Quando se tem 52 anos de idade, existem memórias de momentos ou situações vividas, que já se podem contar por três dezenas de anos o espaço de tempo que nos já separam delas. E é já tanto esse tempo, que acontece perguntar-me a mim próprio se realmente aconteceram, ou não será fruto da minha imaginação.
No já distante ano de 1977, frequentava eu o 2º ano do Curso Complementar dos Liceus. Preparava-me para fazer o Propedêutico; e tinha o sonho de seguir veterinária. Residia então em Alfeizerão. Como pretendia seguir para veterinária, consegui ser assistente do Dr. Vasconcelos, médico-veterinário na Quinta do Gorjão, em Alfeizerão (naquela época). Como que iniciei ali o meu estágio, mesmo antes de ter começado a licenciatura (que por circunstâncias da vida acabei por não fazer). Por tal razão começou a correr na aldeia que eu era veterinário, ou que tinha aspirações a tal. Auxiliava eu o Dr. Vasconcelos havia talvez uns três meses, quando a um Sábado do início da Primavera desse ano de 1977, encontrando-me eu em casa, bateram à porta, perguntando pelo doutor veterinário. A minha mãe ficou espantada e respondeu que ali não vivia nenhum veterinário. Mas a pessoa insistia que era ali sim senhor. A minha mãe, sabendo da minha acção junto do Dr. Vasconcelos, chamou-me então. Era para me dirigir à quinta do Gorjão, porque uma porca tinha ido à cobrição, morrera enquanto era coberta, e precisavam de saber se a porca podia ou não ser consumida. Os meus pais olharam para mim com desconfiança- vê lá rapaz o que vais fazer. E lá fui eu, num 2 cavalos, interiormente muito satisfeito por estar a ser considerado veterinário, mas apreensivo, pois não sabia o que havia de fazer à vida.
Lá chegado, levaram-me atá à porca, cuja carcaça se encontrava rodeada por três ou quatro pessoas.
E agora que fazemos, senhor doutor?
Mas que doutor? Eu não era doutor nenhum!
Não era o que se dizia pelas redondezas. Sempre a trabalhar com o Dr. Vasconcelos!!
Bem, alguma coisa tinha de ser feita. Pedi então que abrissem a bicha, para poder chegar a alguma conclusão, se é que seria capaz de tal. Pedi que me expusessem os pulmões, o que fizeram. E foi então que reparei que os pulmões da porca apresentavam muitas bolhas de líquido, algumas delas rebentadas. Recorrendo aos meus elementares conhecimentos da forma como funciona o organismo de qualquer mamífero, conclui que: 1º- a porca sofria de uma doença pulmonar, a julgar por aquelas bolhas que nos pulmões não deveriam existir; 2º- no esforço da cobrição, o animal morrera, provavelmente ao facto de algumas daquelas bolhas terem rebentado; 3º- o sangue, passando pelos pulmões, efectuando ali a troca gasosa, libertando o dióxido de carbono e recebendo o oxigénio, inevitavelmente, fora contaminado pelo líquido estranho ao organismo, existente nas bolhas, e como tal, contaminara a estrutura celular do animal, enchendo assim de toxinas toda a carne. O animal não estava próprio para consumo. Foi esse o meu veredicto...que foi respeitado, e a porca enterrada.
Na segunda feira seguinte, ao encontrar-me com o Dr. Vasconcelos, contei-lhe a minha odisseia, tendo-me ele dito então que eu acertara em cheio, pois a carne da porca estava mesmo contaminada, tendo a causa da morte, e baseado nas informações que lhe transmiti, sido uma congestão pulmonar, tendo-me dado os parabéns pela conclusão a que cheguei, e rindo-se pelo facto de eu ter sido considerado veterinário.
Esta recordação acompanha-me há 31 anos. Tantos anos, e sendo eu o único protagonista conhecido, que me interroguei já se não seria imaginação minha.
Até há três dias, em que, em Alfeizerão, me encontrei com o meu velho amigo Paulino, a quem não via há muitos anos. que ao ver-me disse: «Olha o senhor doutor!», tendo-me abraçado. Eu não percebi a exclamação, porque não sou doutor nenhum, e fiz-lhe essa observação.
- Então pá, não te lembras daquele dia em que foste chamado à Quinta do Gorjão, para dizeres se a porca que tinha morrido na cobrição se podia ou não comer?
- O quê? Ó Paulino, então tu estavas lá?
- Pois estava. Fui eu que abri a porca que tu mandas-te abrir. Não te lembras?
Olhem-me como a vida é, e como se encarrega de dissipar dúvidas. Afinal aconteceu!!
