domingo, 3 de janeiro de 2016

A «CÁTEDRA» DE TORRES NOVAS

...Serôdio começou com as aulas. Para cada pelotão havia uma sala e três formadores: o comandante de pelotão, que era um chefe de esquadra, e dois ajudantes- um primeiro subchefe e um segundo subchefe. Depois, cada disciplina tinha o seu professor. As disciplinas estavam divididas em duas áreas: a área técnica e a área cultural. Na parte técnica existiam entre outras, as disciplinas de Serviço Policial Urbano (S.P.U), Trânsito, Manutenção da Ordem Pública e Código Penal. No que dizia respeito à área cultural, eram ministradas as disciplinas de Português, História e Ciências.
         Que desolação!! O 25 de Abril acontecera havia nove anos. A sociedade portuguesa evoluía rapidamente. No entanto a Policia de Segurança Pública estagnara. E que outra coisa se poderia esperar, tendo em conta o nível académico daqueles professores? Eram homens completamente iletrados, que cientes do nível baixo de ensino dos seus alunos, tomavam uma postura estúpida e arrogante de grandes catedráticos. Mas se sabiam existir no seio da pobre turma, esmagada pelos seus profundos conhecimentos, um guarda provisório com o sétimo ano do liceu, reprimiam-no o mais que podiam, nunca lhe dando a palavra.
         Um dos primeiros conselhos que Serôdio guardou na memória, não para o seguir, mas antes para o contradizer, pois na sua concepção era precisamente por ali que se iria iniciar a mudança, foi dado por um subchefe alentejano na disciplina de Serviço Policial Urbano. Dizia ele:- « na rua, a melhor arma do policia é a caneta. A gente não fala com os transgressores, só escrevemos». Para quem não tinha poder de conversação, nem dispunha de argumentos para desfeitear aqueles, que a todo o custo, pretendiam demonstrar que a razão nunca estava do lado da policia, aquele talvez fosse um bom conselho. Mas ele nunca o iria seguir, nunca fugiria ao diálogo, porque sabia dialogar e não estava interessado em ser analisado como mais um que engrossaria «a anónima e obtusa massa cinzenta, que feria a sensibilidade democrática de Portugal», como anos antes lera num artigo de jornal, no qual o ignóbil articulista se referia à PSP. Mas onde Serôdio se sentiu vivendo num perfeito paradoxo, foi quando lhe foram leccionadas as disciplinas de âmbito cultural. Mas que português era aquele, onde se não passava das noções elementares de gramática e dos acabrunhantes ditados, que o fizeram recuar aos seus longínquos tempos de meninice!? Que história era aquela, onde o professor sepultou D. Afonso Henriques no Mosteiro de Alcobaça e colocou o Santo Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, ao serviço de el-rei D. João II!? E que raio de ciências eram aquelas, onde o digno professor, não tendo a menor noção do que era uma célula, mas teimosamente apostando nos seus conhecimentos de biologia, numa memorável aula, sentenciou as baleias a viverem eternamente com células de dez metros de diâmetro!?

         Tanta estupidez junta era impossível existir, mas existia na E.F.G. em Torres Novas...(em continuação, pág. 83- ex. XXX)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003

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