segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

PARA VÓS, EM 2019


Amigos
Neste dia em que o mundo ocidental vê mais um ano terminar, o décimo oitavo deste século XXI, e dar início ao próximo, quero expressar os meus maiores desejos progressistas para o meu país. Assim:
1º- votos para que o abençoado governo democrático formado pelo PS, com o apoio  das forças de esquerda, PCP, BE e Verdes, se mantenha até às eleições legislativas de 2019, e se prolongue daí para a frente, continuando a ser capaz de fazer o bom trabalho económico que tem levado a efeito, muito embora eu saiba que há muitos cães a ladrar quando está a passar a caravana.
2º- votos para que Portugal consiga, definitivamente, encontrar a fórmula para pôr cobro a essa lastimável praga que têm sido os fogos florestais, e nesse sentido, eliminar de vez a presença, em lugares chave de combate aos incêndios, de sujeitos criminosamente incompetentes.
3º- votos para que todos os lesados dos incêndios de 2017, os verdadeiros lesados, vejam recuperadas as suas vidas, e para isso conta-se com o afinco do nosso meritório governo.
4º votos para que a nossa justiça atinja os níveis democraticamente eficazes e necessários, no sentido de fazer de Portugal um país onde não seja possível aos ladrões e parasitas de fato e gravata, de feições celestiais e profundamente honestas, contaminarem e infectarem o nosso tecido social.
5º- votos para que Portugal  se mantenha em moda e o nosso turismo seja cada vez mais original e criativo, mas de forma a deixar em paz aqueles que, vivendo em zonas turisticamente apelativas, tenham o direito às residências que fazem parte das suas vidas.
E por último, o meu profundo desejo para que a vida, em 2019, vos ofereça, além de saúde, a concretização dos vossos mais ansiados desejos.
Obrigado pela vossa companhia neste ano de 2018.
Um grande abraço deste vosso amigo
Poeta do Penedo


sábado, 22 de dezembro de 2018

A TRAIÇÃO DE PTAHKNOR AO DEUS CROCODILO SOBEK



...O deus supremo afastou-se então do local paradisíaco onde os deuses descansavam. Entrando na semi-obscuridade das águas do Nilo, enviou mentalmente um chamamento ao deus crocodilo Sobek, que momentos depois se apresentava perante Amon-Rá.
-         Chamaste-me, Amon-Rá?- perguntou o colossal crocodilo.
-         Sim Sobek, chamei. Sabes quem esteve aqui a fazer-me uma visita?
-         Não- respondeu Sobek, intrigado com a pergunta.
-         O deus Seth!- disse Amon-Rá, com aspereza na forma como pronunciou a resposta.
-         Seth? Seth esteve aqui?
-         É curioso Sobek! Como é que tu ainda não sabes que Seth esteve aqui? Não és tu o responsável pela vigilância e segurança de MassiftonRá?
-         Sou, Amon-Rá. Por isso mesmo estou desconcertado. Algo de muito fora do normal deve ter ocorrido para que eu não tivesse sido informado dessa presença.
-         Tens toda a razão, Sobek. Algo de muito anormal, algo chamado suborno aconteceu. Chama o teu Bhokurac Ptahknor e pergunta-lhe se ele não gostaria de ocupar o teu lugar.
-         Como? Ptahknor? Que me dizes Amon-Rá? Em MassiftonRá há ambição e traição?
-         Incorrecto Sobek- corrigiu Amon-Rá- às portas de MassiftonRá há ambição e traição, não em MassiftonRá.
-         Perdoa-me a incorrecção Amon-Rá. Eu sei que não tenho estatuto nem divindade para pertencer a MassiftonRá. Mas sinto-me feliz com o que sou. Se me permites, vou procurar Ptahknor e trago-to à tua presença.
-         Faz isso Sobek, que eu aguardo.
E o deus crocodilo partiu em busca do crocodilo Bhokurac Ptahknor. Ia furioso. A sua imensa cauda varria a água violentamente.
Passado um curto espaço de tempo, o deus crocodilo Sobek surgiu de novo, agora acompanhado pelo Bhokurac Ptahknor.
-         Aqui tens o crocodilo guardião em causa- disse Sobek.
-         Muito bem! Vou ser breve, pois a traição e a corrupção perturbam-me- disse Amon-Rá...(em continuação, ex. XXXIII)

