...Desde que
estava em Angola sempre estivera em operações de defesa. Aquela era a primeira
vez que o seu grupo de combate tomava a
iniciativa do ataque. Quando aquela operação terminasse, e esperava que
findasse bem, haveria de contar à sua loirinha aquela nova experiência, o
sentir a pulsação à selva, o seu dinamismo, as suas cores, as suas sombras, o
seu cheiro. Catarina, a sua divinal loirinha. Como ela o sabia reconfortar com
as suas cartas.
«...Meu
amor, não sei se o tempo aí em Angola tem a velocidade do tempo europeu. Nos
momentos em que recebo cartas tuas o relógio dispara. Nos momentos em que te
escrevo cartas o relógio dispara. Mas depois, o maldito do relógio entra numa
lentidão atroz. Do nosso grupo de amigos, rapazes e raparigas, tu és o único
rapaz que foste para a tropa. Todos os outros pediram espera. Por isso eu sou
muito acarinhada e tu muito lembrado. Todos me pedem notícias tuas. E eu rindo,
digo-lhes que tu és um autêntico repórter de guerra. Envias-me África em
directo. Com as narrações que me fazes de Angola e que eu lhes transmito,
colaboras de alguma forma para que, em teoria, muitos dos nossos amigos se
preparem para um futuro tempo de tropa.
Tenho
tantas saudades tuas. Em ti me perco. Sem ti não me sei encontrar. Envolve-me
mais e mais com o teu amor. Infinitamente tua
Catarina».
Álvaro
sorria ao recordar excertos das cartas da sua loirinha. O coração batia forte
de saudade e amor, enquanto as suas mãos seguravam firmemente a espingarda
metralhadora g3, e os seus olhos perscrutavam os espaços formados entre lianas,
troncos e folhas. Subitamente a imagem do tronco caído na picada, veio-lhe à mente
com muito mais intensidade. Podia ver homens negros « mimetizados» com a
vegetação que envolvia o tronco. Uma voz o chamava e lhe dizia- « o tronco será
avistado depois da próxima curva da picada, onde existe um pequeno relevo no
chão. Aí está colocada uma mina anti carro. Avisa o teu comandante. Faz por
evitar que a companhia avance para uma emboscada. Sê inteligente e persuasivo».
Álvaro instintivamente olhava para o ar
e para os lados, na tentativa de descobrir a proveniência daquela voz. Num dos movimentos
de cabeça reparou que à sua frente, a cerca de trezentos metros, a picada
formava uma curva. De imediato se imobilizou. Seguia na frente da coluna, pois
o seu pelotão era o primeiro da companhia. Por instinto obedeceu àquela ordem
interior.
-
Furriel Paiva- chamou Álvaro.
-
Diga meu alferes- respondeu o furriel.
-
Venha aqui ao pé de mim.
O furriel numa pequena corrida
colocou-se ao lado de Álvaro.
-
A cerca de trezentos metros daqui os turras têm
montada uma emboscada. Retarde o andamento da coluna que eu vou falar com o
nosso capitão. E nenhum comentário para com os soldados...
(em continuação, pág. 72- ex. XX)
in VISITADOS
Novembro/1999
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