...Obrigado
senhor Bento. Compreendi-o perfeitamente. Onde posso encontrar então o senhor
padre José Soares?
- A esta
hora, na capela de Santo Amaro, aquela ali ao fundo que se vê daqui - indicou o
taberneiro, apontando para o fundo da estrada que levava aos Casais do Norte.
- Mais uma
vez obrigado - disse Américo, dirigindo-se para o automóvel. Foi interrompido
pelo chamamento do taberneiro.
- Senhor
doutor, Deus o abençoe!
Américo respondeu com um leve sorriso.
Entrou no automóvel e fez inversão de marcha, deslocando-se de seguida na
direcção da capelinha de Santo Amaro.
Seria de prever que os três rapazes e o
taberneiro ficassem a admirar aquela coisa estranha em movimento. Mas,
contrariamente, a novidade barulhenta fora relegada para segundo plano. A razão
pela qual aquele forasteiro ali se apresentava, falava mais alto. Perturbada a
memória colectiva, depressa esta resvalava para a recordação, o sofrimento. O
povo vivia, preferia não se lembrar, mas não esquecia.
O padre José Soares encontrava-se
ocupado com a elaboração de dois assentos de baptismo que tinham tido lugar,
havia poucos dias, na sua capelinha. Estava embrenhado naquela escrita, envolto
por um pequeno espaço que existia à direita do altar, de pequenas dimensões.
Era uma divisão pequenina, com uma escrivaninha simples, uma cadeira e algumas
prateleiras onde estavam em arquivo os nascimentos, os baptismos e os óbitos
que iam ocorrendo em Alfeizerão.
Começava o padre José Soares a prestar
mais atenção ás exigências do estômago do que propriamente aos pormenores
relevantes, de interesse para o baptizado em que trabalhava, quando ouviu um
som estranho que lhe parecia vir da entrada da capela. Pousou o aparo na
escrivaninha, tapou o pequeno boião onde se encontrava a tinta permanente, saiu
pela porta que dava directamente para o altar e atravessou a capelinha. Ao
despontar à porta viu uma coisa, daquelas coisas a que chamavam automóvel, e
junto àquela coisa um cavalheiro, um fidalgo, que tentava limpar vestígios de
lama nas calças finas.
- Já tinha
ouvido falar desta novidade do século, mas não tive oportunidade de ver
nenhuma, até a este momento - disse o padre José Soares com as mãos à frente do
abdómen, apertadas uma na outra.
- É mesmo
apenas uma questão de oportunidade senhor padre - respondeu Américo Afonso.
-
Efectivamente é. Para locais de maior urbanidade, o automóvel já não será uma
novidade assim tão grande. Agora para meios pequenos como é Alfeizerão, ainda é
um “Deus nos acuda” - disse o padre José Soares. Depois perguntou - o senhor
vem de longe?
- Venho do
Bombarral para falar sobre um assunto delicado, com a pessoa certa, que segundo
me informou o taberneiro, é o senhor padre mesmo. (em continuação, ex. LI)
in Quando Um Anjo Peca
Março/1998