quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ESPECADO PERANTE O PRIMEIRO DOENTE NOBRE

...E em frente daquele meu primeiro doente nobre eu fiquei especado, segurando a minha maleta de cabedal, onde me munia de muitos apetrechos e substâncias, que à minha profissão diziam respeito.
- Doutor Joaquim Lopes – disse D. Rodrigo Corga, sem que tivesse esboçado sequer uma leve simpatia no semblante.
- Senhor Conde de Cértima, excelência –disse eu, fazendo uma ligeira vénia com a cabeça.
- Pensava-o mais velho, levando em conta a fama que o seu nome tem, badalado por tanta boca.
- Excelência, há que considerar que sou o único médico nesta região. Se as pessoas não têm mais nenhum médico por quem falar, terão obrigatoriamente de falar de mim.
- Modéstia sua, doutor. Que idade tem?
- Tenho vinte e quatro anos, excelência.
- É quase uma criança – disse o conde, com uma certa surpresa no olhar.
- Sou bastante novo, mas assimilei conhecimentos que me foram ensinados por verdadeiros anciães, proeminentes sábios nas curas das maleitas que afligem o corpo humano.
- Estou certo, doutor, que não será o facto de ainda ser bastante novo, que o impedirá de ser já um bom médico. E a prová-lo está a sua fama.
- Obrigado excelência – disse eu, que me mantinha na mesma posição desde que entrara naquele ilustre quarto.
- Pois eu tenho andado ás voltas com uma danada de uma dor, que me apanha todo o braço direito e o ombro do mesmo lado.
- Dá-me vossa excelência permissão para que eu examine esse braço e o mais que eu considerar necessário?
- Mas é claro, doutor. Esteja à sua vontade. Examine, faça o que lhe aprouver, mas cure-me desta dor que tanto me incomoda.
         E finalmente me aproximei do meu doente. Puxei de uma cadeira e fiz-lhe um exame rigoroso. Lembrei-me das palavras do meu pai. Efectivamente, na presença daquele homem, sentia-se fluir dele poder terreno. Percebia agora o quanto o meu pai estava certo. Um bom diagnóstico feito a este doente poderia trazer óptimas repercussões para a minha carreira.
         O conde sofria de reumatismo. Receitei-lhe a aplicação de uns unguentos, aplicação essa que desde logo me prontifiquei fazer, o que determinou a minha deslocação àquela casa por várias vezes.
         Até chegar ao diagnóstico levei algum tempo. Muito embora eu tivesse concluído muito cedo qual a origem das dores, só após um exaustivo exame ao paciente, demonstrando-lhe assim todo o meu empenho, como o ter auscultado, examinado a língua, os olhos e demais zonas do corpo, é que lhe revelei as minhas conclusões. Logo ali lhe fiz a primeira aplicação dos unguentos, pelo que o conde se mostrava já muito mais afável para comigo. E com tudo isto eram seis e meia da tarde quando dei por terminada a minha consulta. Foi então que o Conde de Cértima me surpreendeu ao convidar-me para jantar. Achei que  deveria recusar tal, mas vendo que o convite se transformava quase em exigência, resolvi aceitar.
- Pois muito bem, caro doutor. Mal me ficaria deixá-lo ir-se embora, tendo pela frente ainda uma longa viagem, de barriga vazia.
- Não chegam a ser duas léguas, excelência – dizia eu, pretendendo demonstrar que o prazer em consultar tal doente tornava curta a jornada.

         E assim fui conduzido, de novo, pela governanta, para a sala de espera. Ainda bem que tinha primado na minha apresentação, senão ir-me-ia  sentir muito mal. Se tal não tivesse acontecido, talvez nem o conde me houvesse feito o convite para o jantar. A vida é realmente uma grande escola. Somente agora é que eu percebia que o meu pai não tinha nada de parvo...(em continuação, pág. 30, ex. XIII)

in ALMA DE LIBERAL

Junho/2009

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