No já distante ano de 1977, frequentava eu o 2º ano do Curso Complementar dos Liceus. Preparava-me para fazer o Propedêutico; e tinha o sonho de seguir veterinária. Residia então em Alfeizerão. Como pretendia seguir para veterinária, consegui ser assistente do Dr. Vasconcelos, médico-veterinário na Quinta do Gorjão, em Alfeizerão (naquela época). Como que iniciei ali o meu estágio, mesmo antes de ter começado a licenciatura (que por circunstâncias da vida acabei por não fazer). Por tal razão começou a correr na aldeia que eu era veterinário, ou que tinha aspirações a tal. Auxiliava eu o Dr. Vasconcelos havia talvez uns três meses, quando a um Sábado do início da Primavera desse ano de 1977, encontrando-me eu em casa, bateram à porta, perguntando pelo doutor veterinário. A minha mãe ficou espantada e respondeu que ali não vivia nenhum veterinário. Mas a pessoa insistia que era ali sim senhor. A minha mãe, sabendo da minha acção junto do Dr. Vasconcelos, chamou-me então. Era para me dirigir à quinta do Gorjão, porque uma porca tinha ido à cobrição, morrera enquanto era coberta, e precisavam de saber se a porca podia ou não ser consumida. Os meus pais olharam para mim com desconfiança- vê lá rapaz o que vais fazer. E lá fui eu, num 2 cavalos, interiormente muito satisfeito por estar a ser considerado veterinário, mas apreensivo, pois não sabia o que havia de fazer à vida.
Lá chegado, levaram-me atá à porca, cuja carcaça se encontrava rodeada por três ou quatro pessoas.
E agora que fazemos, senhor doutor?
Mas que doutor? Eu não era doutor nenhum!
Não era o que se dizia pelas redondezas. Sempre a trabalhar com o Dr. Vasconcelos!!
Bem, alguma coisa tinha de ser feita. Pedi então que abrissem a bicha, para poder chegar a alguma conclusão, se é que seria capaz de tal. Pedi que me expusessem os pulmões, o que fizeram. E foi então que reparei que os pulmões da porca apresentavam muitas bolhas de líquido, algumas delas rebentadas. Recorrendo aos meus elementares conhecimentos da forma como funciona o organismo de qualquer mamífero, conclui que: 1º- a porca sofria de uma doença pulmonar, a julgar por aquelas bolhas que nos pulmões não deveriam existir; 2º- no esforço da cobrição, o animal morrera, provavelmente ao facto de algumas daquelas bolhas terem rebentado; 3º- o sangue, passando pelos pulmões, efectuando ali a troca gasosa, libertando o dióxido de carbono e recebendo o oxigénio, inevitavelmente, fora contaminado pelo líquido estranho ao organismo, existente nas bolhas, e como tal, contaminara a estrutura celular do animal, enchendo assim de toxinas toda a carne. O animal não estava próprio para consumo. Foi esse o meu veredicto...que foi respeitado, e a porca enterrada.
Na segunda feira seguinte, ao encontrar-me com o Dr. Vasconcelos, contei-lhe a minha odisseia, tendo-me ele dito então que eu acertara em cheio, pois a carne da porca estava mesmo contaminada, tendo a causa da morte, e baseado nas informações que lhe transmiti, sido uma congestão pulmonar, tendo-me dado os parabéns pela conclusão a que cheguei, e rindo-se pelo facto de eu ter sido considerado veterinário.
Esta recordação acompanha-me há 31 anos. Tantos anos, e sendo eu o único protagonista conhecido, que me interroguei já se não seria imaginação minha.
Até há três dias, em que, em Alfeizerão, me encontrei com o meu velho amigo Paulino, a quem não via há muitos anos. que ao ver-me disse: «Olha o senhor doutor!», tendo-me abraçado. Eu não percebi a exclamação, porque não sou doutor nenhum, e fiz-lhe essa observação.
- Então pá, não te lembras daquele dia em que foste chamado à Quinta do Gorjão, para dizeres se a porca que tinha morrido na cobrição se podia ou não comer?
- O quê? Ó Paulino, então tu estavas lá?
- Pois estava. Fui eu que abri a porca que tu mandas-te abrir. Não te lembras?
Olhem-me como a vida é, e como se encarrega de dissipar dúvidas. Afinal aconteceu!!
2 comentários:
Pois só podia ter acontecido,
porque o nosso Futrica, tem uma memoria"prodigiosa"!
E o que ele tem tambem, é uma forma maravilhosa de contar as pequenas coisas do dia a dia, em viagens fantáscicas, em que as palavras se transformam em gente,bichos, florestas, brumas, cheiros, rúidos e silencios, que nos prendem os sentidos!!
Coisas de gente que nasceu para escrever!!
Clara, quase seis anos depois de teres escrito este comentário, aqui te venho agradecer estas palavras tão carinhosas e motivadoras.
Que Deus permita que eu continue a escrever com entusiasmo e que a ti te faça muito feliz, e crie as condições que possibilitem o reconhecimento de todo o teu potencial.
Obrigado
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