sábado, 28 de setembro de 2019

FUNGOS SOCIAIS EM TANCOS


Eu ainda não me tinha esquecido do miserável episódio de Tancos, mas como o considero, muito provavelmente, a coisa mais abjecta que a nossa democracia nos ofereceu, tenho-o mantido nos confins da minha memória. E porquê?

            A nossa população que, cronologicamente, está abaixo do patamar dos…vejamos…58 anos de idade, quando se deu o 25 de Abril tinha 13 anos. Com treze anos poucas coisas relativas à política se retêm. Portanto, esses, muito provavelmente não sentiram a verdadeira força da sigla MFA, que em 25 de Abril de 1974 incendiava os espíritos revolucionários. «O Povo Está Com o MFA». Esta frase foi gritada, por esses dias, milhões de vezes, por gargantas sedentas de justiça social e nenhuma guerra no ultramar. Os que se encontram abaixo dessa faixa etária tomaram conhecimento daquela sigla pela boca dos pais e pelos próprios rumores da história. Isso é uma coisa, mas senti-la e gritá-la com dezoito anos de idade, é outra completamente diferente.

            Eu fui um dos que gritou MFA- Movimento das Forças Armadas até à exaustão. Três anos depois, em 1977, com imenso orgulho iniciei o meu serviço militar obrigatório em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, essa escola de guerra, a mãe dos infantes, e uma escola da vida. Por essa razão sei o que para Portugal representam as Forças Armadas. Sim, eu sei que são fundamentais em todos os países, mas em Portugal trouxeram algo mais, porque devolveram a liberdade ao povo, liberdade essa de que a maioria dos que hoje formam o povo português desconhece o verdadeiro e real valor.

            Por isso considero que vivemos, desde há dois anos, o golpe mais baixo, mais ordinário, que a nossa democracia criou. Sim, porque este golpe foi possível apenas e só porque a nossa democracia, de ano para ano, tem perdido os seus mecanismos de defesa contra os fungos sociais, que lhe vão sugando a vitalidade e a seiva, esse micróbio nojento e parasitário da corrupção, que apenas merece o tratamento que o Otelo Saraiva de Carvalho, enquanto comandante do Cop-Con, há muitos anos lhe queria reservar.

            Depois de tudo o que foi dito, e as últimas novas são explosivas, ainda continuo a não perceber como foi possível que um plano, por mais bem elaborado que tenha sido, conseguiu penetrar os muros de Tancos e conseguiu penetrar os paióis propriamente ditos. Só este facto, completamente impossível no meu tempo de tropa, porque um paiol era mais sagrado do que um altar de uma catedral, é uma horrível machadada no digníssimo nome das Forças Armadas. Algo de muito, muito anormal, aconteceu. E não serei eu aqui que escreverei essa suja hipótese, mas que penso nela, isso penso. E é na verdade uma sombra negra.

            E depois vem o resto. Parece que «o fechaduras» (e é ao fim de quase dois anos que volto a ouvir falar nele), depois de ter sido contratado pelo cérebro da operação, a troco de 50000 euros, para abrir as fechaduras das Forças Armadas de Tancos, arrependeu-se e denunciou a operação parece que ao Ministério Público de Loulé…três meses antes do assalto (parece que estamos a falar de um assalto a um supermercado). E a coisa deu-se na mesma. Horrível!

            A política anda agora aos trambolhões, ainda mais às portas de eleições legislativas. Quanto mais mexem mais a coisa cheira mal.

            Nos meses a seguir ao 25 de Abril Portugal assistiu a saneamentos em série. Era tão bom recuperar essa prática e sanear um valente punhado de gente miserável, que há muito está a mais na nossa sociedade.

            Que o povo português continue a elevar bem alto o nome das Forças Armadas, esse valoroso símbolo da nossa amada democracia, e aos que ousaram tentar denegrir as FA, recebam o prémio que toda a indignidade de um povo lhes quer oferecer!

sábado, 14 de setembro de 2019

XXVIII JANELA SOBRE O MEU PAÍS- O MUNDO A NAVEGAR PELOS CANAIS DA RIA DE AVEIRO


Numa tarde quente e luminosa de Setembro duas culturas se cruzam a bordo de moliceiros. Nos canais da ria, na calma de quem nos visita, os moliceiros, outrora barcos de recolha de moliço, na ria de Aveiro, com que se fertilizavam as terras, transportam agora o turista. Das ruas que ladeiam os canais, os cagaréus e os ceboleiros observam o mundo que viaja nos seus barcos históricos, numa multiplicidade de línguas que atravessam os canais, entrecortadas pelos piados das gaivotas e dos corvos marinhos.

