...O alferes
Mendes encontrava-se na messe de oficiais. Tinha por companhia o sabor fresco
de algumas ansiadas cervejas. Eram na verdade boas amigas. Em qualquer altura
faziam companhia, tinham o condão de adormecer as mágoas e os maus pensamentos,
e... não faziam perguntas nem exigiam respostas. Repentinamente o alferes
Mendes ouviu um grito horrível, carregado de amargura, que viera da parada.
Abandonando as garrafas de cerveja já vazias, correu para a porta da messe. A
alguns metros, enquanto os cinquenta turras e os soldados que os guardavam
observavam atónitos, um dos da companhia rebolava-se no chão, impregnando-se de
poeira. O alferes Mendes deu uma corrida.
-
Quem é?- perguntou a um dos soldados que montava
guarda aos guerrilheiros angolanos.
-
É o alferes Santa Cruz, meu alferes- respondeu o jovem
soldado.
-
O Santa Cruz?- e o alferes Mendes correu em direcção a
Álvaro- Álvaro, que se passa?- perguntava o alferes Mendes enquanto tentava
segurar o amigo, que como louco se contorcia no chão.
O alferes Santa Cruz tinha um
pronunciado golpe no rosto. O sangue que jorrava, misturando-se com o pó, o
suor e as lágrimas, formava uma pasta entristecedora, uma máscara de tenebroso
sofrimento. Vieram em seu auxílio um dos enfermeiros da companhia e o próprio
comandante.
-
Alferes Mendes, ajude o enfermeiro a dar uma injecção
ao alferes Santa Cruz- dizia o capitão Rebelo.
-
Sim meu capitão- respondeu o alferes Mendes que se
encontrava acocorado junto a Álvaro, na companhia do enfermeiro- mas o que foi
que se passou? O que é que o pôs assim?
-
Tive de lhe dar a notícia da morte da namorada. Parece
que foi assassinada.
-
Assassinada?... porra, que coice. Pobre diabo, não
admira que esteja neste estado. Vivia na alegria de escrever cartas à rapariga
e na ânsia de receber cartas dela. Deve estar destroçado.
-
Completamente alferes Mendes, completamente. Para ele
acabou a guerra. Depois de ver esta reacção, não corro o risco de o colocar em
combate. Poderá ter perdido capacidades de comando e porventura tornar-se num
sanguinário.
-
Como meu capitão?
-
Não se admire alferes Mendes. Com muita facilidade
poderá culpar a guerra de o ter retido aqui em Angola, e assim, não lhe ter
dado oportunidade de proteger a pobre rapariga. E a guerra existe porque existe
o povo angolano, que luta contra a ocupação portuguesa. Logo, ele poderá sentir
que o povo angolano lhe manietou os movimentos. Logo, mais do que nunca, o povo
angolano poder-se-á ter tornado aos olhos dele como seu inimigo, a título muito
pessoal. E um guerrilheiro destroçado pela dor pode-se transformar numa arma
mortífera e nada esclarecida. Ele poderá ver nas populações de Angola o
assassino da namorada, e corre-se o risco de ele fazer a sua própria guerra,
com a agravante de ter um pelotão sob o seu comando. Não vou facilitar...(pág. 100, ex. XXXIV)
in Visitados
Novembro/1999
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