in A Causa de MassiftonRá

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

DEVOLUÇÃO


Estou com quarenta e cinco anos de idade. Segundo a letra da canção do Paco Bandeira entrei na idade de uma ternura muito específica, que além de sentimento tem também experiência e sabedoria. E estou tentado a dar-lhe razão.
De facto a idade dos quarenta é um patamar cronológico de vida, que se pode considerar de excelência. Alia conhecimento a uma ainda enorme vitalidade. Que pode o ser humano querer mais?
Pois aí é que está a questão. No mundo que o homem foi moldando, conhecimento e vitalidade não chegam para se ser feliz! Talvez isso acontecesse naqueles tempos distantes, no fim da Era dos Neandertais e o começo do Homo Sapiens, em que a vida não conhecia a expressão «possuir bens».
Nessas épocas tão distantes de nós, há vinte e oito mil anos, a felicidade dos seres humanos de então residia em três coisas: ser um experimentado caçador, ter uma caverna onde se abrigar e ser muito bom a conseguir, com o atrito de duas pedras de sílex, uma boa faísca através da qual ser-lhe-ia possível fazer uma boa fogueira, para se aquecer e assar a carne da caça.
Mas o Homo Sapiens estava destinado, pelo criador disto tudo, a evoluir. Ao fazê-lo, esqueceu a felicidade daquela vida agreste, difícil, mas com a pureza do que é simples, e começou a complicar. E de complicação em complicação, atravessando a profundidade dos séculos, conseguiu complicar o que já de si foi ficando complicado: inventou o dinheiro!
A partir dessa invenção, ser saudável e ter experiência e conhecimento deixou de bastar para se ser feliz.
Os pobres, na tentativa de mitigarem o seu sofrimento, criaram a expressão: «dinheiro não é felicidade». Como eu gostaria que assim fosse!
Eu sei que há muita gente que, sendo rica, não é feliz. Falta-lhe a saúde. Mas perguntem a um miserável, cheio de saúde, se é feliz. Ele até pode tentar convencer-se de que o é, pois tendo uma vida para viver, tem de a concretizar da melhor maneira possível. Mas num mundo consumista e materialista, que vida pode ter aquele que não tem possibilidade de consumir, a quem está vedado o acesso aos bens materiais que o rodeiam?
Como eu gostaria que o Homo Sapiens actual inventasse agora uma forma de se ser feliz sem dinheiro.
Bem, mas se estou para aqui a divagar, é com um propósito. Quero revelar o conteúdo de uma carta fechada que a vida me abriu.
Chamo-me Mário Feliciano. Filho de gente pobre, não posso dizer que a minha vida, na adolescência e juventude, tenha sido um inferno, mas esteve muito longe de ter sido um paraíso.
Os meus pais, com muita dificuldade, me mantiveram a estudar até ao terceiro ano do Secundário, o que a lei obrigava. Com dezasseis anos de idade, vi o meu pai conseguir-me arranjar trabalho num enorme armazém de produtos agrícolas, onde ele próprio trabalhava, tendo-me ali mantido durante vinte e um anos, tempo este apenas interrompido por aquela meia dúzia de meses em que tive de ir cumprir o meu serviço militar obrigatório.
Trabalhava-se muito, e como já é hábito neste pobre país, ganhava-se pouco. Vida de pobre! A massa trabalhadora a dar tudo o que tem e o patronato, em troca, a dar à massa trabalhadora apenas o que a triste legislação obriga, revestindo-se de uma carapaça onde os escrúpulos fazem ricochete.
Já o meu pai dizia que a vida pode se revelar uma carta fechada. Tive então dificuldade em perceber o que ele queria dizer com isso, até ao dia em que a vida mo ensinou, naquele excepcional dia de 2010.
Nesse dia, já possuidor de carta de condução, que paguei com dificuldade em prestações (esse favor devo ao dono da escola de condução), conduzindo uma carrinha de caixa aberta, fui levar meia dúzia de sacos de batatas a um restaurante. Carregando os sacos, um a um, lá os depositei na cozinha, onde se encontrava o proprietário, que também era o cozinheiro. Foi uma daquelas coisas que não têm explicação! O dono do restaurante e eu nunca nos tínhamos visto na vida, e quando nos observámos, sorrimos um para o outro e ali nasceu uma simpatia mútua. No final do carrego o senhor ofereceu-me uma cerveja, que eu aceitei. Estávamos em Julho e o calor já apertava. E ali, na sua cozinha, conversámos cerca de um quarto de hora. Foi o bastante! Um mês depois deixei o armazém de produtos agrícolas, de há vinte e um anos, dizendo adeus ao explorador do patrão, que não demonstrou qualquer tipo de curiosidade em perceber por que razão me ia embora. Para ele, sair eu ou um canico que por ali tivesse andado vinte e um anos, foi o mesmo. Verdade seja dita que me aguentei ali todo aquele tempo apenas e só para não trazer complicações à vida do meu pai. Mas tendo-o já reformado, assim que tive oportunidade, para mais sendo um novo trabalho oferecido com um sorriso, simpatia e maior justiça salarial, mandei o sacana do explorador para o quinto dos infernos.
