...O Tekhaib era um enorme escorpião, que quando tomava a
forma de um ser humano, dava lugar a um homem de envergadura respeitável,
proeminentes músculos peitorais e fortíssimos braços e pernas. O rosto era
rectilíneo, com uma enorme boca e o olhar frio, não transparecendo qualquer
tipo de bondade.
- Tekhaib, que
opinião tens sobre as notícias trazidas pelos obreiros?
- Meu amo das
areias, se existe uma desavença entre Amon-Rá e o faraó, isso quer dizer que
ambos estarão abertos a uma solução que resolva a questão para um dos lados-
dizia o Tekhaib com um sorriso malicioso.
- Explica-te
melhor, meu escorpião eleito.
- Se Amon-Rá
tiver uma oportunidade de reaver a sacerdotisa, não a perderá. Se por outro
lado, ao faraó for dada a oportunidade de eliminar Amon-Rá…
- Isso é um
disparate, Tekhaib. Nenhuma força existe, capaz de aniquilar o deus supremo. Se
essa força existisse eu já a teria utilizado.
- Peço perdão,
meu amo das areias, pela minha estupidez.
- Estás
perdoado, porque sei que muito longe te encontras de imaginar o poder de um
deus. Não passas de uma insignificante criatura rastejante…
-
Insignificante, mas que tu utilizas com muito proveito, meu amo das areias-
interrompeu o Tekhaib, falando com sarcasmo.
- Sim, já sei
que te sentes muito orgulhoso por seres o meu ajudante mais próximo, mas tem
cuidado com esses sentimentos de grandeza. Aqui, eu sou o cérebro e a vontade.
Tem isso sempre bem presente Tekhaib.
- Eu tenho, meu
amo das areias, eu tenho- disse o Tekhaib, fazendo uma vénia em sinal de
submissão.
- Se até agora
não tive qualquer intervenção no conflito existente entre o deus supremo e o
faraó, vou passar a ter, e fazer por criar maior ódio entre os dois. Ambos me
desprezam. A ambos levarei notícias minhas e aproveitar-me-ei o mais que puder
de toda a confusão que vier a gerar. Há mais algum pormenor que eu ainda não
saiba?
- O faraó mudou
de nome, proibiu o culto de Amon-Rá e vai impor a adoração do deus Áton.
Enquanto não tiver criado um templo a
Áton na nova cidade que quer construir, ele próprio irá adorar o deus
ancião no seu próprio palácio, pelo que mandou eleger um sumo sacerdote.
- O faraó mandou
que um escriba fosse eleito a sumo sacerdote para o culto a Áton, no seu
próprio palácio?!!- dizia Seth, sorrindo rasgadamente, com os olhos de águia a
brilharem- mas essa é uma óptima notícia.
- Porquê, meu
amo das areias?- perguntava intrigado o Tekhaib.
- Porquê, meu
escorpião eleito? Porque esse sumo sacerdote serve como ponto da grande
discórdia. Esse sumo sacerdote vai morrer… ou melhor, vai ser morto ás ordens
de Amon-Rá.
- E achas que Amon-Rá
o vai matar?
- É claro que
não.
- Então?!!!
- Então… vais tu
matar esse sumo sacerdote, dando a entender que
essa foi a vontade de Amon-Rá.
- Já percebi. Aí
está o que se chama uma grande bronca. Mas, meu amo das areias, e o outro?
- Qual outro Tekhaib,
qual outro?- perguntava o deus Seth um pouco impaciente.
- O outro Sumo
Sacerdote.
- Esse não tem
qualquer importância para mim; e mais cedo ou mais tarde, o faraó acaba por
matá-lo.
- Mas os
obreiros disseram que o próprio Amon-Rá faz questão de o defender.
- Faz?-
perguntou Seth intrigado- porquê?
- Esse tal Sumo
Sacerdote era filho de um estrangeiro que deu a vida defendendo a honra de
Amon-Rá.
- Ai sim?
Amon-Rá defende um estrangeiro e expulsa um deus de MassiftonRá? Um igual a si?
Nesse caso, esse Sumo Sacerdote adquire uma súbita importância. A esse terei o
prazer de matar e de o anunciar a Amon-Rá. Está na hora de eu ir fazer uma
visita a MassiftonRá.
- Meu amo das
areias, lembro-te de que lá não és bem vindo. Corres sérios riscos.
- Ouve meu escorpião
eleito, um deus nunca corre riscos, nem graves nem leves. No máximo, poderá um
deus ser vexado… mas isso já eu fui há muito. Por isso vivo nesta espelunca,
enquanto os meus semelhantes se refastelam no paradisíaco ambiente de
MassiftonRá. Assumes o comando deste covil. Eu vou-me divertir.
E o deus Seth partiu em direcção a
Tebas, espalhando a sua funesta sombra, mistura de águia e chacal, apelando a
todas as forças do mal que lhe dessem apoio e imaginação para a empresa a que
se propunha...(em continuação, pág. 57, ex. XXI)
in A Causa de MassiftonRá
Novembro/2005
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