...Ouviam-se homens falando alto, o que
fez com que o conde se levantasse da cadeira em que estava sentado, e se
deslocasse à janela do seu quarto, na tentativa de descortinar a origem daquela
algazarra. Imediatamente a seguir ouviu-se a voz da governanta, aflita, que
aproximando-se do quarto do Conde de Cértima, chamava por ele. O conde não
deixou que Maria do Carmo batesse à porta, pois abriu-a mesmo antes da
governanta bater. E o conde perguntou:
- Que se passa Maria do Carmo? Que
barulheira é esta?
No
rosto da governanta desenhava-se o semblante do medo.
- Gente morta, senhor conde –
respondeu ela.
- Gente morta?! – retorquiu o Conde
de Cértima, em tom de desagradável surpresa – gente morta onde?
- Junto à capelinha das fragas. Um
homem e uma mulher numa poça de sangue.
- O quê? – perguntava o conde,
abismado, olhando para mim apreensivamente.
- Onde fica essa capela? – perguntei
eu, tão assombrado como o conde.
- A dois passos daqui. É uma capela a
que deixei de dar uso depois de ter erigido uma outra no interior desta casa.
- Existe mesmo sangue? – perguntava
eu.
- É coisa de matador – dizia o conde
– nas minhas terras. Onde chega a indecência. Doutor Joaquim Lopes, por
obséquio, vá-me a essa capela e veja o que por lá se passa.
- Ás suas ordens, excelência.
- Maria do Carmo, mande o Tomás e o Zeferino
guiarem o senhor doutor – ordenou o Conde de Cértima.
E
assim me vi a caminho da capelinha das fragas, acompanhado por dois rapagões ao
serviço de D. Rodrigo Corga. Aliás, já éramos conhecidos, pois haviam sido os
mesmos que me tinham acompanhado no regresso a Malhal de Sula, dois dias antes.
Lá
chegado, encontrei alguns assalariados que montavam guarda ao local. A capela
era minúscula. Talvez a fé do conde não fosse suficientemente grande, a ponto
de o empolgar a construir algo maior. A capela fora construída junto a um
pequeno ribeiro, cuja água murmurejava docemente, ao passar por uma zona
pedregosa do seu pequeno leito.
- Estão ali os infelizes – apontava
um homem.
- Cala-te p’ra aí camafeu. Alguém te
preguntou alguma coisa? – disse rudemente um dos meus companheiros, o que se
chamava Zeferino.
Eu
olhei para onde o homem indicara. A meia dúzia de metros da capela
encontrava-se o corpo de uma mulher bastante jovem; e mesmo à entrada do
pequeno templo abandonado, o corpo de um homem, também moço...(em continuação, pág. 43, ex. XX)
in Alma de Liberal
Junho/2009
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