sexta-feira, 14 de março de 2014

NAQUELA CASA, UMA SOMBRA QUE POR VEZES SORRI

...Entretanto foi servido um soberbo arroz de pato. Até àquele momento, Maria Clara, filha do conde, ainda não pronunciara uma única palavra. Parecia que não estava sentada àquela mesa. Aproveitando o interregno que se fez no nosso acalorado diálogo, com a chegada do arroz de pato, dirigi a palavra àquela mulher tão silenciosa, tão permanentemente introspectiva. Como tinha vontade de a ouvir falar, mas sem saber o que lhe dizer que lhe provocasse as palavras, lembrei-me de lhe fazer uma pergunta cujo teor estivesse directamente relacionado com a minha presença ali. Por isso perguntei:
- E como vai a saúde da senhora D. Maria Clara?
- A saúde da minha irmã vai muito bem. Ela é uma donzela de ferro – respondeu-me o irmão, com um sorriso forçado.
         Por um breve momento eu fixei o filho do Conde de Cértima, com vontade de lhe perguntar se ele se chamava Maria Clara. Mas é claro que não o fiz, nem nunca o faria… pelo menos naquele local.
- Como diz meu irmão, a minha saúde é boa, senhor doutor – disse finalmente Maria Clara.
         A voz dela traduzia força de carácter, boa saúde, mas nenhuma alegria. Eu não tinha qualquer intimidade com ela para lhe poder dizer que a achava uma mulher muito triste. Mas teria de dizer alguma coisa. O meu sexto sentido impelia-me a fazê-lo.
- Reconheço que tem umas óptimas cores, que traduzem, só por si, boa saúde, mas esse espírito…
- O doutor também é padre? – Perguntou Pedro Corga, com rispidez.
- Não, apenas estou a tentar fazer uma avaliação…
- Senhor doutor, peço-lhe que desculpe o meu filho. Sabe, na vida militar os rigores da disciplina endurecem os homens.
         Pelo canto do olho, enquanto o Conde de Cértima me dirigia estas palavras, apercebi-me de que Pedro Corga fazia um sinal á irmã, pelo que de imediato a ouvi dizer:
- Senhor meu pai, peço-lhe licença para me retirar.
- Não é muito cortês fazê-lo, na presença de uma visita – disse o conde.
- O senhor doutor me perdoará, mas tenho os meus votos para cumprir.
- Por quem é, minha senhora – disse eu.
- Pois então pode retirar-se, minha filha.
         Todos nos levantámos quando Maria Clara abandonou a mesa...
(em continuação, pág. 34- ex. XV )
in Alma de Liberal
Junho/2009

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