...Fiquei por uns instantes
a segui-la com os olhos.
- A minha irmã pode
tornar-se numa mulher muito atraente – disse o filho do conde, que me
observava.
- Realmente – retorqui –
mas acho a senhora D. Maria Clara tomada por uma grande tristeza – disse eu,
dirigindo-me ao conde.
- Sabe senhor doutor, as
mulheres vivem em permanentes romances. Sonham com o amor da sua vida, que se
ainda não chegou, um dia há-de chegar. Já a minha falecida mulher era assim,
mesmo depois de eu ter chegado. E por vezes, certas leituras não fazem bem
nenhum.
- Leituras? – perguntei
eu com curiosidade.
- Chegaram ás mãos da
minha filha uns versozitos desse pedreiro-livre, o Almeida Garrett. Leituras
subversivas, que transtornam a cabeça de uma moça.
- Conheci o Almeida
Garrett na Universidade – disse eu, inocentemente.
- Mas é claro que somente
o conheceu… nunca privou com ele.
Estávamos a entrar numa matéria perigosa.
- Não, nunca privei com
ele. O Almeida Garrett pertencia ao núcleo de poetas. Eu nunca tive veia para a
poesia.
- Mas lê? – perguntou-me
o filho do conde.
- Se leio poesia? De
quando em vez.
- Já leu versos do
Almeida Garrett?
- E quem me faz a
pergunta? O senhor Pedro Corga ou o senhor oficial?
- Pedro, deixe-se lá
dessas questões. O doutor é meu médico e meu convidado – disse o Conde de
Cértima, repreendendo o filho.
- Mas, meu pai, com todo
o respeito, estamos apenas a conversar.
- Não esteja incomodado,
senhor conde. É para mim um prazer conversar com o filho de vossa excelência –
disse eu, mais confiante, por saber que era protegido do conde.
Eu
sentia que aquela conversa não seria apenas uma conversa de circunstância.
Respondi então a Pedro Corga:
-
É claro que li Almeida Garrett. È claro que sou politicamente esclarecido, se
era isso que o senhor queria saber.
- E qual a leitura que faz do estado
actual do reino?
- Senhor Pedro Corga, há tanto para
dizer acerca disso. O que de melhor aconteceu foi sua Majestade ter regressado
a Portugal.
- Para o filho, esse infame, ter
imediatamente a seguir dado a independência ao Brasil – ripostou o filho do
conde.
- D. Pedro, um infame? Não o
considero assim. Pode não ter zelado pelos interesses de Portugal, mas muito
pior fez agora, este ano, o seu irmão D. Miguel, ao querer prender o próprio
rei e pai.
- Pelas suas palavras, deduzo que
prefere a perda da colónia do Brasil à manutenção da ordem no reino.
- Senhor Pedro Corga, se analisarmos
bem ambas as situações, verificamos que as duas foram criadas pelo Paço Real.
Se perdemos a colónia do Brasil, foi por acção do príncipe herdeiro ao trono de
Portugal. Se, porventura, o reino anda conturbado, tal acontece porque o
próprio rei jurou a Constituição há dois anos.
- Jurou-a porque a tal foi
pressionado por todos aqueles que defendem os ideais liberais, um veneno
trazido por quem nos tentou oprimir – disse, por sua vez, o Conde de Cértima,
com azedume.
- Eu, como súbdito de Sua Majestade, apraz-me
acatar as suas decisões. Como tal não as discuto. Vivo a minha vida consoante
os regulamentos da coroa – disse eu, sentindo-me atacado e pressionado a
revelar as minhas convicções politicas, que eu queria esconder a todo o custo,
naquele momento.
- Então o doutor é um homem sem
pensamento próprio – retorquiu Pedro Corga, em tom de provocação.
- Não, senhor Pedro Corga. Sou um
homem que até pensa muito… essencialmente penso nas doenças, que são tantas,
que por todo o lado afligem este reino – disse eu, defendendo-me...(em continuação, pág. 36- ex. XVI)
in Alma de Liberal
Junho/2009
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