quinta-feira, 27 de setembro de 2012

UM AGRADECIMENTO DE AMON-RÁ A UM MORTAL


Divino senhor, em que te posso servir?- disse um escravo do palácio, que alertado pelos gritos do faraó, acorreu em seu auxílio.
- Desaparece daqui imbecil, antes que eu próprio te corte a cabeça- respondeu o faraó ao solicito escravo.
     Horus se fora mas ainda ouvira as palavras gritadas do faraó. Levava o coração muito triste. Pela primeira vez, desde que Aton projectara o Egipto, de MassiftonRá saíra uma péssima decisão, que dava pelo nome de Amenhotep, o quarto.



     Em MassiftonRá os deuses estavam agitados. Horus relatara o desfecho do seu encontro com o faraó. A insubordinação de Amenhotep, o quarto, era imensamente constrangedora para Amon-Rá. O deus supremo estava com um grave problema em mãos e não sabia como lidar com ele. Perante a arrogância do faraó, Amon-Rá sentia-se impotente para o enfrentar.
     Os deuses manifestavam a sua vontade e o seu poder no aspecto espiritual dos homens, porque em relação aos assuntos terrenos, puramente materiais, de carácter mundano, que supremacia tinham eles? Como se obrigava o chefe do reino Egípcio a abdicar de uma mulher? Nefertiti, enquanto ser carnal, pertencia ao carácter mundano da questão. O faraó dera-lhe a escolher entre a vida solitária e simples do templo, e a sumptuosidade que determinava a condição de rainha. Ela escolhera ser rainha. A gravidade do problema não residia aí, mas antes na declarada falta de submissão por parte do faraó ao deus supremo. Nunca antes a supremacia incondicional de Amon-Rá tinha sido colocada em causa. Onde estava a força em Amon-Rá, que obrigaria o faraó a respeitar o deus supremo como a vontade mais poderosa de todo o Egipto? Simplesmente não existia, porque nunca houvera a necessidade em que essa força existisse. Amon-Rá era essencialmente a representação do bem no Egipto. O deus supremo não reprimia, apenas auxiliava; e existia um lado ainda mais sórdido na questão. Assim como o faraó demonstrava ter total poder sobre Nefertiti, também exercia esse poder sobre Masahemba, o Sumo Sacerdote de Amon-Rá. O deus supremo estava deveras preocupado.
- Masahemba está à mercê do faraó. Vocês digam algo, aconselhem-me no sentido de eu conseguir preservar a integridade física e moral do meu Sumo Sacerdote- dizia Amon-Rá, dirigindo-se aos restantes deuses.
- Divino mestre, apela à tua influência no seio dos homens, para que dêem abrigo ao teu Sumo Sacerdote- disse Ánubis, o deus chacal.
- O que queres dizer com isso?- Perguntou Amon-Rá.
- Retira-o do templo e esconde-o- exclamou Ánubis.
- E como é que eu faço isso?
- Lês nos espíritos dos que te são fiéis a possibilidade de te ajudarem neste momento crítico. Há-de existir alguém disponível para dar guarida a Masahemba.
- Sim, estou a seguir o teu raciocínio, Ánubis. Posso também utilizar os siftos para que me ajudem a encontrar essa pessoa. Posso ainda colocar os siftos a controlarem os movimentos do faraó, e a servirem de intercâmbio entre mim e os homens disponíveis a ajudarem-me.
- Mas isso tem de ser feito rapidamente- avisou a deusa Ísis- pressinto que no faraó está iminente uma atitude contra ti. Envia um sifto a avisar Masahemba. Ele que saia já do templo, mesmo sem ter para onde ir. Faça uso da sua capacidade natural de sobrevivência, herança legada pelo seu povo.
- E será viável a Masahemba, um mortal, a possibilidade de contactar directamente com um sifto?- perguntou Amon-Rá, dirigindo-se ao deus Áton.
- Até agora tal contacto nunca se fez- respondeu o deus ancião- mas perante esta inusitada situação, há lugar a abrir-se uma excepção, levando em conta que o mortal em questão é teu Sumo Sacerdote.
- Pois que assim se faça. De modo nenhum Masahemba deverá sofrer por causa deste problema.
- Tens uma afeição muito grande por esse rapaz, não tens?- perguntou Áton.
- Sim. O pai dele, um nobre de um reino do sul, veio um dia visitar o Egipto. Ao deparar-se com uma estátua eregida em minha honra, ficou-me fiel para sempre. Bom alimento recebi da parte daquele homem. A sua fé em mim era tal, que acabou por trocar a sua terra pelo Egipto, só para poder estar mais próximo de mim. Foi morto pela sua gente, que não lhe perdoaram o facto de se ter tornado meu seguidor. Por força moral, tenho a obrigação de preservar a sua mais ditosa obra, o seu filho Masahemba. Mas não percamos mais tempo- disse Amon-Rá, depois desta pequena explicação dada como resposta à observação de Aton- que um sifto se desloque imediatamente ao meu templo de Tebas e avise Masahemba do perigo que corre...(em continuação, pág. 40, ex. XIII)

