...Serôdio
começou com as aulas. Para cada pelotão havia uma sala e três formadores: o
comandante de pelotão, que era um chefe de esquadra, e dois ajudantes- um
primeiro subchefe e um segundo subchefe. Depois, cada disciplina tinha o seu
professor. As disciplinas estavam divididas em duas áreas: a área técnica e a
área cultural. Na parte técnica existiam entre outras, as disciplinas de
Serviço Policial Urbano (S.P.U), Trânsito, Manutenção da Ordem Pública e Código
Penal. No que dizia respeito à área cultural, eram ministradas as disciplinas
de Português, História e Ciências.
Que desolação!! O 25 de Abril
acontecera havia nove anos. A sociedade portuguesa evoluía rapidamente. No
entanto a Policia de Segurança Pública estagnara. E que outra coisa se poderia
esperar, tendo em conta o nível académico daqueles professores? Eram homens
completamente iletrados, que cientes do nível baixo de ensino dos seus alunos,
tomavam uma postura estúpida e arrogante de grandes catedráticos. Mas se sabiam
existir no seio da pobre turma, esmagada pelos seus profundos conhecimentos, um
guarda provisório com o sétimo ano do liceu, reprimiam-no o mais que podiam,
nunca lhe dando a palavra.
Um dos primeiros conselhos que Serôdio
guardou na memória, não para o seguir, mas antes para o contradizer, pois na
sua concepção era precisamente por ali que se iria iniciar a mudança, foi dado
por um subchefe alentejano na disciplina de Serviço Policial Urbano. Dizia
ele:- « na rua, a melhor arma do policia é a caneta. A gente não fala com os
transgressores, só escrevemos». Para quem não tinha poder de conversação, nem
dispunha de argumentos para desfeitear aqueles, que a todo o custo, pretendiam
demonstrar que a razão nunca estava do lado da policia, aquele talvez fosse um
bom conselho. Mas ele nunca o iria seguir, nunca fugiria ao diálogo, porque
sabia dialogar e não estava interessado em ser analisado como mais um que
engrossaria «a anónima e obtusa massa cinzenta, que feria a sensibilidade
democrática de Portugal», como anos antes lera num artigo de jornal, no qual o
ignóbil articulista se referia à PSP. Mas onde Serôdio se sentiu vivendo num
perfeito paradoxo, foi quando lhe foram leccionadas as disciplinas de âmbito
cultural. Mas que português era aquele, onde se não passava das noções
elementares de gramática e dos acabrunhantes ditados, que o fizeram recuar aos
seus longínquos tempos de meninice!? Que história era aquela, onde o professor
sepultou D. Afonso Henriques no Mosteiro de Alcobaça e colocou o Santo
Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, ao serviço de el-rei D. João II!? E que
raio de ciências eram aquelas, onde o digno professor, não tendo a menor noção
do que era uma célula, mas teimosamente apostando nos seus conhecimentos de
biologia, numa memorável aula, sentenciou as baleias a viverem eternamente com
células de dez metros de diâmetro!?
Tanta estupidez junta era impossível
existir, mas existia na E.F.G. em Torres Novas...(em continuação, pág. 83- ex. XXX)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003
Sem comentários:
Enviar um comentário