...Era
uma bela manhã de Dezembro, soalheira, luminosa. O sol, como que aborrecido por
há muito não acariciar o mundo com os seus raios de vida e alegria, surgiu
nessa manhã, sorridente e pronto a reavivar as cores de todas as coisas que
fazem os corações dos homens transbordarem de emoção. A pardacenta cor do inverno
estava ausente. O sol aquecia frescamente o ar. Todas as plantas, desde a
ínfima erva à mais robusta árvore, perante a inesperada e fecunda luz solar,
numa rápida e preciosa acção química de fotossíntese, exalavam odores
campestres, os quais exaltavam os homens a amarem tudo o que era natural.
Aquela era uma manhã mágica. E Américo Afonso sentia isso mesmo. Ao volante do
seu automóvel Ford, modelo T, ia percorrendo calmamente a distância entre o
Bombarral e Alfeizerão, desviando-se das muitas poças de água, autênticos
espelhos da natureza, que reflectiam a luz solar e que de quando em vez o
cegavam. De vez em quando cruzava-se com camponeses, que atónitos, paravam e
num virar completo de corpo e cabeça, seguiam o movimento daquela carroça
barulhenta e que por mais que pensassem, não atinavam com a fonte de energia
que a fazia mover. Alguns desses simples homens do campo levavam consigo os
seus burros, transportando imensos feixes de erva ou molhos de vides. Outros
ainda iam aparelhados com albardas, carregados com toros de lenha para a
lareira, que as noites iam frias. Os animais perante a presença da máquina
roufenha desatavam a zurrar e a ameaçar fugir, assustados com a terrível visão,
para desespero dos donos, que não só lutavam por acalmar os burros, como também
eles próprios ficavam inertes de perplexidade. E estas cenas, fruto de algo
desconhecido, que pela primeira vez chegava ao conhecimento daqueles homens,
faziam aflorar um leve sorriso aos lábios de Américo Afonso...(em continuidade, pág. 121, ex. XLVI)
in Quando Um Anjo Peca
Março/1998
Sem comentários:
Enviar um comentário