Nos dias que se seguiram à visita do
inglês Jack Horn a Malhal de Sula, andei pela região, exercendo a minha
actividade clínica e ao mesmo tempo conversando com as pessoas sobre o que
acontecera no Luso, nas terras do Conde de Cértima. Eu sabia que se algo
corresse pela boca do povo, é porque alguma verdade havia no que corria. E de
duas coisas eu fiquei ciente: não corriam boatos sobre o nome do assassino,
embora tivesse ouvido muitas conjecturas, nenhuma que incluísse o nome de Pedro
Corga, o que queria dizer que o inglês se mantinha calado, o que não facilitava
nada a minha tarefa; e não corria que o regedor tivesse ainda movido uma palha,
no propósito de tentar descobrir alguma pista que o levasse à identidade do
assassino.
O
meu instinto não permitia que eu fosse a casa de D. Rodrigo Corga, mas ele era
meu doente e eu tinha de continuar o meu trabalho.
Lá
fiz o meu domicílio.
O
Conde de Cértima recebeu-me sem grande entusiasmo. Depois de eu lhe ter
aplicado uma nova porção do unguento contra o reumatismo, D. Rodrigo Corga
disse-me:
- Senhor doutor, penso que por via
deste meu mal não precisará o senhor de voltar cá a casa. Já me sinto bem. As
suas mezinhas são boas. Resta-me fazer contas consigo e sempre que seja
necessário lá o chamarei.
- Como Vossa Excelência entender. E
desde já os meus agradecimentos pela confiança que Vossa Excelência demonstra
pelos meus serviços.
- Está certo, está certo – disse o
conde – espero que tão depressa não o tenha de chamar, até porque agora mal
calharia já que estou próximo de arranjar casamento à minha filha. Finalmente!
Já vai com trinta anos de idade.
- A senhora D. Maria Clara vai-se
casar? – perguntei eu, com um sorriso que a mim próprio me pareceu muito
desmaiado.
- Se Deus o permitir, será com o
Visconde de Sá. É uma casa distinta de Aveiro.
- Folgo em saber essa notícia –
voltei eu a falar, sentindo que as cordas vocais se me tolhiam.
Depois
o Conde de Cértima pagou o preço das minhas consultas. E quando me preparava
para sair, perguntei-lhe:
- Excelência, notícias sobre o nome
do matador, não há nenhuma?
- Não, senhor doutor. Que quer? Se o
descobridor pouco sabe do seu ofício, pouco ou nada se descobre. E no fundo,
aos mortos tanto se lhes dá que se descubra como não. Debaixo da terra ninguém
os tira.
- Mas, Excelência, anda um criminoso
a monte!
- Vá dizer isso ao regedor. Ainda
aqui não pôs os pés e já lá vão não sei quantos dias.
- E como está o senhor Francisco
Carvalho?
- Como há-de estar?! Lá lhe dei uns
cruzados para tornar mais pequena a dor e o animar, que tanoeiro como ele não
há outro por aqui.
Achei
o conde com muita falta de piedade, contrariamente ao que tinha presenciado no
dia em que os mortos haviam sido encontrados. Suscitou-me aquela atitude
algumas dúvidas, coisas sem nexo, decerto…(em continuação, ex. XXXII)
in Alma de Liberal
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