in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ

Novembro/2005

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

PETRÓLEO- UMA HISTÓRIA DE TERROR



Acabei de ler o romance de José Rodrigues dos Santos- «O Sétimo Selo». Inquietante e perturbador!
Levando em conta a pessoa que é o autor na sociedade portuguesa, exigindo-se-lhe, por isso, responsabilidade; levando em conta as fontes que inúmera; levando em conta, por fim, a sua chamada de atenção para o facto de que, a informação fornecida, é baseada em fontes científicas fidedignas, o romance é inquietante e perturbador.
Sem querer revelar a trama do romance, que não seria simpático da minha parte para todos os que, porventura, se encontrem interessados em o ler, sempre direi que a humanidade, caso não seja encontrada uma solução para novas energias que mantenham a vida económica tal como nós, homens do século XXI, a concebemos, poder-se-á confrontar com o limiar não só da insustentabilidade, como da própria sobrevivência.
É que a dependência total do petróleo está a provocar o aquecimento global, que, em muito poucas décadas, pode levar á eclosão de um cataclismo tal, que poderá colocar em risco a sobrevivência da espécie humana; por análise do ar retido nas camadas inferiores do gelo do ártico ( gelo esse referente a duzentos e cinquenta milhões de anos atrás, em que por um cataclismo semelhante se extinguiu 90% da vida na terra), se verifica que os níveis de dióxido de carbono se encontravam então pouco acima dos níveis actuais.
Por outro lado, o petróleo está a acabar. Certamente que resolveria o problema anterior (muito embora o processo não fosse assim tão simples), mas poderá vir a criar um outro problema gravíssimo- o aniquilamento da economia- o colapso social.
Para um leitor minimamente consciente, é, no mínimo, um livro preocupante.
Façamos votos para que os cientistas, como é aventado pelo autor, possam, rapidamente, e este rapidamente não poderá ser superior a um período de vinte anos,  encontrar uma solução para as necessidades energéticas do planeta.
Uma verdadeira história de terror!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O ACTO INICIÁTICO



