...Finalmente me encontrava no meu
refúgio. Estava imensamente agradecido ao meu pai por me ter criado aquele
espaço paradisíaco, que era o meu consultório, onde me achava senhor de todo o
mundo, pois sabia que ao sair do conforto daquelas quatro paredes a realidade
era bem diferente, dado que o mundo não era meu, mas eu é que era do mundo. E
pela razão de serem as outras pessoas a condicionarem a nossa vida, pelo menos
em certas circunstâncias, é que eu naquele dia me vira confrontado com aqueles
dois cadáveres. Eu não estava a perceber muito bem porque razão, sendo eu
médico, e tendo tido, obrigatoriamente, múltiplos contactos com defuntos, a
visão daqueles dois me havia impressionado daquela forma. Reflectindo nessa
questão apercebi-me então de que, embora a morte me não fosse estranha, iria
estar intrinsecamente ligada à minha actividade profissional. Essa conclusão
não me agradou, pois a cada morto que se cruzasse no meu caminho iria estar
ligado um drama, sofrimento, e tais constatações tornariam mais pálida a minha
felicidade. Mal eu sabia o número imenso de mortos que o destino resolvera
colocar nesse meu caminho. Soubesse eu então o que sei hoje… estou a
expressar-me incorrectamente… tivesse eu me lembrado do que hoje sei ser uma
certeza, e que naquela altura apenas o havia esquecido, e a morte não se me
afiguraria como uma fonte de sofrimento. Mas a vida terrena baseia-se no
esquecimento de tudo o que é espiritual; e por vezes esse esquecimento é tão
profundo que do espírito nem um leve pressentimento existe...(em continuidade, pág. 48, ex. XXVI)
in Alma de Liberal
Junho/2009
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