Acabei de ler um livro que Portugal deveria ler. E devê-lo-ia
fazer por uma questão histórica, em homenagem à memória dos dez mil combatentes
portugueses que deram a vida na guerra do ultramar, e por respeito ao
sofrimento dos 900 000 que sobreviveram, mas muitos deles que ainda fazem
parte da nossa sociedade actual, sofrendo traumas psicológicos e físicos que os
marcaram para toda a vida. Foram homens enviados a defender um império colonial
de 500 anos, moribundo, numa guerra sem sentido, apenas e só por lealdade à
Pátria. Se há necessidade de atribuir culpas, que o seja à política e aos
políticos, já que, bem vistas as coisas, foram eles, capitães de Abril, homens
que também combateram no ultramar, os primeiros obreiros da liberdade.
O Livro tem por título «Declarações de Guerra», da autoria do
psicólogo Vasco Luís Curado, e é uma compilação de 48 testemunhos de
combatentes do ultramar, sofridos testemunhos, do antes, o durante e o depois
do ultramar. Obviamente que o autor não identifica os seus doentes. No final de
cada testemunho limita-se a dizer qual o posto e a arma.
São quarenta e oito declarações de oficiais milicianos,
sargentos, furriéis, 1ºs cabos e soldados, servindo nos rangers, fuzileiros,
pára-quedistas, comandos e tropa normal.
Há passagens em que me vieram as lágrimas aos olhos. Numa,
que não esqueci, um soldado comando diz a dado passo, que numa operação, que
correu muito mal, no meio do mato, o seu amigo Valter morreu-lhe nos braços e
aí ele sentiu o seu corpo ficar dormente. Foi o espirito do Valter a entrar no
seu corpo. Cerca de vinte anos depois, em 1993, quando em Lisboa inauguraram o
monumento aos dez mil combatentes do ultramar mortos em combate, onde se
encontram inscritos os nomes de todos os que tombaram, esse antigo soldado comando
dirigiu-se ao monumento e foi em busca do nome do seu amigo Valter. Quando o
encontrou voltou a sentir o seu corpo a ficar dormente. Foi o espirito do
Valter que saiu do seu corpo e finalmente se libertou.
Termino com a citação do final do penúltimo testemunho:
«Fomos os combatentes que andaram a lutar pela pátria nas
colónias ultramarinas. Agora somos desconhecidos. Já ninguém nos reconhece. Não
somos ninguém, não interessamos à sociedade, só éramos bons quando andávamos a
bater com as costas para sacrificar as nossas vidas em defesa de todos. Já
passámos à história. Nunca mais esqueceremos aqueles dias de terror. Todos nós
ficámos atormentados para o resto das nossas vidas. Deus nos abençoe.»
Soldado caçador especial
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