Assisti, pela televisão, a esta massiva manifestação, que no passado Sábado 15 de Setembro de 2012 aconteceu um pouco por todo o país. Este acto teve uma particularidade extremamente importante, que me trouxe um ténue, mas iniciático aroma aos dias do nosso 25 de Abril: o facto de a sua organização ter tido por base a espontaneidade do povo, sem qualquer intervenção de forças políticas ou mesmo sindicais. Um acto iniciático, como disse, a germinação de um sentimento de revolta.
Não tenho qualquer formação na área económica e política. Os meus dias são vividos embrenhado na minha pacata e simples vida. Por isso, como cidadão comum, não tenho números para apresentar, nem experiências palacianas para relatar. Mas observo…e ouço. E quando um país inteiro fala, quando ao longe se vê uma coluna de fumo, é porque nalgum sítio há fogo.
No nosso Portugal, quantos não foram os casos que se comentaram de muitos milhões, vindos da CEE e UE, para serem aplicados na agricultura, na formação profissional, etc…, e foram essas aplicações transformadas em grandes moradias e jipes, sem que houvesse o mínimo de preocupação por parte do governo em fiscalizar a aplicação desses fundos. Alguns, sempre os mesmos, ganharam, para o país perder.
Agora que todos esse desvarios começaram, infelizmente, a fazer efeito, começam a surgir múltiplas informações de grandes escândalos. Eu não fazia ideia de que as fundações existentes neste país, muitas de uma inutilidade atroz, eram assim em tão grande número, e sorviam aquelas quantidades gigantescas de dinheiro.
Com o facebook muita coisa está a vir a público, o que semeia em cada um de nós uma migalha de revolta. Há dias li que uma fundação, que era completamente denunciada, cujo nome não memorizei, existia para pagar favores a alguns, em grandes jantares, e bodas de casamentos. Há dias li uma outra publicação no face, que denunciava os ordenados de 29 assessores do governo, com idades compreendidas entre os 25 e os 29 anos, cujo ordenado variava entre os 3500€ e os 5100€. E por esse país quantos grupos daqueles 29 não existirão, dissimuladamente encaixados em empresas e similares? Como é possível que rapazes e raparigas tão novos tenham já cargos desta dimensão? Lembrei-me dos muitos e muitos milhares de outros jovens, que por esse país vivem, com licenciaturas iguais ás daqueles 29, que se encontram no desemprego ou na precaridade.
O governo emagreceu a despesa retirando-me o meu tão bem aventurado subsídio de férias e de natal; emagreceu a despesa ao retirar financiamento á justiça, á saúde, á segurança, ao ensino. Mas não mexeu no imenso dinheiro que gasta na máquina do Estado. Os funcionários públicos sabem muito bem que continua a não haver qualquer poupança, no que diz respeito a todos os ofensivos direitos das cúpulas, nos respectivos serviços, porque para o mexilhão, logo ao primeiro sinal de alarme, todos os sinos tocaram a rebate no sentido de escancarar a porta á austeridade.
Não tenho jeito nenhum para falar de coisas de política. Mas a revolta que se vai instalando começa a querer romper a pele.
Os dinheiros públicos desbaratados, a desavergonhice que se instalou levou a esta penúria. Penúria, minha, e dos meus semelhantes, porque existe uma outra sociedade, que como eu canta a portuguesa, mas é uma portuguesa bem mais generosa do que a minha.
Democratizemos a honestidade.
Que venha um tempo, e depressa em que, verdadeiramente, e não demagogicamente, o povo unido jamais será vencido!

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

UM AVISO DE HÓRUS

...O palácio do faraó estava mergulhado na semi-obscuridade. O sol há muito que se pusera. Em vários pontos do palácio ardiam archotes, que transmitiam a pouca luz com que o enorme palácio era iluminado. Amenhotep, o quarto, andava embrenhado com os preparativos da coroação da sua rainha. Enquanto o não fosse, Nefertiti dormiria num quarto bem afastado do dele. O faraó escolhera algumas aias, filhas de altos funcionários do reino, vizires e hatiuás, para iniciarem Nefertiti na sua futura condição de rainha, ensinando-lhe os preceitos básicos da realeza. O palácio ficara inundado por esbeltas ninfas, que enchiam o palácio real de gargalhadas doces, bem femininas, transmitindo ao faraó um enorme sentimento de volúpia. E fora com esse sentimento que o faraó se lançara para a sua cama, ouvindo, ao longe, as aias que brincavam entre si, rindo… preenchendo a sua bela Nefertiti de sentimentos superiores, preparando-a para a coroa. Lá fora o povo cantarolava, os burros zurravam, o Nilo corria belo, as brisas do deserto passavam quentes, o Egipto acontecia…e a sua futura rainha ali estava, tão perto dele, pronta a fazê-lo feliz, a ajudá-lo a tornar-se um faraó resplandecente, poderoso, dono de tudo e de todos, do povo, do Nilo, do deserto, das pirâmides, da história… dos deuses!

Sim, claro, lá havia alguém mais poderoso no Egipto do que o faraó? Amon-Rá?! Balelas!! Ia encerrar o templo de Amon em Tebas! E o que faria com o Sumo-Sacerdote estrangeiro? E se fizesse dele um escravo!? Considerava ser uma boa opção!

E estendido na sua cama, com as mãos cruzadas por debaixo da cabeça, sentindo a brisa quente do deserto que entrava pela janela do seu quarto, o faraó sorria.

