Nesse ano de 1969 a Nasa, nos Estados
Unidos, lançou-se em força para o espaço, com o programa Apólo. Acho que a meio
de Julho desse ano foi lançada para o espaço a Missão Apólo 11, cujo objectivo
era o de levar dois astronautas ao solo lunar, ao «mar da tranquilidade». E o
homem chegou à lua nesse mês de Julho de 1969. Lá em casa ninguém demonstrou
grande entusiasmo por seguir em directo a emissão, pelo que à hora normal toda
a família se foi deitar. Mas eu não conseguia dormir. O homem ia poisar na lua,
isso ia dar em directo na televisão, e eu não iria ver? Já nessa época, apenas
com treze anos, eu era apaixonado pelos feitos do homem e toda essa carga
emocional que me suscitam os grandes actos. E convictamente decidi enfrentar
todos os riscos.
Era uma noite de verão, uma
característica noite de verão em Coimbra, com imenso calor. Da janela aberta da
sala chegavam-me os sons dos grilos que cantavam à lua (que nessa noite tinha
intrusos), grilos que se encontravam pelas tocas nos terrenos baldios que
rodeavam aquela pequena casa, encarrapitada lá no alto. Comigo estava o meu
gato, preto e branco, o «Corredor», que dormia comigo. Acho que verdadeiramente
era o meu grande amigo naquela fortaleza. E perto das duas horas da manhã, hora
marcada para se dar início à emissão, eu liguei a televisão, esse acto
criminoso e hediondo. Mas fi-lo, por amor à ciência, e respeito pelos homens
que arriscavam a vida para que a humanidade progredisse. A televisão estava num
som quase imperceptível. E então, no televisor surgiu, no estúdio, o jornalista
José Mensurado, dando algumas explicações. Explicou, por exemplo, que a nave
«mãe» se encontrava em órbita lunar, sendo apenas tripulada por um astronauta-
Michael Collins, enquanto que os outros dois seus companheiros, Edwin Aldrin e
Neil Armstrong, tinham entrado num módulo lunar, que tinha estado acoplado à
nave mãe e que brevemente poisaria no solo lunar. Mas que tremenda expectativa.
Havia lá alguma ordem «obscuriana» que naquele momento me fizesse afastar do
televisor a preto e branco?!
E depois a transmissão, há cinquenta
anos, conseguiu transmitir em directo o módulo lunar a poisar. É claro que tudo
decorria muito lentamente. Desde que o módulo lunar poisou (parecia uma
aranha), até a porta se abrir, decorreu uma eternidade. E eu, de vez em quando,
ia à janela, e observava intensamente a lua, que estava muito brilhante nessa
noite, e tentava conseguir ver um pontinho pequenino, que me conseguisse
localizar os meus heróis na dimensão do pequeno planeta.
E depois aquele momento
extraordinário de ver o Neil Armstrong assomar à escotilha do módulo lunar,
completamente envolto naquele fato espacial complicadíssimo, com imagens da lua
reflectidas no visor do excepcional capacete, e começar a descer as pequenas
escadas. E eu com treze anos reparei, e memorizei, aquela breve hesitação do Neil
Armstrong com o pé direito, retirado do degrau e dirigindo-o em direcção ao
solo lunar, quando o tinha a breves centímetros do solo parou o movimento, e
por dois ou três segundos manteve o pé suspenso, para seguidamente o poisar com
enorme precaução. E seguidamente, ao retirar as mãos dos corrimões das escadas
metálicas, deixando de ter contacto físico com o módulo lunar, ao dar o seu
primeiro passo, ter dito a fabulosa frase: «este é um pequeno passo para o
homem, um enorme salto para a humanidade». Esta, talvez a frase mais célebre de
toda a história da humanidade, desde que a humanidade escreve, e eu vi-a a ser
proferida pela primeira vez, pelo seu autor, o astronauta Neil Armstrong, por
volta das três da manhã do dia 20 de Julho de 1969…na lua.
in Prosas Pelas Janelas da Vida
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