... Em
Outubro de 1986, no grupo de novos caloiros que chegaram à Universidade de
Aveiro, incluía-se uma rapariga com dezanove anos de idade. Era oriunda de um
pequeno povoado denominado Casal Velho, pertencente à freguesia de Alfeizerão,
concelho de Alcobaça, distrito de Leiria. Na sua bagagem das vontades, trazia
principalmente a forte intuição de se formar em Inglês. Nascida e criada
naquele lugarejo existente no cume de um monte, fora severamente vigiada pelo
olhar intolerante e belicoso do pai, um abastado lavrador, que na produção da
pêra rocha formara o seu considerável pecúlio. Muito embora a moça conhecesse
perfeitamente o ambiente estudantil das Caldas da Rainha, onde fizera o curso
secundário, por acção da mão férrea do pai, não tivera ainda oportunidade de sentir
a ilusão arrebatadora de uma paixão.
Fora
uma única vez a uma discoteca, e isso acontecera, apenas, durante uma matinée,
pois no imaginário do seu granítico pai, filha dele, enquanto solteira, não
haveria de conhecer as misérias que aconteciam pela calada da noite, naquelas
casas de «sanfonas aos berros», nome pelo qual ele delicadamente se referia ás discotecas. A sua
filha não haveria de ser uma galdéria, como tantas e tantas que se viam pelas
Caldas.
Escusado
è dizer que esta recém chegada novata, de nome Elisa Maria Feiteira Nobre, no
Casal Velho nascida, com o seu longo cabelo preto, misteriosos olhos verdes,
lábios carnudos e profundamente delineados, pele morena e sedosa, voz forte e
sensual, formas impressionantemente esculturais, era uma potencial candidata à
prática de inúmeros devaneios. Quantas loucuras de juventude não existiam
recalcadas, naquele peito em ebulição?! Quantas possibilidades não se abriam no
seu actual horizonte. Aveiro seria o local onde iria pôr em dia todas as contas
atrasadas com a vida. Um ano em Aveiro também tinha trezentos e sessenta e
cinco dias. Era muito dia! Fazendo uma boa gestão do tempo, haveria de
conseguir conciliar com êxito os estudos e os prazeres da vida. Os cento e
setenta quilómetros que a separavam do pai, bárbaro lavrador, garantiam-lhe uma
perfeita segurança, para à vontade pôr em prática aquela conjugação de
esforços.
As
discotecas «Flashback» e «Winners» aliciavam-na loucamente. Corria para as
praias da Barra e da Costa Nova, como se do Casal Velho, de onde vinha, o mar
estivesse a muitos quilómetros de distância.
Elisa
idolatrava Aveiro. No final dos dois primeiros meses de vivência em liberdade,
já não sabia a que havia de dar mais valor: se à futura formatura, se à actual
liberdade que magnificamente lhe penetrava cada poro da sua pele.
Como
seria fabuloso que, por um qualquer efeito especial do destino, numa noite
daquelas, por um canal da ria, deslizasse uma gôndola veneziana, transportando
o seu príncipe encantado, que apaixonadamente a observava...(em continuação, pág. 76, ex. XXV)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003
2 comentários:
Passei por cá para lhe desejar um 2014 cheio de coisas boas :)
Um abraço!!
Olá Paula
feliz por a ver por aqui. Para si também um 2014 recheado de muito sucesso e saúde, e sempre, sempre muitas e óptimas leituras.
Muito obrigado.
Um grande abraço.
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