- Achas que tens motivos para sorrir?

Ao ouvir a voz que fizera tal pergunta, o faraó estremeceu de susto. Um archote existente ao fundo do quarto dava pouca luminosidade. Por essa razão o faraó saltou da cama e procurou a sua adaga. Foi então que viu uma figura tomar forma mesmo ao fundo da sua cama. Era o deus Horus, que o fitava com o seu olhar penetrante de falcão.

- Deus Horus… que susto me pregaste; mas a tua presença consola-me.

- Estás satisfeito por me veres?- perguntou Horus.

- Bastante! É bom termos na nossa presença o nosso protector- respondeu o faraó.

- Pouca protecção Horus pode dar ao faraó, se o faraó não se souber proteger a si próprio- retorquiu o deu Horus, dando ás palavras uma entoação de impotência.

- O que queres dizer com isso?- perguntou intrigado o faraó.

- Sabes Amenhotep, o quarto, na verdade a minha função é dar protecção espiritual e intelectual aos faraós, a ti. É o que estou a tentar fazer neste momento. Mas tens de ter algo bem presente: eu devo lealdade ao deus supremo Amon-Rá. Não posso pois proteger quem lhe não tem o devido respeito.

- Estás a insinuar que eu faltei ao respeito a Amon-Rá?

- Nefertiti, a sacerdotisa, vive no teu palácio?- Perguntou Horus.

- Sim, vive- respondeu o faraó secamente.

- Então eu não insinuo, eu afirmo que tu faltaste ao respeito a Amon-Rá.

- Como pode Amon-Rá dar-se ao direito de se sentir ofendido por eu lhe ter subtraído uma sacerdotisa, quando ele escolheu para seu Sumo-Sacerdote um estrangeiro!?

- Atenção Amenhotep, o quarto, pondera melhor o que dizes. Tu não estás a falar de um mortal, tu estás a questionar a conduta do deus supremo do Egipto- disse Horus em tom de desagrado.

- Tu estás equivocado, Horus. O deus supremo do Egipto sou eu.

- Cala-te desgraçado- disse Horus rispidamente- Amon-Rá é a continuação do grande criador da terra egípcia, Aton. Ao lado de Amon-Rá tu mais não és do que um grão de poeira.

- Horus, estou a ver que és muito mau diplomata. Se vieste aqui com o propósito de me convenceres a devolver Nefertiti, só fizeste disparates.

- Assim que me acerquei do teu palácio, pressenti nos fluidos que emanas o fracasso da minha missão; mas tinha de te olhar nos olhos. Não tens perfil algum para faraó. Em ti apenas existe prepotência e arrogância. Mas se pensas que vais conseguir reinar sem a protecção de Amon-Rá, sem o apoio de MassiftonRá, prepara-te para seres o faraó dos gafanhotos do deserto, porque a terra egípcia te renegará.

- Vai-te Horus, rosto de falcão- berrava o faraó- eu sou descendente de uma alta linhagem, do mais puro e valioso que o Egipto jamais viu. Nas minhas veias corre o sangue que deu vida ás imponentes pirâmides…

- Amenhotep, o quarto, tu não passas de um momento de criação dos deuses; apenas és um sopro da sua vontade- disse Horus, ao mesmo tempo que esticou em frente, com rapidez, os seus braços musculados, originando uma onda de choque, que propagando-se pelo ar, bateu em cheio no peito do faraó, fazendo com que este fosse violentamente arremessado ao chão- vês como eu te domino tão facilmente- disse Horus, desaparecendo.

- Nefertiti será rainha no Egipto, anuncia-o a Amon-Rá; e diz-lhe também que o Sumo- Sacerdote estrangeiro vai ser meu escravo pessoal. Faço questão disso… e Amon-Rá que o impeça se for capaz. Eu sou deus na terra. Eu sou o Egipto- gritava o faraó, enquanto se levantava, humilhado...(em continuação, pág 37, ex. XII).

