segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RECORDAR UM MOMENTO ESPIRITUAL


...-         Por falar em Deus, quero-te também contar algumas coisas- disse Serôdio sorrindo.
-         E que coisas são essas?- perguntou a mãe bastante curiosa.
-         Eu estive em coma. Para o exterior foi como se tivesse estado num longo e profundo sono. Mas no interior, eu estive bem acordado.
-         Estiveste... acordado...?! Não te percebo!
-         È difícil de perceber e difícil de explicar. Por muitas vezes, lembro-me de ver o meu corpo num plano inferior ao meu campo de visão, no quarto do hospital. Algumas vezes abracei-te quando tu estavas junto ao meu corpo, mas tu não deste por mim.
-         Ai Serôdio... credo... até me estou a arrepiar.
-         Mas è a verdade mãe. Nessa altura, eu sei que estive muito perto da morte. Lembro-me também que estive constantemente acompanhado por uma bela senhora vestida de branco, que me falou de muitas coisas. Acho que vi cenas da minha vida, quando eu era pequeno e também cenas de outras vidas que eu já tive.
-         Serôdio, isso è conversa de maluco.
-         Não è mãe. Durante este período, eu aprendi muitas coisas sobre nós e o nosso espirito.
-         Credo, Nossa Senhora- disse D. Amélia benzendo-se.
-         Quando eu estiver melhor, vou procurar literatura sobre o espiritismo, para aprofundar o que me foi dado saber.
-         Tu acreditas mesmo nisso filho?
-         Mãe, eu andei por muito lado. Tenho a certeza de que muitas coisas que vi e ouvi me não deixam recordá-las.
-         Mas quem?
-         Deus, quem havia de ser!
-         Deus? Serôdio, não chames Deus para esses assuntos de... de...
-         Prefiro que o não digas. Senti Deus de uma forma tão intensa. Sei também que me disseram qualquer coisa relacionada com a D. Silvina, mas não me consigo lembrar o quê, por enquanto.
-         Com a D. Silvina? Eu ouvi tu proferires esse nome quando estavas a recuperar do coma.
-         A sério mãe? Então è verdade.
-         Que coisas tão estranhas tu me disseste agora, Serôdio.
-         Sabes mãe, no meu estado de coma o corpo foi desligado. O meu espirito quase que obteve liberdade completa para viajar por onde quis. Mas podes crer, a morte não è tão má como a pintam.
-         Serôdio, a morte è o fim. Não há nada pior do que isso.
-         Mas a morte não è o fim, pelo menos o fim do nosso espirito. Aí termina a vida do corpo, disso não há dúvidas. Mas è no momento em que o corpo morre, que o espirito se liberta e cada um de nós volta a assumir a sua verdadeira identidade. Todos nós sabemos disso, só que não nos lembramos.
-         Mas tu lembraste!!- disse a mãe com perplexidade.
-         Eu lembro-me, porque estive do lado de lá e regressei de novo, não num outro corpo, mas naquele que era meu nesta vida. Fui e regressei continuando a ser o Serôdio Velasques. Se tivesse na verdade morrido e daqui a não sei quantos anos tivesse regressado, reencarnado numa outra pessoa, não me lembraria de que um dia o meu espirito reencarnara um corpo, cujo nome fora Serôdio Velasques. Percebes?
-         Não filho, não percebo e nem quero perceber. Estou mais preocupada com a tua alimentação. Come o teu lanche- disse a mãe de Serôdio, cujo semblante demonstrava preocupação.
-         Porquê essa cara mãe?- perguntou Serôdio abraçando-se à mãe.
-         Sempre foste um rapaz ponderado. Eu tinha tanto orgulho em ti! Adorava ouvir-te conversar. Agora, depois de teres sido espancado, dizes-me coisas sem pés nem cabeça. Não posso ficar com uma cara muito feliz.
-         Minha querida mãe, eu não te quero ver triste. Podes ter a certeza de que o teu filho não sofre de nenhuma demência. Prometo nunca mais te falar nisto.
-         Mas vais pensar nessas coisas...
-         Mãe, não è à toa que eu estou vivo. Agradeço a Deus o facto de me ter dado a oportunidade de te continuar a abraçar, a ti e ao pai. Mas vejo a vida agora por uma outra perspectiva. Tudo nesta vida tem razão de ser. Há sempre um porquê e um para quê. Te garanto que não estou doido, mas só o tempo te demonstrará se a minha maneira de estar na vida revela ou não algum sintoma de alienação. Obrigado minha mãe pela tua preocupação.
-         Não faço nada demais filho, nada demais- dizia a senhora, abraçada ao filho, com os olhos marejados de lágrimas...(em continuação, pág. 62, ex. XIX)
in FILHOS POBRES DA REVOLTA
Março/2003

Sem comentários: