, deixa de ser dada como adquirida. Quanto mais debilitada é a agricultura numa região, país ou continente, mais frágil e incapaz de responder a situações de emergência ela se torna. Terei oportunidade de em próximas oportunidades ir mais a fundo nesta temática, mas vejamos a quantidade de pessoas que neste momento têm dificuldade em adquirir alimentos, por dificuldades de locomoção, por dificuldades financeiras, por impedimento devido a este estado de emergência, e a quantidade de produtores que pelas mesmas razões e por razões crónicas têm dificuldade em escoar os seus produtos. Simplesmente não faz sentido. E por regra, são os consumidores com menor capacidade financeira, e os produtores com menor capacidade financeira, que têm maiores dificuldades, o que nos diz que este é um problema do sistema, da forma como as relações comerciais estão estabelecidas.

Bem sei que estamos inseridos num paradigma de mercado único, mas como o nome indica, o mercado tem de ser único, e, portanto, todos terão de estar incluídos. Assim como se vão criando formas originais de ajudar as pessoas mais fragilizadas neste momento de tão grande dificuldade a nível do consumo de bens de primeira necessidade, também se deveriam criar, não subsídios, não injecções de capital, mas vectores prioritários de escoamento de produtos nacionais que estão, neste momento em que estás a ler esta crónica, a criar situações tão angustiantes para produtores com os seus armazéns, arcas frigoríficas ou estábulos cheios, como a angústia de tantos portugueses terem neste momento o frigorífico vazio.

Não é mais importante cumprir as directrizes europeias sobre o mercado de produtos agrícolas, do que é tratar todos os cidadãos portugueses como iguais, sejam eles consumidores, ou sejam eles produtores agrícolas, sendo a esmagadora maioria dos mesmos que passam sérias dificuldades, dos poucos agentes económicos do interior do país que fixa pessoas, que atrai pessoas, ainda que cada vez mais este interior esteja… do avesso.»

João Miguel Fareleira Simão Gomes

quarta-feira, 15 de abril de 2020

NA VIDA UM EFÉMERO MOMENTO COM O FERNANDO PESSA


A 15 de Abril de 1902 nasceu em Aveiro o excelente jornalista português Fernando Pessa, que nas suas reportagens popularizou a expressão: «e esta hein?»

            Na minha vida apenas uma vez o vi ao vivo e foi num desfile militar, em Mafra, numa manhã nublada de Maio de 1978, quando um batalhão da EPI formado em frente ao Convento aguardava pela chegada de individualidades. Eu encontrava-me à frente da fanfarra, mais ou menos na direcção do café D. João V, com o bombo pendurado nos meus ombros, e com a fanfarra, a banda, os estandartes e as companhias formadas à minha esquerda, quando de repente, por trás de mim, surgiu o jornalista Fernando Pessa, que vendo-nos numa posição descontraída, me veio perguntar se eu sabia se as individualidades ainda demorariam muito. Eu respondi-lhe que não sabia. Ele sorriu-me e agradeceu-me. E neste efémero momento da minha vida, e em particular da minha vida militar, guardei para sempre o encontro com um dos maiores jornalistas portugueses de todos os tempos, possuindo eu ao peito a nobre divisa AD UNUM.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

CRÓNICA DOS DIAS PARADOS


Ao iniciar-se este ano de 2020, no Ocidente, muito longe estava eu de imaginar que, logo a seguir, Ocidente e Oriente iriam ver cair as barreiras  geográficas e culturais, para todos no mesmo momento enfrentarem globalmente um mesmo inimigo. Essa realidade, que estava apenas a meio mês de distância, se ma tivessem colocado, teria pensado que essa mesma hipótese apenas existia na mente de um lunático, de um alienado, a não ser que o mundo viesse a ser alvo de um ataque alienígena.

            A natureza é uma colossal potência!

            Comecei este ano de 2020 a acompanhar atentamente as notícias que nos chegavam da Austrália, as quais já acompanhava pelos telejornais desde Setembro de 2019. No início deste ano o que de diferente nos chegou, além das imagens terríveis daqueles incêndios dantescos (fruto também das alterações climáticas), que consumiam as vastidões australianas, foi a notícia do número de mortos. Nas televisões a Austrália abria os telejornais.

            No dia 3 de Janeiro fui surpreendido com a notícia do ataque dos Estados Unidos ao Irão, em território iraquiano, um ataque cirúrgico, pois teve por alvo apenas a morte do general iraniano Qasem Soleimani, considerado um perigosíssimo terrorista pelos Estados Unidos, que então se encontrava em Bagdade, ataque que foi bem sucedido. Perante esta notícia fiquei bastante apreensivo, pois que pressentia que o Irão iria retaliar, e isso acontecendo, poderia dar origem a uma escalada grave de conflito. Aconteceu apenas um esboço disso já que não houve tempo para mais.

No dia 5 de Janeiro segui pela televisão, com imenso regozijo, os preparativos de partida do nosso Navio Escola Sagres numa viagem de circum-navegação, fazendo o mesmo trajecto que o nosso navegador Fernão de Magalhães fez há 500 anos, tendo por objectivo final encontrar-se na capital japonesa- Tóquio, aquando da realização dos jogos olímpicos deste ano, preparativos que tiveram por momento maior uma cerimónia presidida pelo nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que proferiu um discurso patrioticamente emocionado.