in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ
Novembro/2005

sábado, 8 de setembro de 2012

PORTUGAL, BRASIL E ESPANHA NO PETISCO


Bem no coração de Aveiro, na Praça 14 de Julho, encontra-se a Petisqueira Portuguesa, que perante o seu actual aspecto direccionado ao turismo, poderá esconder as suas verdadeiras raízes, ou seja- uma petisqueira portuguesa. É que em tempos que já lá vão, até há cerca de uma dúzia de anos, esta era uma tradicional taberna, com os seus pipos em madeira e todo o tipo de petisco que qualquer português que se prese aprecia, tais como jaquinzinhos (carapaus fritos), petingas (sardinhas pequenas fritas), pipis (miúdos de frango), iscas, sandes de presunto, salada de polvo, enguias fritas...eu sei lá. E tudo isto acompanhado com o belo penalty (copo de vinho tinto).
Hoje em dia os petiscos continuam a ser servidos, só que de uma forma menos popular (não sei se não terão perdido alguma graça), e ao som do fado, oferecido por uma discoteca que existe a poucos metros da petisqueira. E por cima da petisqueira, Portugal, Brasil e Espanha, como se pode constatar na fotografia, num ambiente académico, convivem alegremente, e basta descerem ao rés-do-chão para, no petisco e de volta de uns canecos, fortalecerem essa sã e linda amizade!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

EM AVEIRO- VERA CRUZ, A CASA DO CAFÉ


Como já referi algumas vezes, considero que a sociedade portuguesa se está a tornar avessa ao que é tradicional. O moderno é que é evolução, o antigo é marasmo, é decadência, dizem muitos milhares, se calhar milhões, demasiados para a saúde identificativa de um povo, na minha concepção, obviamente.
Antigamente, antes dos primeiros supermercados, os agregados familiares aviavam-se nas mercearias, onde compravam toda uma panóplia de produtos que lhes serviriam para o seu alimento, desde a massa, ao azeite, ao bacalhau, ás bolachas (vendidas avulso, saídas de grandes caixas de lata, envolvidas em papel finíssimo, tornavam-se muito mais saborosas) até ao café. Entretanto, as mercearias foram caindo em desuso, desaparecendo, acabando por se tornarem lugares quase de culto, para os que se preocupam com estas coisas, e aí mudaram de nome. Hoje em dia chamam-se «comércio tradicional». Lá está- se é tradicional é para deitar abaixo.
Em Aveiro, bem no coração da cidade, na parte mais antiga, onde outrora foi a Vila Nova, fora da muralha, mais propriamente na Praça 14 de Julho, hoje toda ela virada para o turismo, existe uma «saborosa» loja de comércio tradicional, que resiste a essa onda de anti-tradicionalismos. Nela se vende de tudo um pouco, desde sementes para a horta até produtos para a barba. Mas o que realmente a torna diferente, e um caso de sucesso, é o café, que o seu proprietário, o senhor Frutuoso Seabra de Almeida, ali mói na hora.
Tem um balcão com cinco moinhos, que segundo me informou, é dos últimos em Portugal, senão mesmo o único balcão assim. Demorou 12 anos a conseguir a aquisição daqueles moinhos e a sua reparação. Todos funcionam e trabalham diariamente. A casa é belíssima. Ainda me lembro da impressão que suscitou em mim, da primeira vez que nela entrei- parecia que eu estava a entrar num postal de natal, tal o conforto que senti e continuo a sentir.
Se eu fosse um agente de viagens, indicaria aos meus clientes que, em visitando Aveiro, um local obrigatório a conhecer teria de ser esta loja- a casa do café Vera Cruz, porque merece uma visita.
Parabéns ao senhor Frutuoso e um bom negócio. É que se assim for, temos garantida a sua existência.
Claro que nesta publicação há algo impossível de transmitir, algo que se apreende apenas em lá estando- o magnífico aroma! 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RECORDAR UM MOMENTO ESPIRITUAL


