sábado, 28 de junho de 2008

FORAM PRECISOS 35 ANOS


Esta semana, na sala de espera de um consultório médico, enquanto aguardava a minha vez de ser consultado, folheava uma revista. A dado passo vi a fotografia do senhor La Féria. E no texto que existia por baixo, os meus olhos descobriram a expressão «Jesus Cristo Superstar». Fixei-me no artigo e comecei a lê-lo. Depressa percebi que era uma crítica, e severa, ao trabalho do que julgo ser o melhor encenador da nossa praça, embora a praça não seja muito grande, no musical com aquele nome.
Eu nunca vi o musical, por isso não me posso pronunciar. Mas isso, para o caso, é o que menos interessa. É que o autor do artigo, decerto o crítico de serviço, o senhor João Pereira Coutinho, num determinado ponto da avalanche imparável, escreve que Jesus Cristo Superstar, no original é «IMPRESTÁVEL». Eu fiquei, por momentos, paralisado.
Eu tive a felicidade de assistir, em Coimbra, à estreia da ópera rock Jesus Christ Superstar, em 1973.
No final do tal artigo, estava impressa a fotografia do autor. Posso por isso dizer, e não erro muito se o disser, que o senhor João Pereira Coutinho não terá mais de trinta e cinco anos de idade, como tal, muito provavelmente, nasceu no ano em que Jesus Christ Superstar estreou. É necessário ter-se vivido, conscientemente, naquela época, para se lhe entender a essência. E a essência foi, fundamentalmente, a inovação, como que um Renascimento no pensamento e em tudo quanto era arte. Por essa razão, vemos no filme, os habitantes da Judeia de jeans vestidos, os soldados romanos armados com metralhadoras, Pilatos vivendo auspiciosamente numas ruínas romanas, Herodes de forte cabeleira e óculos ás cores...enfim, deliciosos pormenores que só quem foi jovem, naquela época, consegue perceber. Até aí, tudo bem, compreendo a critica. Não compreendo, é quando passamos para a banda sonora. Ted Nelley, no papel de Jesus Cristo e o já falecido Carl Anderson, desempenhando a figura de Judas, são monumentos de representação e voz. O rock no seu máximo. Músicos excepcionais, musicas que criaram arrepios, conjugadas com as interpretações do Ted e do Carl, para já não falar de todos os outros, criaram uma obra sublime. Fiquei apaixonado pela ópera rock Jesus Christ Superstar, desde o primeiro momento. A tal ponto, que revejo o filme duas ou três vezes por ano. E a emoção toca-me sempre.
Acho que se os pais do senhor João Pereira Coutinho souberem que ele escreveu que a ópera rock Jesus Christ Superstar é imprestável, dão-lhe um puxão de orelhas. E é bem merecido.
Foram precisos 35 anos para que eu tomasse conhecimento de que alguém considera essa obra prima uma coisa sem qualquer valor.
Evidentemente que cada macaco no seu galho. Será o galho deste senhor a musica?

