...E em frente daquele meu
primeiro doente nobre eu fiquei especado, segurando a minha maleta de cabedal,
onde me munia de muitos apetrechos e substâncias, que à minha profissão diziam
respeito.
- Doutor Joaquim Lopes –
disse D. Rodrigo Corga, sem que tivesse esboçado sequer uma leve simpatia no
semblante.
- Senhor Conde de
Cértima, excelência –disse eu, fazendo uma ligeira vénia com a cabeça.
- Pensava-o mais velho,
levando em conta a fama que o seu nome tem, badalado por tanta boca.
- Excelência, há que
considerar que sou o único médico nesta região. Se as pessoas não têm mais
nenhum médico por quem falar, terão obrigatoriamente de falar de mim.
- Modéstia sua, doutor.
Que idade tem?
- Tenho vinte e quatro
anos, excelência.
- É quase uma criança –
disse o conde, com uma certa surpresa no olhar.
- Sou bastante novo, mas
assimilei conhecimentos que me foram ensinados por verdadeiros anciães, proeminentes
sábios nas curas das maleitas que afligem o corpo humano.
- Estou certo, doutor,
que não será o facto de ainda ser bastante novo, que o impedirá de ser já um
bom médico. E a prová-lo está a sua fama.
- Obrigado excelência –
disse eu, que me mantinha na mesma posição desde que entrara naquele ilustre
quarto.
- Pois eu tenho andado ás
voltas com uma danada de uma dor, que me apanha todo o braço direito e o ombro
do mesmo lado.
- Dá-me vossa excelência
permissão para que eu examine esse braço e o mais que eu considerar necessário?
- Mas é claro, doutor.
Esteja à sua vontade. Examine, faça o que lhe aprouver, mas cure-me desta dor
que tanto me incomoda.
E finalmente me aproximei do meu doente. Puxei de uma
cadeira e fiz-lhe um exame rigoroso. Lembrei-me das palavras do meu pai.
Efectivamente, na presença daquele homem, sentia-se fluir dele poder terreno.
Percebia agora o quanto o meu pai estava certo. Um bom diagnóstico feito a este
doente poderia trazer óptimas repercussões para a minha carreira.
O conde sofria de reumatismo. Receitei-lhe a aplicação de
uns unguentos, aplicação essa que desde logo me prontifiquei fazer, o que
determinou a minha deslocação àquela casa por várias vezes.
Até chegar ao diagnóstico levei algum tempo. Muito embora eu
tivesse concluído muito cedo qual a origem das dores, só após um exaustivo
exame ao paciente, demonstrando-lhe assim todo o meu empenho, como o ter
auscultado, examinado a língua, os olhos e demais zonas do corpo, é que lhe
revelei as minhas conclusões. Logo ali lhe fiz a primeira aplicação dos
unguentos, pelo que o conde se mostrava já muito mais afável para comigo. E com
tudo isto eram seis e meia da tarde quando dei por terminada a minha consulta.
Foi então que o Conde de Cértima me surpreendeu ao convidar-me para jantar.
Achei que deveria recusar tal, mas vendo
que o convite se transformava quase em exigência, resolvi aceitar.
- Pois muito bem, caro
doutor. Mal me ficaria deixá-lo ir-se embora, tendo pela frente ainda uma longa
viagem, de barriga vazia.
- Não chegam a ser duas
léguas, excelência – dizia eu, pretendendo demonstrar que o prazer em consultar
tal doente tornava curta a jornada.
E assim fui conduzido, de novo, pela governanta, para a sala
de espera. Ainda bem que tinha primado na minha apresentação, senão
ir-me-ia sentir muito mal. Se tal não
tivesse acontecido, talvez nem o conde me houvesse feito o convite para o
jantar. A vida é realmente uma grande escola. Somente agora é que eu percebia
que o meu pai não tinha nada de parvo...(em continuação, pág. 30, ex. XIII)
in ALMA DE LIBERAL
Junho/2009
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