...Finalmente
a maldita luz daquela janela se apagara. O homem saiu do interior do seu Simca
1100. Fechou a porta do carro, cuidadosamente, com a preocupação de fazer o menor
barulho possível. Enquanto calçava umas luvas de plica preta, observava em seu
redor, não fosse ser surpreendido por alguém que estivesse a pé na Rua Frei
Tomé de Jesus. Estava todo vestido de preto, para melhor se poder confundir com
a noite. Reparara que o candeeiro de iluminação pública mais próximo do número
61, distava daquele cerca de vinte metros. Isso era óptimo, porque assim a
entrada daquela casa pouco beneficiava da luz emanada pelo candeeiro.
Tinha a área já muito bem estudada,
pois passara toda uma tarde sentado no interior do carro, vendo as
movimentações da rua e especialmente observando as pessoas que habitavam o 61.
Eram apenas três. Um casal de meia idade e uma jovem e atraente rapariga, que
deveria ser filha. Naquele Sábado colocara o carro em frente ao 61 da Rua Frei
Tomé de Jesus. Chegara ali já a noite descia. Levara um bom suprimento de
alimentos, pois contava em ali jantar, tal como veio a acontecer. Chegara numa
óptima hora, pois cerca de meia hora depois de ali se encontrar, viu o casal
despedir-se da jovem, desejar-lhe uma boa noite e lançar-lhe um «até amanhã»,
que para ele soou maravilhosamente. A rapariga iria estar sozinha em casa.
Seria um serviço simples, rápido e principalmente rentável.
O arquitecto Duarte Amorim ia-lhe pagar
uma boa maquia... imagine-se, para ele roubar daquela casa apenas um livro, um
livro que se intitulava «Contacto». O homem sorria e abanava a cabeça. Aonde
podiam chegar a ambição e as fantasias dos ricos.
Já se apercebera de que a janela que se
encontrava do lado direito da porta, janela essa que houvera pouco tempo
estivera iluminada, deveria pertencer ao quarto da rapariga. Como o tal
arquitecto vira a moça com o livro no regaço, presumia que ela o estivesse a
ler, e como tivera a luz acesa até tarde, provavelmente o livro estaria ali,
bem à mão de semear. Intuição de quem era ladrão profissional.
A princípio ficara um pouco preocupado por o
arquitecto Duarte Amorim ter conseguido chegar até ele. Sim, porque uma das
habilidades daquela actividade era não ser conhecido fora do seu âmbito de
acção. Mas quando soube que o Xavier Amorim era filho do tal arquitecto,
sossegou mais o espírito. Embora o miúdo não fosse ladrão, tinha uma forte
inclinação para simpatizar com eles. Talvez o rapazola se preparasse para no
futuro ser o cérebro de um bando profissional. Burro não parecia ele ser. Seria
mais um, de entre muitos, que escondiam as suas actividades ilícitas atrás de
uma boa presença, uma privilegiada
posição social, um português refinado, um bom fato, uma lustrosa
gravata, um bom perfume; e a raia miúda, como ele, è que levava por tabela. Mas
os contitos de reis até que não faltavam... eventualmente dois ou três anitos
na cadeia, era o preço que se pagava por um nível de vida bastante aceitável,
sem preocupações...(em continuação, pág. 88, ex. XXVII)
in Visitados
Novembro/1999
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