E enquanto estas questões de alto nível aconteciam, e captavam a minha atenção, outras de muito menor monta também tinham lugar nas notícias e também sensibilizavam o meu sentido crítico, como a daquela condutora de Viana do Castelo, que em 6 de Janeiro, após ter provocado um acidente de viação, acusou uma TAS de 3,5g/l no sangue, ou no dia 9 de Janeiro a notícia da morte na cadeia de alta segurança de Monsanto do marroquino do Estado Islâmico que, há dois anos, através da internet, num apartamento de um prédio localizado no Bairro do Liceu, onde resido, recrutava operacionais para o Estado Islâmico, tendo sido preso em Paris, ou ainda a notícia do dia 17 de Janeiro, em que se informava que uma mulher, durante uma sessão de poder parental, num tribunal de menores português, atacou a juíza ao murro e ao pontapé…até que  chegou aquela notícia, no dia 21 de Janeiro, em que se dizia que no mercado de uma cidade chinesa, Whuan, um vírus de gripe desconhecido, proveniente de morcegos, começara a infectar humanos, estando a provocar uma epidemia na cidade.

Pois, com toda a espécie de bicharada que comem por lá, pensei eu, é natural que aconteçam destas coisas. Como diria o falecido António Feio, só comem mosquedo. Mas a epidemia começou a crescer e eu comecei a perder a vontade de fazer humor com a questão.

Depois aconteceu naquele dia, em finais de Janeiro, que uma chinesa de Whuan veio a uma reunião de trabalho à Alemanha. E na reunião infectou dois homens, que se tornaram dos primeiros infectados do tal vírus da gripe da China, o coronavírus COVID 19, na Europa. E aí a epidemia alastrou-se para a Europa e rapidamente para todo o mundo, crescendo de epidemia para pandemia.

E as notícias da Austrália e da morte do general iraniano dissolveram-se no caldo do COVID 19, e o nosso Navio Escola Sagres interrompeu a sua viagem de circum-navegação e deu meia-volta, de regresso a Portugal, pois nenhum porto do mundo o receberia, por um lado, e por outro porque o Japão se viu na necessidade de adiar os jogos olímpicos para o próximo ano.

E o vírus começou a apertar o cerco, paralisando o mundo, semeando o medo… e matando, com forte incidência em Espanha e Itália, e nós fomos obrigados a confinarmo-nos nas nossas casas, observando, ao longe, pela televisão, o mundo parado e vazio, enquanto pelas nossas janelas observávamos nas nossas ruas o mesmíssimo cenário.

Os dias, entretanto, têm-se arrastado devagar, numa vivência doméstica, tendo por agitação apenas e só as imagens e notícias que as televisões nos têm oferecido.

Nestes dias parados tomei consciência de que as preocupações que mais me afectam, as relacionadas com a acção deste vírus, me põem ao mesmo nível daquele ser humano que eu julgava que vivia num outro planeta que não o meu, tal era a diferença de vida entre nós. Mas afinal cheguei à conclusão de que esses, imensamente ilustres e famosos, são tão humanos como eu, no fundo tão vulneráveis aos ataques da natureza como eu, partilhando comigo, neste preciso momento,  os mesmos receios. Por estes dias o mundo ficou bem mais pequeno.

Olhando pela minha janela, em que, muito calmamente, observo as deliciosas árvores da minha rua, agora mergulhada em silêncio, vejo e ouço as rolas e os melros poisados nos seus ramos, desfrutando do conforto e segurança que aquelas árvores lhes oferecem, e penso o excelente que seria a humanidade aproveitar esta forte e abrupta desaceleração da actividade quotidiana, para reflectir, ao ver a poluição mundial a cair a pique, e pensar em aproveitar essa «calçadeira» para ressurgir com uma nova filosofia de vida, de forma a ajudar o planeta a recuperar de todas as nefastas agressões ambientais, reaprendendo assim a apreciar o canto de rolas e melros nas árvores das nossas ruas, no fundo amando genuinamente a natureza, que por estes dias tem andado zangada connosco.




domingo, 5 de abril de 2020

O MISTICISMO DE PORTUGAL NESTA QUARENTENA


Neste período de quarentena a que todos estamos civicamente obrigados a viver, aproveitei para ler um livro que há muito estava nos meus horizontes. E em boa hora o fiz. E a todos os que saibam reconhecer na história do nosso pequeno país valor e coragem, aconselho a leitura deste livro, nesta altura de recolhimento. Aqui fica um pequeníssimo excerto do livro, intitulado: História Mística de Portugal, da autoria do historiador Pedro Silva.



«O facto de todos nos conhecerem como país de brandos costumes parece indiciar que, por mais estranho que pareça, este seja um local onde o Amor, enquanto sentimento verdadeiro, livre de fenómenos físicos e fraterno, reside em toda a sua amplitude.

Se mais fosse necessário, bastaria atentar em dois pormenores cruciais: em primeiro lugar, conseguimos, no seio da tristeza crónica que se apoderou da nossa alma, consubstanciada no mito do sebastianismo, ainda acreditar que, um dia, Portugal será a mítica nação, capaz de voltar à época áurea que foi seu apanágio nos séculos XV e XVI; em segundo lugar, pertence-nos, e é por nós devidamente acarinhada, a palavra Saudade, tipicamente representativa de um sentimento que não renegamos e que nos coloca como, de forma primícia, capazes de olhar para o nosso passado com carinho e orgulho.

Fomos a nação que, mais longe tendo chegado, mais perto se sentiu de todos aqueles que visitámos, viajando em caravelas visionárias que rasgaram os oceanos com a mesma impetuosidade com que, ainda hoje, os nossos literatos defendem o valor do nosso passado.

Felizmente, em Portugal, a Saudade existe. E, se nos é permitido declarar, temos a grata felicidade de poder, ainda hoje, percorrer os caminhos da História através da visualização dos nossos monumentos, parte integrante do que fomos e do que poderemos vir a ser, desde que inspirados pelo destino.»

In História Mística de Portugal, Pedro Silva