(continuação)
...Tudo
estava em completo silêncio. Agachado, para diminuir a sua silhueta, tal como
aprendera na já tropa distante, foi-se dirigindo para o local de onde provinha
luz: a árvore de natal, o centro de toda a sua atenção. Entrando numa enorme
sala, passando silenciosamente entre uma mesa enorme, sofás e maples,
aproximava-se da árvore de natal, quando lhe pareceu ouvir um qualquer barulho,
como se alguém tivesse tossido. Imediatamente se imobilizou, e assim agachado,
começou lentamente a olhar para todos os cantos, tentando fazer com que a vista
se habituasse à escuridão. Foi então que uma voz se elevou, quase o matando de
susto:
- Zé Inácio, que estás a
fazer aqui?
Perante aquela pergunta Zé Inácio procurou avidamente a
fonte da voz, e na escuridão começou a delinear-se uma penumbra, que se foi
transformando numa figura, uma figura de homem bem corpulento, cuja voz fazia
jus ao físico. A figura movimentou-se ligeiramente, o que foi o bastante para
ser iluminada pelas luzes da árvore de natal. O Zé Inácio ficou de boca aberta.
Perante si encontrava-se de pé, bem perto da lareira que agora estava apenas em
ténues brasas, um homem vestido com umas calças vermelhas de feltro, casaco
também de feltro e também encarnado, debruado a branco e um grande barrete,
também de feltro vermelho e branco. O homem usava umas farfalhudas barbas
brancas.
- E tu, disfarçado de Pai
Natal?- perguntou o Zé Inácio em tom de surpresa.
- Disfarçado? Eu sou o
Pai Natal- respondeu o homem com convicção.
- Sim, sim, e eu sou o
Cristiano Ronaldo.
- Deixa-te de tolices Zé
Inácio.
- A propósito, como é que
sabes o meu nome?
- Porque sou o Pai Natal
e sei tudo sobre os homens. Surpreendes-te? Não é na madrugada de 24 para 25 de
Dezembro que se diz que o Pai Natal visita as casas onde existem crianças? Hoje
é essa madrugada. Duvidas da minha existência, Zé Inácio?
O Zé Inácio começava a vacilar na sua convicção de que
estava perante um charlatão.
-Bem…quer dizer, quando
era criança ainda acreditei, mas logo a vida me demonstrou que o Pai Natal era
só para alguns.
- Não Zé Inácio, o Pai
Natal é para todos, desde que todos os homens saibam ouvir a criança que ficou
a viver neles depois que deixaram de ser crianças. A sensibilidade é a cama
onde o amor adormece, meu amigo. Só quem tem sensibilidade é que é capaz de
sentir a magia. E esta madrugada é feita de magia, muita magia, a magia do
Menino Jesus, e é por isso que tu estás a ver-me e a falares comigo.
- Como posso eu ter magia
se em minha casa…
- Eu sei- interrompeu o Pai
Natal o que o Zé Inácio ia dizer- eu sei que vives um momento complicado, e que
a tua alma está triste porque tens dois filhos pequeninos a quem não podes dar
o que gostarias de oferecer…mas eu não me esqueci deles.
- Não?- perguntou o Zé
Inácio, com alguma esperança de que algo de bom estivesse para acontecer, não
percebendo ainda muito bem se na verdade tinha razões para estar esperançado.
- Não! Mas antes de
qualquer outra coisa, responde-me à minha pergunta: o que fazes tu dentro desta
casa que não é a tua?
- Eu acho que tu sabes
bem por que razão aqui estou. O desespero fez-me entrar aqui para roubar dois
brinquedos para os meus pequenos. Eu sei que fiz mal, mas devem haver ali
tantos brinquedos que…
- Quando entraste ainda
lá não havia brinquedo nenhum. Agora a base da árvore de Natal está cheia…
- Queres-me dizer que foi
o Pai Natal…tu, que trouxeste os brinquedos…- dizia o Zé Inácio como que
discordando da ideia que o Pai Natal quis fazer passar.
- Mas é claro que fui
eu…quem mais poderia ter sido?
- Só te falta dizeres-me
que lá fora tens as renas e o trenó à tua espera.
- E que serão elas que te
vão levar até à tua casa. Anda, vamos embora, que se está a esgotar o meu tempo
de magia que fez com que pudéssemos conversar à vontade sem sermos ouvidos.