...-         Por falar em Deus, quero-te também contar algumas coisas- disse Serôdio sorrindo.
-         E que coisas são essas?- perguntou a mãe bastante curiosa.
-         Eu estive em coma. Para o exterior foi como se tivesse estado num longo e profundo sono. Mas no interior, eu estive bem acordado.
-         Estiveste... acordado...?! Não te percebo!
-         È difícil de perceber e difícil de explicar. Por muitas vezes, lembro-me de ver o meu corpo num plano inferior ao meu campo de visão, no quarto do hospital. Algumas vezes abracei-te quando tu estavas junto ao meu corpo, mas tu não deste por mim.
-         Ai Serôdio... credo... até me estou a arrepiar.
-         Mas è a verdade mãe. Nessa altura, eu sei que estive muito perto da morte. Lembro-me também que estive constantemente acompanhado por uma bela senhora vestida de branco, que me falou de muitas coisas. Acho que vi cenas da minha vida, quando eu era pequeno e também cenas de outras vidas que eu já tive.
-         Serôdio, isso è conversa de maluco.
-         Não è mãe. Durante este período, eu aprendi muitas coisas sobre nós e o nosso espirito.
-         Credo, Nossa Senhora- disse D. Amélia benzendo-se.
-         Quando eu estiver melhor, vou procurar literatura sobre o espiritismo, para aprofundar o que me foi dado saber.
-         Tu acreditas mesmo nisso filho?
-         Mãe, eu andei por muito lado. Tenho a certeza de que muitas coisas que vi e ouvi me não deixam recordá-las.
-         Mas quem?
-         Deus, quem havia de ser!
-         Deus? Serôdio, não chames Deus para esses assuntos de... de...
-         Prefiro que o não digas. Senti Deus de uma forma tão intensa. Sei também que me disseram qualquer coisa relacionada com a D. Silvina, mas não me consigo lembrar o quê, por enquanto.
-         Com a D. Silvina? Eu ouvi tu proferires esse nome quando estavas a recuperar do coma.
-         A sério mãe? Então è verdade.
-         Que coisas tão estranhas tu me disseste agora, Serôdio.
-         Sabes mãe, no meu estado de coma o corpo foi desligado. O meu espirito quase que obteve liberdade completa para viajar por onde quis. Mas podes crer, a morte não è tão má como a pintam.
-         Serôdio, a morte è o fim. Não há nada pior do que isso.
-         Mas a morte não è o fim, pelo menos o fim do nosso espirito. Aí termina a vida do corpo, disso não há dúvidas. Mas è no momento em que o corpo morre, que o espirito se liberta e cada um de nós volta a assumir a sua verdadeira identidade. Todos nós sabemos disso, só que não nos lembramos.
-         Mas tu lembraste!!- disse a mãe com perplexidade.
-         Eu lembro-me, porque estive do lado de lá e regressei de novo, não num outro corpo, mas naquele que era meu nesta vida. Fui e regressei continuando a ser o Serôdio Velasques. Se tivesse na verdade morrido e daqui a não sei quantos anos tivesse regressado, reencarnado numa outra pessoa, não me lembraria de que um dia o meu espirito reencarnara um corpo, cujo nome fora Serôdio Velasques. Percebes?
-         Não filho, não percebo e nem quero perceber. Estou mais preocupada com a tua alimentação. Come o teu lanche- disse a mãe de Serôdio, cujo semblante demonstrava preocupação.
-         Porquê essa cara mãe?- perguntou Serôdio abraçando-se à mãe.
-         Sempre foste um rapaz ponderado. Eu tinha tanto orgulho em ti! Adorava ouvir-te conversar. Agora, depois de teres sido espancado, dizes-me coisas sem pés nem cabeça. Não posso ficar com uma cara muito feliz.
-         Minha querida mãe, eu não te quero ver triste. Podes ter a certeza de que o teu filho não sofre de nenhuma demência. Prometo nunca mais te falar nisto.
-         Mas vais pensar nessas coisas...
-         Mãe, não è à toa que eu estou vivo. Agradeço a Deus o facto de me ter dado a oportunidade de te continuar a abraçar, a ti e ao pai. Mas vejo a vida agora por uma outra perspectiva. Tudo nesta vida tem razão de ser. Há sempre um porquê e um para quê. Te garanto que não estou doido, mas só o tempo te demonstrará se a minha maneira de estar na vida revela ou não algum sintoma de alienação. Obrigado minha mãe pela tua preocupação.
-         Não faço nada demais filho, nada demais- dizia a senhora, abraçada ao filho, com os olhos marejados de lágrimas...(em continuação, pág. 62, ex. XIX)
in FILHOS POBRES DA REVOLTA
Março/2003