...Depois
da partida do deus Horus, o faraó, tomado de uma profunda ira, alvoroçou todo o
palácio, ordenando que toda a gente estivesse bem acordada. Pressentindo
profundas mudanças no humor do faraó, Nefertiti e as aias quedaram-se num
respeitoso silêncio. O faraó enviava mensageiros- que viessem o vizir de Tebas,
os hatiuás e os escribas. A todos o faraó tinha determinações a dar; e passado
algum tempo, do meio da noite começaram a afluir ao palácio real os altos
funcionários do reino, que ainda um tanto ou quanto estremunhados, questionavam
as razões que levariam o faraó a uma tão inesperada reunião.
Sentados no chão, de pernas cruzadas,
formando um semi-circulo em redor do imponente trono do faraó, formado por uma
escadaria composta por dez degraus, encimada por um patamar enorme, forrado de
peles de leopardo, onde estava colocado o cadeirão real, cravejado de ouro e
pedras preciosas, os altos funcionários aguardavam pelas palavras de Amenhotep,
o quarto. Este, levantou-se do seu trono e com olhar chamejante fixou os seus
súbditos. Em silêncio desceu a escadaria que o conduzia até ao chão; depois,
firmando o vácuo, disse:
- O
Egipto tem uma nova rainha. Se não o sabíeis, ficais agora a sabê-lo; mas
espero que esta noticia já não seja novidade para vós, pois como altos
servidores do faraó, devereis estar atentos a tudo o que de bom e de mau se
passa na terra egípcia.
Mas já todos o sabiam, pois muitos olhos
haviam visto o faraó a levar uma sacerdotisa do templo de Amon-Rá.
- O
vosso faraó- continuou Amenhotep, o quarto- no entanto pagou um preço alto pela
conquista da sua rainha. Perdi a bênção dos deuses! Mas não fiquem deveras
preocupados, porque eu estou calmo e ciente da minha razão. Eu sou faraó! Eu sou
o Egipto! O faraó necessita de descendência, como tal é urgente haver uma
rainha. O faraó, porque vai ser pai da descendência real do Egipto, tem por
direito escolher para rainha a mulher mais nobre e pura que encontrar; e a
minha escolha recaiu sobre uma sacerdotisa de Amon-Rá. O deus supremo não
gostou da minha escolha. O deus supremo sentiu-se ofendido por eu ter escolhido
uma sua sacerdotisa para rainha do Egipto. Eu coloco então a seguinte questão:
terá a ofensa de Amon-Rá legitimidade? Tem Amon-Rá o direito de se opor à
eleição de uma sua sacerdotisa para rainha do Egipto? Não, vos respondo eu!!
Onde estão, em Amon-Rá, os espíritos dos faraós que compuseram as dinastias
anteriores a nós? É com uma atitude destas que o deus supremo revela o seu respeito
pelas dinastias que nos legaram o maravilhoso Egipto que hoje possuímos? Não!!
E sabeis porquê? Porque no âmago da sua essência, Amon-Rá não é egípcio!! Podeis
perguntar-me se eu tenho provas?! Que melhor prova é senão o facto de Amon-Rá
ter eleito para seu Sumo-Sacerdote um estrangeiro?! Como pode ser possível que
um não egípcio ocupe o mais alto cargo religioso do Egipto? Só assim se
compreende que Amon-Rá não tenha ficado contente com a eleição de uma sua
sacerdotisa para rainha, mãe da futura descendência egípcia. Em mim estão
condensados todos os poderes dos deuses, pois eu sou deus na terra. Tenho a
capacidade mental, espiritual, psicológica e politica de Amon-Rá. E tenho algo
que ele não tem… eu sou leal à nação das pirâmides, sou leal ao imenso e magnífico
Nilo. Eu tenho de ser o Egipto, porque sou faraó, mas principalmente porque sou
egípcio. Assim, determino que a partir deste momento fiquem proibidos quaisquer
manifestações religiosas em honra de Amon. O templo de Tebas vai ser encerrado,
e o seu Sumo-Sacerdote, o estrangeiro Masahemba, passa a ser considerado
prisioneiro, como tal, transformado em escravo. O deus supremo volta a ser Aton, o
magnânimo deus da desaparecida Mênfis. Qualquer culto a Amon-Rá será punido com
o chicote, e se as manifestações se mantiverem, a punição poderá ir até à pena
de morte. A partir deste momento o faraó passa a chamar-se Akhenaton, faraó ao
serviço do deus Aton. Que o sol ilumine Lucsor e Karnak somente na bênção de
Aton. Irei fundar uma cidade a que chamarei Amarna, como tributo a Aton; e
enquanto lá não puder viver, terei o meu próprio tabernáculo a Aton, aqui no
meu palácio. Vizir de Tebas, tens em algum escriba as qualidades necessárias
para poder desenvolver a prática de sumo-sacerdote?
-
Sim, divino senhor. O escriba Efreiménus. Estudou e praticou a filosofia e
espiritualidade dos deuses.
-
Pois que Efreiménus passe a viver na casa do faraó, e canalize as suas orações
para Aton. Posto isto fazei com que as determinações do faraó Akhenaton sejam
cumpridas. E logo pela manhã quero a meus pés o estrangeiro Masahemba.
O palácio esvaziou-se. Os altos
funcionários não sabiam o que dizer. Não houve qualquer oportunidade a que se
pronunciassem; e sentiram que se o fizessem não sairiam dali vivos. O faraó não
estava a actuar bem… mas era o faraó. E as suas cabeças respondiam pelo não
cumprimento das suas determinações. Os altos funcionários iriam fazer cumprir a
determinação de proibir o culto a Amon-Rá. Mas estavam dispostos, no mais
secreto dos seus seres, honrar Amon com as suas preces. Dissesse o faraó o que
dissesse, Amon-Rá era o Egipto. Que Amon-Rá velasse pela terra egípcia e
destronasse aquele faraó o quanto antes...(em continuação, pág. 43, ex. XIV)
in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ
Novembro/2005