Há poucos
dias fiz uma viagem de combóio entre Lisboa e Aveiro. Estaria eu sentado no meu
lugar havia pouco tempo, quando surgiram dois senhores, aparentando os seus
sessenta e cinco a setenta anos, muito bem dispostos, um deles deslocando-se
com o auxílio de canadianas. Sentaram-se nos lugares a seguir ao meu. E foram
duas horas de acalorado diálogo, num passeio por vezes alegre, outras bem
triste, pelo manancial riquíssimo da memória.
Moeda, no
norte de Moçambique, foi o cenário. Soldados portugueses, unimogues, berliets,
picadas, g3, granadas, rebentamentos, emboscadas, «os gajos», o maiombe
africano, ferimentos, o sangue, a morte, lágrimas, desilusão, amargura,
sofrimento de uma geração, foi o passeio de duas horas em que,
inadvertidamente, fui incluído. Memórias tão presentes, tão cheias, tão
nítidas, tão frescas, que, como eles recordaram, já levam 48 anos (1965).
Uma conversa
que, daqui a mais duas ou três décadas, será impossível de ser ouvida em
Portugal, quando tiverem desaparecido os últimos veteranos da guerra do
ultramar. Um drama que vai sendo contado aos poucos, em livros que vão sendo
publicados, escritos por quem o viveu, tal como estes meus dois companheiros de
viagem, a quem tive vontade de dar um grande abraço, apenas não o tendo feito
por vergonha.
A Guerra do
Ultramar, um sacrífico de treze anos, de toda uma geração, tão esquecido, tão
relegado para o desprezo pela nossa actual sociedade.
O 25 de
Abril, além de nos trazer a democracia (coitada dela), devolveu-nos também a
esperança na vida, uma questão que a juventude portuguesa actual simplesmente
não entende.
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