...Entretanto foi servido um
soberbo arroz de pato. Até àquele momento, Maria Clara, filha do conde, ainda
não pronunciara uma única palavra. Parecia que não estava sentada àquela mesa.
Aproveitando o interregno que se fez no nosso acalorado diálogo, com a chegada
do arroz de pato, dirigi a palavra àquela mulher tão silenciosa, tão
permanentemente introspectiva. Como tinha vontade de a ouvir falar, mas sem
saber o que lhe dizer que lhe provocasse as palavras, lembrei-me de lhe fazer
uma pergunta cujo teor estivesse directamente relacionado com a minha presença
ali. Por isso perguntei:
- E como vai a saúde da
senhora D. Maria Clara?
- A saúde da minha irmã
vai muito bem. Ela é uma donzela de ferro – respondeu-me o irmão, com um
sorriso forçado.
Por um breve momento eu fixei o filho do Conde de Cértima,
com vontade de lhe perguntar se ele se chamava Maria Clara. Mas é claro que não
o fiz, nem nunca o faria… pelo menos naquele local.
- Como diz meu irmão, a
minha saúde é boa, senhor doutor – disse finalmente Maria Clara.
A voz dela traduzia força de carácter, boa saúde, mas
nenhuma alegria. Eu não tinha qualquer intimidade com ela para lhe poder dizer
que a achava uma mulher muito triste. Mas teria de dizer alguma coisa. O meu
sexto sentido impelia-me a fazê-lo.
- Reconheço que tem umas
óptimas cores, que traduzem, só por si, boa saúde, mas esse espírito…
- O doutor também é
padre? – Perguntou Pedro Corga, com rispidez.
- Não, apenas estou a tentar
fazer uma avaliação…
- Senhor doutor, peço-lhe
que desculpe o meu filho. Sabe, na vida militar os rigores da disciplina
endurecem os homens.
Pelo canto do olho, enquanto o Conde de Cértima me dirigia
estas palavras, apercebi-me de que Pedro Corga fazia um sinal á irmã, pelo que
de imediato a ouvi dizer:
- Senhor meu pai,
peço-lhe licença para me retirar.
- Não é muito cortês
fazê-lo, na presença de uma visita – disse o conde.
- O senhor doutor me
perdoará, mas tenho os meus votos para cumprir.
- Por quem é, minha
senhora – disse eu.
- Pois então pode
retirar-se, minha filha.
Todos nos levantámos
quando Maria Clara abandonou a mesa...(em continuação, pág. 34- ex. XV )
in Alma de Liberal
Junho/2009
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