sábado, 14 de dezembro de 2019

NO AR GELADO, LÁ FORA À SOLTA ANDA A MAGIA II



(continuação)

...Tudo estava em completo silêncio. Agachado, para diminuir a sua silhueta, tal como aprendera na já tropa distante, foi-se dirigindo para o local de onde provinha luz: a árvore de natal, o centro de toda a sua atenção. Entrando numa enorme sala, passando silenciosamente entre uma mesa enorme, sofás e maples, aproximava-se da árvore de natal, quando lhe pareceu ouvir um qualquer barulho, como se alguém tivesse tossido. Imediatamente se imobilizou, e assim agachado, começou lentamente a olhar para todos os cantos, tentando fazer com que a vista se habituasse à escuridão. Foi então que uma voz se elevou, quase o matando de susto:

- Zé Inácio, que estás a fazer aqui?

         Perante aquela pergunta Zé Inácio procurou avidamente a fonte da voz, e na escuridão começou a delinear-se uma penumbra, que se foi transformando numa figura, uma figura de homem bem corpulento, cuja voz fazia jus ao físico. A figura movimentou-se ligeiramente, o que foi o bastante para ser iluminada pelas luzes da árvore de natal. O Zé Inácio ficou de boca aberta. Perante si encontrava-se de pé, bem perto da lareira que agora estava apenas em ténues brasas, um homem vestido com umas calças vermelhas de feltro, casaco também de feltro e também encarnado, debruado a branco e um grande barrete, também de feltro vermelho e branco. O homem usava umas farfalhudas barbas brancas.

- E tu, disfarçado de Pai Natal?- perguntou o Zé Inácio em tom de surpresa.

- Disfarçado? Eu sou o Pai Natal- respondeu o homem com convicção.

- Sim, sim, e eu sou o Cristiano Ronaldo.

- Deixa-te de tolices Zé Inácio.

- A propósito, como é que sabes o meu nome?

- Porque sou o Pai Natal e sei tudo sobre os homens. Surpreendes-te? Não é na madrugada de 24 para 25 de Dezembro que se diz que o Pai Natal visita as casas onde existem crianças? Hoje é essa madrugada. Duvidas da minha existência, Zé Inácio?

         O Zé Inácio começava a vacilar na sua convicção de que estava perante um charlatão.

-Bem…quer dizer, quando era criança ainda acreditei, mas logo a vida me demonstrou que o Pai Natal era só para alguns.

- Não Zé Inácio, o Pai Natal é para todos, desde que todos os homens saibam ouvir a criança que ficou a viver neles depois que deixaram de ser crianças. A sensibilidade é a cama onde o amor adormece, meu amigo. Só quem tem sensibilidade é que é capaz de sentir a magia. E esta madrugada é feita de magia, muita magia, a magia do Menino Jesus, e é por isso que tu estás a ver-me e a falares comigo.

- Como posso eu ter magia se em minha casa…

- Eu sei- interrompeu o Pai Natal o que o Zé Inácio ia dizer- eu sei que vives um momento complicado, e que a tua alma está triste porque tens dois filhos pequeninos a quem não podes dar o que gostarias de oferecer…mas eu não me esqueci deles.

- Não?- perguntou o Zé Inácio, com alguma esperança de que algo de bom estivesse para acontecer, não percebendo ainda muito bem se na verdade tinha razões para estar esperançado.

- Não! Mas antes de qualquer outra coisa, responde-me à minha pergunta: o que fazes tu dentro desta casa que não é a tua?

- Eu acho que tu sabes bem por que razão aqui estou. O desespero fez-me entrar aqui para roubar dois brinquedos para os meus pequenos. Eu sei que fiz mal, mas devem haver ali tantos brinquedos que…

- Quando entraste ainda lá não havia brinquedo nenhum. Agora a base da árvore de Natal está cheia…

- Queres-me dizer que foi o Pai Natal…tu, que trouxeste os brinquedos…- dizia o Zé Inácio como que discordando da ideia que o Pai Natal quis fazer passar.

- Mas é claro que fui eu…quem mais poderia ter sido?

- Só te falta dizeres-me que lá fora tens as renas e o trenó à tua espera.

- E que serão elas que te vão levar até à tua casa. Anda, vamos embora, que se está a esgotar o meu tempo de magia que fez com que pudéssemos conversar à vontade sem sermos ouvidos.