            Os canais da ria de Aveiro são agora auto-estradas dos cinco continentes!

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

UM SENTIMENTO INEXPLICÁVEL


...-         Vamos filho, vamos embora... mas estou sem jeito.

-         Porquê pai?

-         Pareceu-me que aqui, perante os meus olhos, tiveste uma transformação, ou melhor, uma recuperação. De um momento para o outro deixei de te sentir tão abatido.

-         Pai, sinto-me realmente mais revigorado. É como se neste momento algo me desse a certeza de que a Catarina está viva... e me aguarda.

-         Que te aguarda? Vê lá o que te passa por essa cabeça. A vida não pode parar...

-         Pai, estás com receio de quê?

-         Por aquilo que me estás a dizer só posso deduzir uma coisa.

-         O quê?

-         Que estás com vontade de ires ter com a Catarina.

-         Suicídio? Não pai, não me percebeste. Eu sinto que a Catarina me aguarda na vida e não na morte.

-         Álvaro, não te enganes, a Catarina morreu...

-         Pai, não me estou a fazer entender. Tal como aconteceu na «operação do alferes bruxo», voltou-me a acontecer algo de estranho.

-         Que é isso do alferes bruxo?

-         É uma história. Vamos embora.

-         Sim vamos, mas não me podes contar essa história?

-         Posso. Trata-se de uma história de guerra que aconteceu o mês passado. Se ela não tivesse existido, talvez tu agora estivesses a chorar a minha morte.

-         Não me digas uma coisa dessas!

-         Não te digo porquê? Seria isso muito mais natural do que ter eu recebido a notícia da morte da Catarina.

-         E o que foi que se passou?- perguntou o enfermeiro Victor, enquanto ambos se afastavam daquele talhão e reentraram na rua empedrada.

-         A nossa companhia foi fazer uma missão de reconhecimento para ver se se detectavam sanzalas inimigas, pois três dias antes o nosso aquartelamento fora alvo de um forte ataque. De repente ouvi uma voz segredar-me ao ouvido que na picada os turras nos tinham preparado uma emboscada. É absurdo, mas confiei plenamente naquele aviso, como se eu próprio tivesse inspeccionado o local da emboscada. Fui avisar o comandante da companhia, um bom homem, excelente comandante. A princípio ele não me deu crédito, mas perante a minha insistência, cedeu com muitas reservas. Aquilo era uma maluquice. Mas...e se fosse verdade? Correndo o risco de me sujeitar a tribunal militar, pois eu estava a interferir com a vida de cento e cinquenta combatentes, mantive a minha palavra, e a coluna militar a partir desse momento tomou um comportamento altamente defensivo, contra um inimigo que ninguém sabia se existia. Mas os turras estavam lá mesmo. Eram cinquenta.

-         Houve muitas baixas?- perguntou o enfermeiro Victor, sentindo através das palavras do filho a sensação de algo semelhante já vivido, acontecido com ele, havia muitos anos.

-         Não se disparou um único tiro e os turras foram todos capturados.

-         Esse caso é perfeitamente insólito. És tu então o alferes bruxo?

-         Sou- respondeu Álvaro sorrindo- tal como naquela altura, em que eu senti a presença do inimigo sem o poder ver, também agora sinto que a Catarina não morreu. E aprendi a confiar neste sentimento de aproximação por quem não se vê e nem se sabe onde se encontra.

-         Mas Álvaro, eu vi a Catarina no caixão. Estive no funeral, o caixão foi ali aberto, vi-o descer à terra...

-         Pai, eu também não conhecia aquela mata, e no entanto a minha profecia revelou-se exacta. Sei que a fonte que me inspirou em Angola é a mesma que me inspira neste momento.

-         Vais dizer isso aos pais da Catarina?

-         Evidentemente! Anunciar-lhes a vida da filha é o grande presente de Natal da vida deles.

-         Vão-te chamar louco, vão pensar que o Ultramar te transtornou a cabeça.

-         É isso que tu pensas?

-         Eu...- o pai de Álvaro manteve-se uns segundos em silêncio, fixando o filho- não Álvaro, não é isso que eu penso, porque compreendo o inexplicável desse teu sentimento.

-         Como é que podes percebê-lo?

-         Um dia te direi. Também tenho uma história para contar, mas fica para outra altura. Os pais da Catarina querem-te ver...(em continuação, ex. XXXIX)

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