sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

NA CURVA DA PICADA


...Homens e carros iam parando. Álvaro percorria a picada em sentido contrário àquele em que a coluna seguia. Caminhava com passos rápidos e firmes. A voz que lhe segredara o aviso, fizera-o sentir tão certo da emboscada, como se ele, invisível, ali tivesse estado, e cheio de oportunidade constatasse o inimigo emboscado, verdade absoluta que ia anunciar ao seu comandante.
         Todos o observavam cheios de curiosidade e preocupação. Havia corações que aceleravam o batimento, espicaçados pela adrenalina. Álvaro ia passando por homens que embora tivessem vontade de perguntar o que se passava, não arranjavam coragem para o fazer. Álvaro passou pelo seu amigo, o alferes Mendes. Este perguntou-lhe:
-         O que è que se passa? Porque è que vens para trás?
-         Mantém-te atento- respondeu Álvaro sem parar.
         No meio da coluna, já o capitão Rebelo se mostrava inquieto com a paragem da companhia, sem que para isso tivesse dado ordem, quando por detrás de uma berliet surgiu Álvaro.
-         Alferes Santa Cruz, o que faz aqui? Qual è o problema na frente da coluna?- perguntou o capitão Rebelo.
-         Por enquanto não è nenhum meu capitão. Mas mais à frente temos problemas.
-         Como? Que raio está você p’ra ai a dizer?
-         Meu capitão, gostaria de lhe falar em particular.
-         Você está senil alferes Santa Cruz? Está a ser vítima de ataque de paludismo?
-         Não meu capitão. O que lhe tenho a dizer è estranho, mas pode evitar problemas à nossa companhia.
         O capitão de imediato ordenou que a cabina da berliet mais próxima ficasse vazia. Os dois nela entraram, enquanto dezenas de olhos lhes seguiam os movimentos.
-         Desembuche homem e seja rápido. Não gosto de ver a coluna aqui parada- dizia o comandante de companhia.
-         Meu capitão, depois daquela curva lá ao fundo temos uma emboscada à nossa espera- disse Álvaro sem fixar o seu interlocutor.
-         O quê? Que merda è esta Alferes Santa Cruz? Pensa que estamos a jogar aos « cowboys»? Que raio de oficial...
-         Meu capitão, depois daquela curva, debaixo de um pequeno montículo está armadilhada uma mina anti carro. Alguns metros à frente existe um grande tronco caído, atravessado na picada. Estão lá camuflados muitos turras.
-         Como è que você sabe disso?
-         Não sei explicar, foi como...uma intuição- dizia Álvaro, demonstrando sinais de embaraço.
-         Porreiro... isto è bestial... agora a guerra faz-se por palpites ou bruxaria- dizia o capitão Rebelo bamboleando a cabeça.
-         Meu capitão, por favor ouça-me. Se ali não houver nada pode-me instaurar um processo com o R.D.M.
-         Muito bem alferes Santa Cruz. Tenho-o como um homem de senso e só por isso acedo a esta palermice. Se no entanto você me fizer cair no ridículo perante a companhia...
-         Meu capitão, sem pestanejar eu corro esse risco.
-         Vamos lá então.
         Ambos saíram da cabina da berliet. O comandante de companhia chamou os outros dois alferes e disse-lhes:
-         Meus senhores, por adivinhação, pressentimento ou o raio que parta esta maldita guerra, o vosso colega, alferes Santa Cruz, diz ter a certeza de que depois daquela curva da picada, lá ao fundo, sob um montículo, está armadilhada uma mina anti carro e que mais à frente encontra-se um tronco caído, onde se escondem turras para nos montarem uma emboscada. Vocês vão transmitir isto aos vossos homens e ai do primeiro que eu ouça rir. Quero dois ou três atiradores especiais para dispararem sobre o montículo, se houver montículo, quero os artilheiros prontos com as bazucas e respectivos municiadores, para dispararem sobre o tronco. Esperemos que não seja um pau de fósforo. Quero também os morteiros prontos. Desobedecendo às regras, a partir daqui eu vou à frente da companhia. Se houver montículo e tronco, quero toda a gente de imediato a disparar. Se não houver nem montículo, nem mina, nem tronco e nem turras, prepare-se senhor alferes Santa Cruz. Por esta vez reze para que existam inimigos. Ainda está a tempo de reconsiderar...
-         Não meu capitão, eles estão lá- interrompeu Álvaro.
-         Muito bem, vamos lá então meus senhores- ordenou o capitão Rebelo...(em continuação, pág. 74- ex. XXI)

in VISITADOS
Novembro/1999

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