...Era
já noite quando o mouro abandonou o solar. Mais uma vez, entre o fivelas e o
mouro ficara selada uma sentença de morte. Entre os dois ficou ainda a
convicção de que o pobre povo é destituído de ideias. Erro deles! O povo tem
sempre a bolsa vazia, o que não obriga a ter vazia a mente. O povo sofre, o
povo chora, mas o povo pensa. E quando o povo, esporadicamente, ultrapassa a
barreira do pensamento, quando transforma ideias em actos, surgem as
revoluções. Dizia o padre José Soares que " numa boa ou má política está a
sorte de um povo". E na vontade do povo está a sorte dos políticos.
Em
contraste com as mentes perversas daqueles dois homens, que dominavam toda a
herdade Vila de Ló, a natureza corria meiga. Naquele principio de Novembro de
1922, o Outono deleitava as pessoas com a maciez do ar. Mesmo na dura labuta da
lavoura os homens deixavam-se envolver pelas carícias outonais, pelos sorrisos
que a natureza lhes enviava. Viver a mãe natureza, respirar a mãe natureza,
tornava de uma certa forma menos penosa
a tarefa de à mãe natureza resgatar o pão.
A
mesma mãe natureza que por abandono do homem fizera nascer junto aos seis
carvalhos, existentes bem pertinho do Casal das Rãs, um espesso silvado,
pintado aqui e ali pelo despontar medroso de uma esquiva rosa ou tímido cravo,
memórias antigas do labor de um dedicado jardineiro. E se se estiver bem
atento, talvez se adivinhe que os seis carvalhos choram quando o vento outonal
desliza pelos ramos nus. Choram os carvalhos a memória do jardineiro. Choram os
carvalhos a memória de Vila de Ló...( em continuação, pág. 115, ex. XLII)
in Quando Um Anjo Peca
Março/1998
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