Poeta do Penedo

quarta-feira, 25 de junho de 2008

NÃO ME DESPEDI DE COIMBRA


Em Coimbra, o chão que me viu nascer em 1956, desloco-me a todo o lado sem problemas, se o fizer a pé. Agora de carro...depressa me perco. Deixei de viver em Coimbra em Agosto de 1974. Felizmente, a vida permitiu-me que fosse na minha terra que eu houvesse de viver o 25 de Abril. Dia maravilhoso! Mas é um tema para uma outra altura. De momento apenas quero apresentar a minha Coimbra.
Essa cidade de sonho compõe-se pela minha escola primária do Arco de Almedina, que me lembro dela como se de lá tivesse vindo há bocado; pelos finados, andar inserido em grupos de cachopos, pela Conchada, Rua Frei Tomé de Jesus, Nicolau de Chanterene, eu sei lá, a pedir «Bolinhos e Bolinhós». Infelizmente uma tradição que Coimbra perdeu. Iamos de porta a em porta, com uma abóbora oca, à qual fora criada uma aparência de caveira, com os buracos a fazerem de órbitas, e uma fenda mais abaixo, com recortes, que simbolizava os dentes da caveira. E dentro uma vela acesa, que iluminava todo o interior da abóbora, que de noite dava um aspecto um tanto ou quanto tétrico. E era isso que se pretendia. E eram imensos os grupos de garotos, que deambulavam por toda a cidade de Coimbra, a pedir «a esmolinha». Mas não era pedida de qualquer maneira. Tinha uma canção própria, cuja melodia, evidentemente, não consigo reproduzir, mas a letra era a seguinte: «bolinhos e bolinhós, para mim e para nós, para dar aos finados, que estão mortos e enterrados, à vera vera cruz, para sempre amen Jesus trus trus, a senhora que está lá dentro, assentada num banquinho, faz favor de cá vir fora, p'ra nos dar um tostãozinho». Aguardávamos. Se a porta era aberta e nos davam qualquer coisa, agradecíamos com o seguinte Cântico:«esta casa cheira a broa, aqui mora gente boa, esta casa cheira a vinho, aqui mora algum anjinho». Se a porta não era aberta e nada recebíamos, retribuíamos da seguinte maneira: «esta casa cheira a alho, aqui mora algum bandalho». E íamos embora, seguindo para outro local.
E quando foi o campeonato mundial de futebol de 1966...o café Apolo, na Conchada, abarrotava de gente. E ao intervalo, nós perdíamos com a Coreia por 0-3. Na segunda parte marcámos 5 golos e ganhámos o jogo por 5-3. Grande Eusébio. O dono do Apolo andou numa fona, a vender cerveja, tremoços e amendoins. Tinha eu dez anos.
E os grandes campeonatos de bueiro a bueiro que fazíamos, na rua, com bolas pequeninas, fintas momentaneamente sustidas pela passagem de um carro; Eram estes os nossos computadores de então.
Coimbra é também formada pelo Liceu D. João III e as maravilhosas pevides do Pianinho; é formada pela professora de Português, senhora D. Lucinda Gomes, famosa em todo o liceu, pelo seu «simpático» reitor- O Pulga, o professor de desenho Jagodes ou «O Certinho», o professor de Canto Coral «Porque Burreais», o impressionante professor de ciências «Tatão», e como não poderia deixar de ser, aquela maravilhosa professora de uma aula de substituição, na minha célebre turma, «A Mofina Mendes», e o inimitável humorista, professor de moral, o padre Urbano Duarte. A praxe académica, em Coimbra, era uma questão séria e para ser cumprida na íntegra. E fazia-se sentir desde o 1ºano do liceu. O «abaixa-bicho» constituía-se pela submissão do aluno mais novo ao aluno mais velho, e quanto maior fosse a diferença entre o mais novo novo e o mais velho, o mais novo teria de se baixar 30º, 50º, 100º, 160º, que era a humilhação maior, porque aos pés do aluno mais velho, o mais novo era obrigado a deitar-se completamente no chão. E isto acontecia sempre que um aluno mais velho acha-se necessário mostrar a sua supremacia sobre o mais novo. Era complicado. E embora eu não tenha sido submetido ás praxes universitárias, sei que eram duríssimas. Mas todos tínhamos orgulho nelas, porque eram só nossas, só de Coimbra.
Na minha Coimbra, descem-se os Loios, caminho íngreme e de terra batida, muito vermelha, que me leva ao Liceu feminino D. Maria, que a todos nos atrai de forma irresistível. Do D. João III ao D. Maria é uma rápida pelos Loios. O regresso é que é o caraças, que a subida é difícil. Mas como nos divertiamos a assusta-las, elas, as do D. Maria, no carnaval, com as bichas e as bombinhas. Eram tão frágeis, tão dóceis, dando aqueles gritinhos sensuais, que nos punham o coração aos saltos. Excepto aquela bruta do chicote, que nos surpreendeu com aquela coisa horrível, comprida e dura, a cortar o ar, estalando de forma a pôr-nos em debandada.
Mas já mais crescidote, mantendo-me no D. João III e elas no D. Maria, os Loios deixaram de me fascinar. Foram substituídos pelos bailes particulares. Se nos negavam o contacto durante a semana, aos Sábados e Domingos eram impotentes para nos parar. E tudo quanto era garagem...e por vezes quartos (só para os muito especiais. Fui especial uma vez ou duas), se enchia de nós e elas, ao som dos gira-discos (na época tecnologia de ponta), de onde se soltavam as vozes de Demis Roussos- When I'm a Kid, My Friend the Wind- Pink Floyd, Neil Diamond, Janis Joplin, Santana, Leo Sayer...malditas segundas-feiras que nos roubavam este paraíso.
O eléctrico, o 4, que se apanhava na Portagem, que passava pela Conchada e ia para Celas.
As piscinas que fiz, na Sofia e na Visconde da Luz. Nadavamos enquanto conversavamos, nós e elas, debatendo o amor, o amor livre, e toda a injustiça que sobre nós caía.
A loucura que foi no Gil Vicente, por altura da estreia de Jesus Christ Superstar.
A bola jogada na Sereia, no campo de Santa Cruz; o dequipamento da Académica que ainda lá enverguei. Mas o físico, então, não ajudava, e apenas fui jogador da Briosa durante um treino. Foi o quanto bastou para que no peito, por toda a vida que já vivi, e pelo resto que tenho de viver, no meu peito apenas haja, desportivamente, lugar para a Académica.
Se alguma vez me tivesse despedido de Coimbra, diria que, só quem dela se despediu é que pode conhecer o seu encanto na hora da despedida. Esse encanto não conheço, porque nunca me despedi de Coimbra, e embora lá não viva há 34 anos, não aceito que ninguém se sinta mais conimbricense do que eu.
Poeta do Penedo