Naquela
manhã, como todas as manhãs, saí de casa ás 8 horas e percorri os cerca de 500
metros até ao liceu. Logo á entrada senti que algo de anormal se passava, pois
existiam muitos colegas e professores na escadaria do Liceu que frequentava, o
D. João III, (liceu masculino, esclareça-se, já que o Liceu cheio de
atractivos, e que nos puxava como um íman, era o liceu feminino D. Maria, e
ficava a cerca de um quilómetro, no final da ingreme descida e subida dos
Lóios). Como achei tal situação muito estranha, logo perguntei o que se passava.
Disseram-me então que em Lisboa estava a acontecer qualquer coisa e que as
aulas estavam suspensas. Juntei-me ao maralhal em grande agitação. Eramos
suficientemente esclarecidos, a nível político, para percebermos que a agitação
tinha a ver com o regime. Todos, e éramos algumas centenas, ficámos suspensos
pela expectativa. Eram onze horas chegaram notícias mais esclarecedoras que
davam conta de que, parecia, que o regime fascista tinha caído, mas que o
Governo Civil de Coimbra não o queria admitir, pelo que vinha uma enorme coluna
militar para cercar Coimbra. Pouco tempo depois ouvimos, na rádio, um dos
primeiros comunicados, senão mesmo o primeiro, de um capitão do exército a
pedir calma ao povo de Lisboa e a dizer que o quartel do Carmo estava cercado.
Foi a confirmação! Decorria um Golpe de Estado em Portugal. Rapidamente, não
sei quantos de nós, mas algumas dezenas, em acto contínuo, fomos em corrida
desenfreada para junto do Quartel General, que ficava a cerca de um quilómetro
do liceu e deparámo-nos com muitas dezenas de militares na rua. Não a mais de
cem metros encontravam-se as instalações da PIDE. Corremos para lá. Fomos dos
primeiros a chegar. Cerca de meia hora depois eramos já mais de mil populares,
gritando e vociferando a plenos pulmões. Foram virados carros da PIDE, houve
tentativas de assalto ao edifício, mas os militares opuseram-se. Era muito
perigoso, pois os agentes, amuralhados estavam armados. Toda essa confusão foi
o primeiro acto revolucionário que se deu em Coimbra, e eu estive lá. Lembro-me
de ver unimogues cheios de soldados, a saírem do quartel general e fazerem uma
barreira de protecção á PIDE, e nós, em uníssono, a gritarmos- SOLDADO, AMIGO,
O POVO ESTÁ CONTIGO.
Corria o
brilhante, e para sempre vivo na minha memória, dia 25 de Abril de 1974. Apenas
por mais cinco dias haveria de ter 17 anos.
Muitos anos
depois, em 2004, passei pelo local. O edifício onde um dia esteve a PIDE, em
Coimbra, ainda lá estava, com o mesmo gradeamento, e o mesmo ar sinistro. E á
sua frente, bem no largo, onde eu estive presente, fui dar com um belíssimo
monumento erigido á liberdade. Percebi muito bem o sentido daquele monumento. E
junto a ele, tocando-lhe, chorei convulsivamente, pois Coimbra, durante muitos
anos, escondera de mim aquele monumento. Chorei, porque o senti na alma, porque
soube e sei, que um milímetro daquela estrutura me pertence.
Sinto-me um
privilegiado, porque durante a minha vida tive a oportunidade de sentir o
quanto uma revolução nos faz mexer o sangue.
Assim eu
pudesse continuar a sentir-me, por tudo de bom que, 39 anos depois, estivesse
eu a beneficiar em resultado dessa mesma revolução.
Aqueles que
comem tudo e não deixam nada, afinal, não foram totalmente aniquilados. Talvez
um novo Zeca Afonso que nos dê uma nova versão da letra, e uma fórmula nova,
seja necessário.
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