sábado, 31 de maio de 2014

PORTUGAL, BRASIL E ALMEIDA GARRETT Á MESA DO ABSOLUTISMO

...Fiquei por uns instantes a segui-la com os olhos.
- A minha irmã pode tornar-se numa mulher muito atraente – disse o filho do conde, que me observava.
- Realmente – retorqui – mas acho a senhora D. Maria Clara tomada por uma grande tristeza – disse eu, dirigindo-me ao conde.
- Sabe senhor doutor, as mulheres vivem em permanentes romances. Sonham com o amor da sua vida, que se ainda não chegou, um dia há-de chegar. Já a minha falecida mulher era assim, mesmo depois de eu ter chegado. E por vezes, certas leituras não fazem bem nenhum.
- Leituras? – perguntei eu com curiosidade.
- Chegaram ás mãos da minha filha uns versozitos desse pedreiro-livre, o Almeida Garrett. Leituras subversivas, que transtornam a cabeça de uma moça.
- Conheci o Almeida Garrett na Universidade – disse eu, inocentemente.
- Mas é claro que somente o conheceu… nunca privou com ele.
         Estávamos a entrar numa matéria perigosa.
- Não, nunca privei com ele. O Almeida Garrett pertencia ao núcleo de poetas. Eu nunca tive veia para a poesia.
- Mas lê? – perguntou-me o filho do conde.
- Se leio poesia? De quando em vez.
- Já leu versos do Almeida Garrett?
- E quem me faz a pergunta? O senhor Pedro Corga ou o senhor oficial?
- Pedro, deixe-se lá dessas questões. O doutor é meu médico e meu convidado – disse o Conde de Cértima, repreendendo o filho.
- Mas, meu pai, com todo o respeito, estamos apenas a conversar.
- Não esteja incomodado, senhor conde. É para mim um prazer conversar com o filho de vossa excelência – disse eu, mais confiante, por saber que era protegido do conde.
Eu sentia que aquela conversa não seria apenas uma conversa de circunstância. Respondi então a Pedro Corga:
         - É claro que li Almeida Garrett. È claro que sou politicamente esclarecido, se era isso que o senhor queria saber.
- E qual a leitura que faz do estado actual do reino?
- Senhor Pedro Corga, há tanto para dizer acerca disso. O que de melhor aconteceu foi sua Majestade ter regressado a Portugal.
- Para o filho, esse infame, ter imediatamente a seguir dado a independência ao Brasil – ripostou o filho do conde.
- D. Pedro, um infame? Não o considero assim. Pode não ter zelado pelos interesses de Portugal, mas muito pior fez agora, este ano, o seu irmão D. Miguel, ao querer prender o próprio rei e pai.
- Pelas suas palavras, deduzo que prefere a perda da colónia do Brasil à manutenção da ordem no reino.
- Senhor Pedro Corga, se analisarmos bem ambas as situações, verificamos que as duas foram criadas pelo Paço Real. Se perdemos a colónia do Brasil, foi por acção do príncipe herdeiro ao trono de Portugal. Se, porventura, o reino anda conturbado, tal acontece porque o próprio rei jurou a Constituição há dois anos.
- Jurou-a porque a tal foi pressionado por todos aqueles que defendem os ideais liberais, um veneno trazido por quem nos tentou oprimir – disse, por sua vez, o Conde de Cértima, com azedume.
- Eu, como súbdito de Sua Majestade, apraz-me acatar as suas decisões. Como tal não as discuto. Vivo a minha vida consoante os regulamentos da coroa – disse eu, sentindo-me atacado e pressionado a revelar as minhas convicções politicas, que eu queria esconder a todo o custo, naquele momento.
- Então o doutor é um homem sem pensamento próprio – retorquiu Pedro Corga, em tom de provocação.

- Não, senhor Pedro Corga. Sou um homem que até pensa muito… essencialmente penso nas doenças, que são tantas, que por todo o lado afligem este reino – disse eu, defendendo-me...(em continuação, pág. 36- ex. XVI)
in Alma de Liberal
Junho/2009

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