E com o avançar do verão chegou aquele tão temido
dia- 14 de Agosto de 1974, dia em que, com o peito em sobressalto e os olhos
marejados de lágrimas, me despedi de toda a Rua Luís de Camões.
As linhas que em Coimbra a minha vida haveria de
compor estavam a terminar o seu ciclo. Escrever sobre a minha Coimbra é
escrever sobre uma alma portuguesa, um ser-se português no mais romântico que
tem a essência lusitana. Corra-se todo o território nacional, percorra-se todo
o antigo Império Romano, e decerto que não se encontra nome mais belo do que
este- AEMINIUM.
É um privilégio ter-se nascido conimbricense.
Coimbra guarda valiosas memórias da história de Portugal.
Na Alta, na minha saudosa Alta, encontra-se a
majestosa e muitas vezes secular Sé Velha, de estilo Românico. Nas suas pedras
gastas pelo tempo segredei muitos dos meus ideais da juventude. Ainda na Alta,
a meio caminho da Baixa, quantas foram as vezes em que passei sob o Arco de
Almedina, a primitiva entrada de uma Coimbra ainda mourisca. Descendo a
Visconde da Luz, eis-me na Praça 8 de Maio e ali, quantas vezes os meus olhos
passearam pela muita antiga, imponente e sublime Igreja de Santa Cruz, onde
repousam os restos mortais do fundador da nacionalidade, o nosso primeiro rei
D. Afonso Henriques.
Já na Portagem, actualmente sem a passagem dos meus
carinhosos eléctricos, que tanta nostalgia me traziam, atravessando a ponte,
quantas vezes senti a mística que envolve o Mosteiro de Santa Clara a Velha,
que o rio Mondego reclamou como sendo seu. E olhando aquele velho mosteiro
submerso pelas águas do Mondego, me vinha à memória a Rainha Santa Isabel e o
Milagre das Rosas; e ali bem perto, na Fonte dos Amores, era impossível
esquecer o dramático romance de D. Pedro e D. Inês de Castro, Pedro e Inês,
eternos amantes. Daquele mesmo local muitas vezes avistei a opulência da Torre
da Universidade de Coimbra, fundada por D. Dinis em 1308.
Universidade de Coimbra, só ela é uma história. E
quantas histórias não criou, que se disseminaram por este país fora e pelo
mundo: o Hilário, o PadZé… e os meus muito queridos e particulares Bruno Rosa da
Cunha e Luís Diogo Fareleira Simão Gomes. Histórias que orgulhosamente, todas elas, envergaram capa e batina, se
passearam pelo choupal, namoraram tricanas, envolveram-se em disputas ferozes
com fútricas, gritaram o A.F.R.A…. e arderam de paixão no Penedo da Saudade.
Da minha Académica, da Festa do Espírito Santo aos
Olivais, da Queima das Fitas, de respirar Coimbra, eu tenho saudades.
Das trupes, do Fado Hilário e das Serenatas, eu
tenho saudades.
«Coimbra tem mais encanto na hora da despedida».
Ser de Coimbra é reter no coração a envolvência misteriosa de um ambiente
único, onde o passado intervém no presente.
Só quem já passou por uma hora de despedida a
Coimbra, pode efectivamente cantar o seu encanto. Eu posso fazê-lo, muito
embora recuse a idéia de alguma vez me ter despedido de Coimbra. Nunca deixei
de lá residir, mesmo estando ausente.
E assim este coimbrão, com a alma negra como negra
é a capa de estudante, a meio daquele Agosto de 1974, seguindo o Bruno e a mãe,
acompanhado pelas irmãs Léninha e Elsie, lá seguiu em direcção ao seu novo
destino, à sua nova vida, para uma terra chamada Alfeizerão.
Como se lhe rasgou a alma ao atravessar a Ponte de
Santa Clara, sobre o seu querido Mondego…
in Prosas Pelas Janelas da Vida
livro I
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