...Na noite a
seguir a se ter evadido do templo, Masahemba encontrava-se deitado sobre a fofa
cama de erva, que rompia numa das margens do ribeiro, cujo caudal era formado
pela água que vinha directamente do tanque sagrado do templo de Amon-Rá.
Entretinha-se a observar as estrelas, que na sua solidão, lhe sorriam e lhe
contavam segredos, que só os ouvidos experimentados de um Sumo Sacerdote seriam
capazes de entender. De repente foi puxado à realidade, terminando assim aquele
tão elevado diálogo.
Masahemba sentira uma presença. E não
se enganara, pois junto a si encontrava-se o sifto que o trouxera do templo. E
mais uma vez, embora a escuridão fosse total, o sifto era perfeitamente
visível, através da aúrea que, no escuro, recortava a sua silhueta.
- Aqui estás tu
de novo, meu querido rapazinho- disse Masahemba erguendo-se da sua posição de
deitado.
- É
reconfortante voltar a ver-te, Masahemba. O deus supremo ficou radiante ao
saber que tu estavas em segurança.
- Sim, estou
bem, mas esfomeado.
- Eu sei! Por
isso te trago aqui pão e aves.
De
imediato o Sumo Sacerdote pegou na sacola que lhe era estendida. Abriu-a e
comeu com voracidade o pão e a carne de faisão e perdiz.
- Aqui, o tempo
tem-te sido bom conselheiro?- perguntou o sifto.
- Porque
perguntas?- questionava Masahemba com a boca cheia.
- Amon-Rá tem
curiosidade em saber se já arquitectaste algum plano para a tua sobrevivência.
- Vou-me manter
por aqui até o meu cabelo crescer. Quando deixar de ter a aparência de um Sumo
Sacerdote, misturo-me com a multidão e conto com a protecção do disfarce de
felas. Vai ser um disfarce cansativo, mas pelo menos preservo a minha
liberdade… e a vida. Nada mais me resta fazer.
- Amon-Rá não
pretende para ti uma sorte tão humilde como essa. Amon-Rá desconfia do silêncio
que vai pelo palácio real. A qualquer momento, alguma acção o faraó irá pôr em
movimento para te encontrar. O faraó berrou que nem um louco quando lhe foi
transmitido que tu não estavas no templo.
- Que fez o
faraó das outras duas sacerdotisas?
- Fê-las aias da
já rainha Nefertiti.
- Nefertiti já é
rainha do Egipto? Lembrar-se-á ela de mim?
- Isso pouco
importa Masahemba- respondeu o sifto- Nefertiti é rainha, rainha de um faraó
que te odeia. Por isso não acalentes esperanças de ela interceder por ti. A
rainha de cabelos da cor do fogo apenas quererá ser agradável e submissa ao seu
faraó. Amon-Rá já encontrou uma família que te vai acolher. Será assim mais
fácil para ti iniciares a tua inserção na sociedade dos homens. Trouxe-te um
saiote de felas. Mantém-te bem camuflado na densidade de toda esta abençoada
vegetação, que amanhã, ao pôr do sol, eu virei buscar-te e conduzir-te-ei a casa da tal família que te
irá receber. A bênção de Amon-Rá fica contigo.
E o sifto desapareceu numa veloz
corrida, chapinhando pelo ribeiro, em direcção ao Nilo.
Que sorte lhe estaria reservada? Haviam
já passado quinze dinastias de faraós e o Egipto prosperara na abençoada
sabedoria desses reis, bem como a harmonia que sempre existira entre esses
mesmos faraós e os deuses. Pois tinha de acontecer no tempo em que ele chegara
ao Egipto, surgir um faraó herético, para lhe dar cabo da vida. O que o Egipto
representara para ele sabia-o bem. Mas, dali para a frente, o que ele iria
representar para o Egipto, isso era uma incógnita… uma amargurada incógnita...(em continuação, pág. 59, ex. XXII)
in A Causa de MassiftonRá
Novembro/2005