segunda-feira, 6 de agosto de 2012

INÊS DE CASTRO, UM AMOR PARA A ETERNIDADE (em homenagem ao Prof. José Hermano Saraiva)



Na história de Portugal, que já leva 869 anos, necessariamente que os factos se têm multiplicado, acotovelando-se na nossa memória colectiva. Acontecimentos que se revestem das mais variadas origens, e que suscitam em nós sentimentos de toda a espécie: alegria, tristeza, luto, decepção, orgulho, simpatia, antipatia, patriotismo, heroicidade, valentia, temeridade, loucura, eu sei lá… e também amor.

Para o mundo, o significado mais expressivo de paixão vai-se buscar ao romance de Romeu e Julieta, celebrizado pelo espírito criativo de William Shakespeare.

Para Portugal, não deveria ser necessário recorrer a esses amantes ficcionados para representar a paixão sem limites, porque uma paixão dessas aconteceu na realidade, num desses oitocentos e sessenta e nove anos de que é composta a nossa história.

Corria o ano de 1339, quando o príncipe real D. Pedro, filho de El-Rei D. Afonso IV, se casou com a princesa castelhana D. Constança. Com a princesa de Castela, dentro dos costumes da época, veio para Portugal um séquito de damas de companhia. De entre elas, vinha uma aia, que tinha por destino imortalizar-se tragicamente em terras de Portugal. Era mulher de uma beleza estonteante, segundo rezam os sussurros da história, chamada Inês de Castro, filha do fidalgo galego D. Pedro Fernandes de Castro, mordomo-mor do rei Afonso XI de Castela.

Inês de Castro, como aia da princesa, vivia no Paço, em grande intimidade com a família real. Devido á sua beleza e proximidade, o príncipe real D. Pedro apaixonou-se perdidamente por ela, sendo completamente correspondido nessa paixão. Depressa, no Paço, corriam rumores desses amores extra-conjugais do príncipe pela aia da princesa, muito embora essa prática fosse muito comum na época, o facto de príncipes e reis manterem ligações fora do matrimónio.

Não teria vindo mal ao mundo por esse facto, não se desse o caso de Inês de Castro ter sido criada no Castelo de Albuquerque, em Castela, onde era senhor D. Afonso Sanches, irmão de El-Rei de Portugal D. Afonso IV, filho bastardo do pai de ambos, o já então falecido El-Rei D. Dinis, e que, por fortes desavenças de ordem política fora obrigado a exilar-se em Castela. Diz-se que D. Afonso IV não quis que o filho mantivesse uma relação com uma mulher educada pelo seu inimigo. Assim, em 1344, D. Inês de Castro foi exilada em Castela, retornando ao castelo de Albuquerque.

Aconteceu que, entretanto, no ano seguinte, em 1345, D. Constança faleceu ao dar à luz aquele que viria a ser o rei D. Fernando. Imediatamente D. Pedro não perdeu tempo. Encontrando-se viúvo, em oposição directa á vontade paterna, foi buscar Inês de Castro e instalou-a no Paço de Santa Clara, em Coimbra, passando a viver maritalmente com a antiga aia da princesa agora falecida. Dessa união nasceram três filhos.

Alguns anos passaram, tendo a política castelhana se alterado, no decurso da qual o príncipe Real de Portugal D. Pedro foi escolhido para liderar uma revolta em Castela, sendo que os conspiradores eram fidalgos muito próximos de Inês de Castro. Dizem ainda e sempre as palavras ditas em surdina, de que a história impregna a memória, que El-Rei D. Afonso IV, desaprovando completamente a intervenção do príncipe real em questões de estado castelhanas, e porque Inês de Castro se estava a tornar num caso sério de instabilidade á boa governação do reino, tomou a decisão de a eliminar.

No dia 7 de Janeiro de 1355, aproveitando a saída do príncipe real D. Pedro para a caça, D. Afonso IV enviou os seus carrascos ao Paço de Santa Clara, em Coimbra, onde executaram Inês de Castro, degolando-a.

Dois anos depois, em 1357, D. Pedro tornou-se em El-rei D. Pedro I de Portugal. Tarde demais para a vida de Inês de Castro.

Numa cerimónia que envolveu milhares e milhares de pessoas, o corpo de Inês de Castro foi transladado para o Mosteiro de Alcobaça, onde passou a repousar no mais extraordinário monumento funerário que há em Portugal, onde, anos depois, se lhe juntou túmulo igual, o de D. Pedro I.

Pedro e Inês, amor para todo o sempre.



Na Quinta das Lágrimas, o antigo Paço de Santa Clara, em Coimbra, para sempre se encerraram as memórias da tragédia que, de vez em quando, se revelam ao mundo, quando, em determinados dias, formas de vermelho vivo se tornam visíveis sob a água corrente de um pequeno riacho.

Coimbra e Alcobaça unidas pela mais extraordinária história de amor que os jograis alguma vez puderam cantar em Portugal.

Como nos canta Luís de Camões nos Lusíadas, Inês de Castro ficou para sempre como «aquela de que depois de morta foi rainha».



2 comentários:

Gibson Azevedo disse...

Meu caro Jorge, esta fantástica historia de amo,r vivida por seus patrícios em plena idade média, dignifica o ser humano que, meio a tanto ódio, é capaz de amar a parceira de sua escolha com um sentimento tão forte, que se projeta para além da vida. Já havia tomado conhecimento deste drama em outra oportunidade, mas, confesso que sempre que me vem a lembrança tal idílio, fico emocionado sobremaneira. Este poema de vida, por ter sua amada Coimbra como pano de fundo, sei que esta história se torna para ti pensamento muito querido, muito caro.
Assim deve ser...
Abraço deste seu amigo
Gibson Azevedo.

Poeta do Penedo disse...

meu caro amigo Gibson
A todos os que, em Portugal, ainda se vão interessando pela sua história riquissima, os amores de Pedro e Inês, como muito bem disse, emocionam. Dentro da nossa história é uma das mais trágicas, que depois deu aso a algumas lendas. Mas, dentro de Portugal, particularmente em Coimbra, somos muito ciosos deste drama real que teve lugar na nossa já tão emblemática cidade, que este caso apenas veio acrescentar mais um ponto, e que ponto. D. Afonso IV é considerado o mais cruel rei de toda a história portuguesa. Inês de Castro, «o colo de garça» teve muito azar. Mas, tal como naqueles momentos, há homens, muitos homens, que continuam vulneráveis á vontade de outros homens. Em Portugal, com o agudizar desta crise, não é só economicamente que ela se manifesta. Também os valores e os sentimentos estão em crise aguda. E cada vez a justiça social é mais frágil, quando é nesta altura que a ignomínia e os crápulas se tornam robustos.
Um grande abraço lusitano meu caríssimo amigo.