Acabei de
ler uma notícia no Diário de Aveiro que me deixou chocado. Não que tenha
sensibilizado, no mau sentido, os meus sentimentos de compaixão pelo próximo ou
de injustiça cometida contra alguém. Nada disso. Antes o espanto, a
incredulidade perante o desinteresse do município pela história local, um
momento que foi o despoletar de uma crise, terrível mas necessária.
O actual dono daquela que foi a casa
do desembargador Joaquim José de Queiroz, avô paterno do nosso Eça de Queiroz,
no sentido de restaurar a dita casa, viu-se na necessidade de oferecer todo o
espólio documental, relacionado com a revolta de 16 de Maio de 1828, à
biblioteca particular de José Pacheco Pereira, uma vez que a Câmara Municipal
de Aveiro não se interessou por receber esse espólio.
Para os que, eventualmente, possam
não saber, afinal de que se tratou essa revolta?
Em 1828 D. Pedro IV, então D. Pedro
I do Brasil, ordenou que o seu irmão, o infante D. Miguel, retornasse do exílio
na Áustria, para onde o pai de ambos (o rei D. João VI) o enviara, e tomasse a
regência do reino, durante a menoridade da futura rainha, a infanta D. Maria,
com a obrigação de jurar cumprir a carta constitucional de 1822. Juramento
feito, D. Miguel tomou conta da regência do reino. O seu primeiro acto político
foi o de dissolver a Câmara de Deputados, a 13 de Março de 1828, contrariamente
ao que jurara havia pouco tempo. Dissolvida a Câmara, todos os deputados
regressaram aos seus círculos políticos. Joaquim José de Queiroz foi um deles.
Profundamente escandalizado com tamanha afronta cometida contra a carta
constitucional e ao liberalismo, rapidamente em Aveiro urdiu uma revolta contra
o regime absolutista de D. Miguel, que se supunha definitivamente extinto de Portugal,
com o apoio do Batalhão de Caçadores Dez de Aveiro, transformando-se este
movimento no primeiro grito de revolta, em Portugal, contra o regime
absolutista, que eclodiu em Aveiro a 16 de Maio de 1828. Os preparativos desta
revolta tiveram lugar na casa do deputado Joaquim José de Queiroz, no lugar de
Verdemilho, a dois passos da então já cidade de Aveiro.
Os revoltosos seguiram para o Porto e a revolta acabou por
ser esmagada pelas forças leais a D. Miguel e à sua mãe, a rainha D. Carlota
Joaquina. Tudo acabou de forma trágica. Muitos dos cabecilhas fugiram para
Espanha, mas sete foram apanhados e enforcados na Praça Nova, no Porto. As suas
cabeças foram cortadas e enviadas para Aveiro e espetadas em estacas, por
várias ruas, para exemplo. Essas sete cabeças repousam hoje no cemitério
Central da cidade. Joaquim José de Queiroz nunca foi apanhado, mas nunca se
ausentou do país, vindo a falecer apenas em 1850.
E digam-me lá se a documentação que retrata este momento, não
deveria permanecer na cidade onde os factos ocorreram, guardada com carinho e
emoção?
Quem somos nós se não percebermos de que forma chegámos aonde
estamos?
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