Foi no distante dia 31 de Outubro de 1970, a última vez que eu fiz parte de um grupo de miúdos, onde andei, de porta em porta, a pedir os bolinhos e bolinhós. Vivia então no Bairro da Cumeada, aos Olivais, em Coimbra. Mas por toda a cidade, da Pedrulha à Portela, os miúdos se agruparam, para assim cumprirem mais uma vez a tradição coimbrã dos Finados.
Em grupos de meia dúzia, os miúdos, em cada 31 de Outubro, percorriam as ruas dos seus bairros, levando uma abóbora oca, na qual se desenhara o que se pretendia representar como uma caveira, com uma vela acesa no interior. Iam de prédio em prédio, de porta em porta, cantando:
bolinhos e bolinhós
para mim e para vós
para dar aos finados
que estão mortos e enterrados
à vera à vera cruz
para sempre à mãe Jesus
truz truz
a senhora que está lá dentro
assentada num banquinho
faz favor de cá vir fora
p'ra nos dar um tostãozinho
No final de três a quatro horas a calcorrear as ruas de cada bairro, olhando de lado para os grupos rivais, lá conseguíamos o nosso pequeno pecúlio, constituído por alguns escudos e um saco cheio de castanhas, nozes e figos secos. Claro está que o mais precioso era o dinheiro. No meu último «bolinhos e bolinhós», o meu grupo, formado por sete miúdos, ainda conseguiu a quantia de 14$00, uma verdadeira fortuna. Correu bem aquela noite de 31 de Outubro de 1970.
Se a tradição esquecida pudesse avançar no tempo, ultrapassar o esquecimento e o desprezo pelo que é profundamente português, e hoje, à hora em que escrevo estas palavras, Coimbra estaria enxemeada de pequenos grupos de crianças, dezenas e dezenas de grupos, transmitindo à noite da cidade luzes misteriosas e cantares lúgubres, saídas de gargantas cheias de alegria e juventude.
Nesta noite de finados, Coimbra cheirava a broa
Lá morava e mora gente boa.
No final de três a quatro horas a calcorrear as ruas de cada bairro, olhando de lado para os grupos rivais, lá conseguíamos o nosso pequeno pecúlio, constituído por alguns escudos e um saco cheio de castanhas, nozes e figos secos. Claro está que o mais precioso era o dinheiro. No meu último «bolinhos e bolinhós», o meu grupo, formado por sete miúdos, ainda conseguiu a quantia de 14$00, uma verdadeira fortuna. Correu bem aquela noite de 31 de Outubro de 1970.
Se a tradição esquecida pudesse avançar no tempo, ultrapassar o esquecimento e o desprezo pelo que é profundamente português, e hoje, à hora em que escrevo estas palavras, Coimbra estaria enxemeada de pequenos grupos de crianças, dezenas e dezenas de grupos, transmitindo à noite da cidade luzes misteriosas e cantares lúgubres, saídas de gargantas cheias de alegria e juventude.
Nesta noite de finados, Coimbra cheirava a broa
Lá morava e mora gente boa.
4 comentários:
Mais uma boa recordação... Ao que sei, a tradição dos bolinhos e bolinhós ainda se mantém nalgumas zonas de Coimbra.
Que óptima notícia me deu! Tudo o que preserve a alma portuguesa é de manter, porque nós, portugueses, além da nossa alma grande, pouco mais temos.
gostei muito .
obrigado Ana Catarina. Escrevi este texto há seis anos, mas está mais actual que nunca, pois cada vez mais em Portugal se querem impor tradições que nada têm a ver connosco.
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