terça-feira, 11 de junho de 2019

48 NARRAÇÕES EM FERIDA DA GUERRA DO ULTRAMAR


Acabei de ler um livro que Portugal deveria ler. E devê-lo-ia fazer por uma questão histórica, em homenagem à memória dos dez mil combatentes portugueses que deram a vida na guerra do ultramar, e por respeito ao sofrimento dos 900 000 que sobreviveram, mas muitos deles que ainda fazem parte da nossa sociedade actual, sofrendo traumas psicológicos e físicos que os marcaram para toda a vida. Foram homens enviados a defender um império colonial de 500 anos, moribundo, numa guerra sem sentido, apenas e só por lealdade à Pátria. Se há necessidade de atribuir culpas, que o seja à política e aos políticos, já que, bem vistas as coisas, foram eles, capitães de Abril, homens que também combateram no ultramar, os primeiros obreiros da liberdade.

O Livro tem por título «Declarações de Guerra», da autoria do psicólogo Vasco Luís Curado, e é uma compilação de 48 testemunhos de combatentes do ultramar, sofridos testemunhos, do antes, o durante e o depois do ultramar. Obviamente que o autor não identifica os seus doentes. No final de cada testemunho limita-se a dizer qual o posto e a arma.

São quarenta e oito declarações de oficiais milicianos, sargentos, furriéis, 1ºs cabos e soldados, servindo nos rangers, fuzileiros, pára-quedistas, comandos e tropa normal.

Há passagens em que me vieram as lágrimas aos olhos. Numa, que não esqueci, um soldado comando diz a dado passo, que numa operação, que correu muito mal, no meio do mato, o seu amigo Valter morreu-lhe nos braços e aí ele sentiu o seu corpo ficar dormente. Foi o espirito do Valter a entrar no seu corpo. Cerca de vinte anos depois, em 1993, quando em Lisboa inauguraram o monumento aos dez mil combatentes do ultramar mortos em combate, onde se encontram inscritos os nomes de todos os que tombaram, esse antigo soldado comando dirigiu-se ao monumento e foi em busca do nome do seu amigo Valter. Quando o encontrou voltou a sentir o seu corpo a ficar dormente. Foi o espirito do Valter que saiu do seu corpo e finalmente se libertou.

Termino com a citação do final do penúltimo testemunho:

«Fomos os combatentes que andaram a lutar pela pátria nas colónias ultramarinas. Agora somos desconhecidos. Já ninguém nos reconhece. Não somos ninguém, não interessamos à sociedade, só éramos bons quando andávamos a bater com as costas para sacrificar as nossas vidas em defesa de todos. Já passámos à história. Nunca mais esqueceremos aqueles dias de terror. Todos nós ficámos atormentados para o resto das nossas vidas. Deus nos abençoe.»

Soldado caçador especial

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