- Mas…tu tens mesmo renas lá fora?- perguntava o Zé Inácio cada vez mais incrédulo.

- Tu és mesmo céptico, Zé Inácio. Anda, vamos lá…para as traseiras da casa.

- Traseiras?

- Não ias querer que as renas ficassem aqui à vista de todos, pois não? Isso ia originar aqui um engarrafamento…bem, talvez não originasse porque não anda ninguém na rua.

- Pois, só um triste como eu.

- Anima-te homem, que as coisas vão melhorar.

- Deus te ouça!

- Ele ouve-me sempre…há muito tempo.

         E o Pai Natal, a sorrir, guiou o Zé Inácio até às traseiras daquela casa, que davam para um bonito morro, junto ao qual, numa grande gaiola, dormiam algumas bonitas rolas. E ali, junto à gaiola, encontrava-se um enorme trenó, carregado de sacos e mais sacos, à frente do qual se encontravam seis enormes renas, de grandes chifres, que ao verem o Pai Natal resfolgaram de prazer, deitando pelas narinas golfadas de fumo quente.

         O Zé Inácio ficou completamente boquiaberto.

- Mas…são renas a sério…e um trenó verdadeiro…

- Sobe Zé Inácio- disse o Pai Natal dando uma gargalhada- vamos levar-te a casa, que o teu lugar é junto à tua família.

- Subo? Posso?

- Anda homem, claro que podes.

         E o Zé Inácio, hesitantemente, subiu para o trenó, arranjando um pequeno espaço para si, no meio de todos aqueles sacos.

- Sacos com tantos nomes…em tantas línguas diferentes…- dizia o Zé Inácio maravilhado.

- Esses sacos são para as crianças do mundo inteiro, Zé Inácio- e dizendo isto o Pai Natal disse umas palavras mágicas, fazendo com que as renas imediatamente se colocassem em movimento, o que provocou que as milhentas pequenas campaínhas que tinham ao pescoço começassem a tilintar, tomando a direcção do céu.

         Zé Inácio, ao ver-se a viajar pelo ar, num trenó puxado por renas, finalmente acreditou, e exclamou numa grande gargalhada:

- Mas tu és o Pai Natal!

         E a rir-se Zé Inácio acordou, vendo a sua esposa sentada na cama, a rir-se para ele.

- Estavas a sonhar com alguma coisa engraçada- disse ela.

- Pois estava. Vê lá tu que sonhava que estava a viajar no trenó do Pai Natal, e que ele me veio trazer a casa.

- Não me digas, Zé. É que aconteceu uma coisa fantástica…acho que muito melhor do que fantástico.

- O que foi?- perguntou o Zé Inácio intrigado.

- Acordei a meio da noite, a ouvir umas campainhas e um pequeno barulho junto à nossa porta. Levantei-me e pareceu-me ouvir alguém a dar uma gargalhada. Abri a porta…e estava ali um grande monte de presentes. Fui pô-los na sala. Tu ainda não estavas em casa.

- Quem terá sido?

- Então, um destes ricos altruístas de quem de vez em quando ouvimos falar. Quem sabe, talvez o Pai Natal seja o maior de todos.

         Ambos se riram e foram à sala. Era verdade. Lá estava um grande monte de presentes, nos quais, além de brinquedos, se encontravam também víveres que fizeram mais feliz o Natal daquela família…e um pequeno envelope, com um cartão, onde se lia: «Zé Inácio, nunca deixes de acreditar na magia, e em mim, o Pai Natal».

         Foi então que apareceram os seus dois filhos pequeninos. O de quatro anos a correr, com os olhos brilhantes de felicidade, perante tantos presentes, e o pequerrucho, de dez meses, a gatinhar, que num maravilhoso sorriso balbuciou: «na na na».

         Dois dias depois o Zé Inácio recebeu um telefonema, em que alguém o contratava para um emprego numa oficina.

         Lá na longínqua Lapónia, naquelas vastidões geladas, onde sopra o vento vindo de todo o mundo, chega a mensagem de que o mundo, para ser mesmo feliz, necessita que o Pai Natal seja cada mais forte, para poder chegar aonde não chega a sensibilidade, para que todo o mundo, todo o mundo mesmo, tenha um FELIZ NATAL!
                                                                           FIM

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