- Mas…tu tens mesmo renas
lá fora?- perguntava o Zé Inácio cada vez mais incrédulo.
- Tu és mesmo céptico, Zé
Inácio. Anda, vamos lá…para as traseiras da casa.
- Traseiras?
- Não ias querer que as
renas ficassem aqui à vista de todos, pois não? Isso ia originar aqui um
engarrafamento…bem, talvez não originasse porque não anda ninguém na rua.
- Pois, só um triste como
eu.
- Anima-te homem, que as
coisas vão melhorar.
- Deus te ouça!
- Ele ouve-me sempre…há
muito tempo.
E o Pai Natal, a sorrir, guiou o Zé Inácio até às traseiras
daquela casa, que davam para um bonito morro, junto ao qual, numa grande
gaiola, dormiam algumas bonitas rolas. E ali, junto à gaiola, encontrava-se um
enorme trenó, carregado de sacos e mais sacos, à frente do qual se encontravam
seis enormes renas, de grandes chifres, que ao verem o Pai Natal resfolgaram de
prazer, deitando pelas narinas golfadas de fumo quente.
O Zé Inácio ficou completamente boquiaberto.
- Mas…são renas a sério…e
um trenó verdadeiro…
- Sobe Zé Inácio- disse o
Pai Natal dando uma gargalhada- vamos levar-te a casa, que o teu lugar é junto
à tua família.
- Subo? Posso?
- Anda homem, claro que
podes.
E o Zé Inácio, hesitantemente, subiu para o trenó,
arranjando um pequeno espaço para si, no meio de todos aqueles sacos.
- Sacos com tantos
nomes…em tantas línguas diferentes…- dizia o Zé Inácio maravilhado.
- Esses sacos são para as
crianças do mundo inteiro, Zé Inácio- e dizendo isto o Pai Natal disse umas
palavras mágicas, fazendo com que as renas imediatamente se colocassem em
movimento, o que provocou que as milhentas pequenas campaínhas que tinham ao
pescoço começassem a tilintar, tomando a direcção do céu.
Zé Inácio, ao ver-se a viajar pelo ar, num trenó puxado por
renas, finalmente acreditou, e exclamou numa grande gargalhada:
- Mas tu és o Pai Natal!
E a rir-se Zé Inácio acordou, vendo a sua esposa sentada na
cama, a rir-se para ele.
- Estavas a sonhar com
alguma coisa engraçada- disse ela.
- Pois estava. Vê lá tu
que sonhava que estava a viajar no trenó do Pai Natal, e que ele me veio trazer
a casa.
- Não me digas, Zé. É que
aconteceu uma coisa fantástica…acho que muito melhor do que fantástico.
- O que foi?- perguntou o
Zé Inácio intrigado.
- Acordei a meio da
noite, a ouvir umas campainhas e um pequeno barulho junto à nossa porta.
Levantei-me e pareceu-me ouvir alguém a dar uma gargalhada. Abri a porta…e
estava ali um grande monte de presentes. Fui pô-los na sala. Tu ainda não
estavas em casa.
- Quem terá sido?
- Então, um destes ricos
altruístas de quem de vez em quando ouvimos falar. Quem sabe, talvez o Pai
Natal seja o maior de todos.
Ambos se riram e foram à sala. Era verdade. Lá estava um
grande monte de presentes, nos quais, além de brinquedos, se encontravam também
víveres que fizeram mais feliz o Natal daquela família…e um pequeno envelope,
com um cartão, onde se lia: «Zé Inácio, nunca deixes de acreditar na magia, e
em mim, o Pai Natal».
Foi então que apareceram os seus dois filhos pequeninos. O
de quatro anos a correr, com os olhos brilhantes de felicidade, perante tantos
presentes, e o pequerrucho, de dez meses, a gatinhar, que num maravilhoso
sorriso balbuciou: «na na na».
Dois dias depois o Zé Inácio recebeu um telefonema, em que
alguém o contratava para um emprego numa oficina.
Lá na longínqua Lapónia, naquelas vastidões geladas, onde
sopra o vento vindo de todo o mundo, chega a mensagem de que o mundo, para ser
mesmo feliz, necessita que o Pai Natal seja cada mais forte, para poder chegar
aonde não chega a sensibilidade, para que todo o mundo, todo o mundo mesmo,
tenha um FELIZ NATAL!
FIM
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