Poucos meses antes de se ter dado o 25 de Abril de
1974, a minha turma, no Liceu D. João III em Coimbra, viveu um episódio complicado, porventura o mais complicado
de toda a minha vida estudantil. Eram então uma novidade as aulas de
substituição, coisa mesmo muito recente. Aconteceu então que numa inesquecível
aula de ginástica o professor não compareceu. Perante a ausência do mestre, e
contrariamente ao que era habitual, fomos mandados para a sala de aula e
aguardar pela vinda de um outro professor, que de alguma forma iria ocupar o
espaço deixado vago pelo colega faltoso. E saiu-nos na rifa uma professora de
história, muito nova. Acresce dizer que a nossa turma, daquele 5º ano, era
formada por alguns alunos repetentes, como tal, já com uma idade mais avançada
do que a maioria. A dita professora entrou, e talvez por ver que na turma
existiam alunos espigadotes, assumiu uma postura prepotente. E começou a dar
uma aula de história, que era a sua especialidade. Nós, que éramos uma turma
barulhenta sim, mas respeitadora, como convinha naquele liceu, perante a
prepotência da professora, principalmente porque era tão novinha, não aceitámos
aquela postura, e começámos a entrar no campo do gozo, nas respostas às
perguntas que ela nos ia fazendo sobre história. E ela, a pouco e pouco, foi perdendo
o controle da turma. Até que chegou aquele momento. O 25, do fundo da turma,
que tinha a alcunha de «Paizinho», porque era o mais velho, dezoito anos de
idade, pediu à professora para mudar de lugar já que a chuva que caía estava a
molhá-lo, pois que perto de si existia uma janela com um vidro partido. A
professora negou-lhe a pretensão, com a justificação de que quando ele fosse
para a tropa iria levar muita chuva em cima e não se iria queixar. Acontece que
na turma existiam dois irmãos, os Póvoas, a quem tinha falecido recentemente um
irmão no ultramar. Ao ouvir a justificação da professora, o Póvoas mais velho,
deu um salto na carteira, levantou-se, e berrando, perguntou à professora o que
é que ela percebia de tropa, para logo de seguida se virar para o Paizinho e
lhe ordenar que mudasse de lugar, o que ele imediatamente fez. A partir desse
momento a professora de história emudeceu, sentou-se atrás da secretária e
aguardou que os cinquenta minutos se esgotassem, enquanto a turma se comportava
de uma forma perfeitamente indisciplinada, aos gritos e enviando bolas de papel
uns aos outros. Quando tocou para a saída a professora de história levantou-se
e disse-nos, em tom de ameaça, que decerto nós supúnhamos o que é que ela iria
fazer seguidamente. E fez! A queixa seguiu para o Conselho Directivo e daí para
o Reitor. E o reitor levantou um processo disciplinar à turma. Todos nós fomos
ouvidos, e incrivelmente, tivemos os nossos professores por nós. Mas mesmo
assim a turma foi punida com oito dias de suspensão. Metade da turma seria
punida numa semana e a outra metade na semana seguinte. E assim se fez. No
entanto esta punição disciplinar não teve quaisquer repercussões nas nossas
notas. Por essa época tínhamos acabado de dar, em português, Gil Vicente. E um
dos seus autos falava de uma Mofina Mendes (a desgraçada). Pois foi com esse
nome que baptizámos aquela estranha professora de história, que por ironia do
destino dava história à turma ao lado da nossa. Por isso, depois de termos
cumprido a punição, quando estávamos a aguardar a chegada do professor para uma
aula, e víamos ao fundo do corredor surgir a professora de história da turma ao
lado, o que a tinha descoberto gritava:
- Malta, vem lá a Mofina Mendes.
E todos nos íamos encostar à parede do corredor,
entre a porta da nossa sala e a porta da sala da turma ao lado, em sentido
(caso o nosso professor ainda não tivesse chegado). E essa rotina mantivemo-la
até ao final do ano lectivo, que foi mais ou menos até ao 25 de Abril de 1974.
Estava-me eu a despedir de Coimbra.
in Prosas Pelas Janelas da Vida
livro I
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