...Instalaram-no
numa camarata atribuída à 5ª companhia. Serôdio observou atentamente os seus
colegas, que como ele se propunham a ser futuros policias. Ficou decepcionado
com a observação. Por estimativa, dos quinhentos e setenta guardas provisórios
que com ele formavam a primeira escola de alistados de 1983, previa que talvez
apenas cinquenta tivessem concluído o liceu. Dos restantes, a esmagadora
maioria não teria estudado além da quarta classe. De que falavam eles?
Conversavam das suas realidades, que em nada coincidiam com a sua realidade.
Ali, ele não ouvia falar do título de um livro, de um estilo musical, do nome
de um L.P. Não que fosse desprestigio falar-se de técnicas utilizadas na
construção civil, da melhor forma de se conduzir um tractor ou de qual a melhor
maneira de se limpar o carburador de um motor. Mas ali, Serôdio desvinculava-se
de tudo o que era cultural e isso entristecia-o. No entanto, em muitos desses
seus colegas, ele ia descobrindo personalidades simpáticas, de coração aberto a
uma boa amizade, o que atenuava a sua tristeza. Com o passar dos meses,
independentemente dos desníveis culturais, todos aqueles rapazes iriam formar
um grupo coeso. Algumas vezes, à mente de Serôdio, aflorou o pensamento de que
um dia viria a comandar os seus actuais colegas. Pura ilusão, como mais tarde
constatou, porque veio a compreender que na policia, em oitenta por cento dos
casos, não è promovido quem está melhor habilitado nos aspectos intelectual e
psicológico, mas antes quem melhor sabe servir, hipocritamente, a falta de
moral e de escrúpulos...(em continuação, pág. 82- ex. XXIX)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003
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