Com que alegria e entusiasmo abordei o novo trabalho!
O meu novo patrão, solteiro como eu e uns anos mais velho, chamava-se Albertino Pereira Torres, e o seu pequeno restaurante o «Azeite e Alho».
Era um restaurante simples e popular, direccionado para gente simples como nós, com um cozinheiro que, além da sua contagiante simpatia, tinha nas mãos um tempero de excelência.
Comecei a trabalhar servindo às mesas. O serviço não exigia requinte, porque os clientes apenas requeriam simpatia e boa comida. Por isso não foi difícil a minha adaptação.
Tinha apenas um colega, mais ou menos da minha idade, mas já muito tarimbado naquelas andanças de servir à mesa de forma simples mas eficaz. Com os seus conselhos e a simpatia do patrão, ao final do primeiro mês o trabalho revelava-se-me muito mais gratificante do que aqueles vinte e um anos a carregar caixotes de fruta e sacos de batatas.
Naquela casa comecei a ver a vida por uma perspectiva muito mais colorida. A diferença que pode fazer o carácter de uma pessoa na nossa vida, que tem influência directa no nosso trabalho, pode ser mesmo impressionante. A tal carta fechada de que o meu pai falava, revelou-me uma excelente surpresa. O senhor Albertino Torres transformou-me num tipo um pouco mais feliz, porque trouxe à minha vida um pouco mais de justiça social, ao fazer-me sentir que trabalho e dignidade eram duas realidades que, afinal, estavam ao meu alcance.
Mas as cartas fechadas ainda não tinham acabado.
Trabalhava eu no Azeite e Alho havia dois anos e meio, quando, um dia, ao jogar no euromilhões, a deusa da fortuna apiedou-se de mim, e ganhei vinte e sete milhões de euros. Não, não me enganei. Acho que na altura até me babei. Um homem, de um momento para o outro tornar-se dono de uma fortuna assim, até pode provocar alguma coisa má com tanta emoção! Mas lá me aguentei.
E inebriado com a abundância de dinheiro, não reparei em mais nada, por certo naquilo que tinha obrigação moral de dar conta. Fechei-me num estúpido egocentrismo, talvez até tendo sofrido de um momentâneo e deplorável narcisismo. Com a carteira a rebentar pelas costuras com o peso do dinheiro, olhando, mas sem nada ver, despedi-me do Azeite e Alho e dei um abraço de «até um dia destes» ao meu patrão, o senhor Albertino Pereira Torres. Corria o mês de Julho de 2012. Teria sido uma boa altura para pegar um maço de notas de cem euros, e esfregar com ele a cara mimosa da avantesma do meu antigo patrão.
Portugal afogava-se em dívidas, mas eu tinha de nadar energicamente para não me afogar em dinheiro.
Solteiro, livre como os passarinhos, após rechear bem a triste conta bancária dos meus pais, fui conhecer mundo sem data marcada de regresso, no píncaro dos meus fortes trinta e nove anos de idade, impulsionado pelo avião a jacto que eram os meus milhões. Andei por onde me deu na veneta, e como a minha veneta é enorme…desde a Austrália ao Alasca, da Ásia à Tórrida e mágica África, berço da humanidade, passando pela América do Sul e a luxuriante e densa Amazónia, tudo vi e muito aprendi. Depois, regressado à Terra-Mãe, com o espirito explorador muito mais sossegado, fui comprando enciclopédias e aprendi mais alguma coisa, a juntar ao bocadinho que o terceiro ano do Secundário me oferecera. Até que, passados dois anos, acho que um qualquer remorso me bateu forte.
Terminada aquela euforia inicial eu tinha de dar algum sentido ao dinheiro que tão subitamente ganhara. Sem um significado a dar àquela fortuna, parecia que eu não era merecedor de a possuir. Numa hora muito feliz o senti.
Com o coração a bater forte de emoção, dirigi-me ao Azeite e Alho para rever aquele homem que me ensinara que, afinal, a felicidade não era impossível de ser alcançada.
Cheguei ao restaurante e parei o meu excelente carro bem à sua frente. Havia ali qualquer coisa de anormal. Pus a minha mão direita no manípulo da porta de entrada e rodei…mas a porta não se abriu. O nome do restaurante ainda lá estava, por cima da porta, em letras pintadas de vermelho e amarelo-torrado, mas cheio de teias de aranha carregadas de insectos mortos, e muita sujidade a tirar cor à vida do Azeite e Alho. Não foi difícil perceber aquele drama, um drama de um homem que o não merecia. Essa percepção foi-me ditada pela consciência a martirizar-me. Reparei então num papel colado no vidro triste e empoeirado da porta. Indicava um número de telefone de um administrador judicial. Meu Deus, dois anos depois de me ter ido embora vim dar com o senhor Albertino Torres falido. Por certo que os problemas começaram ainda eu lá trabalhava. Lembrei-me de que a afluência da clientela diminuía. A crise instalava-se em Portugal de forma abrupta e impiedosa. Mas ele nunca me fizera sentir que o restaurante estava em dificuldades. Nunca me faltou com o vencimento…tudo se deve ter precipitado após a minha saída.
Liguei para aquele número de telefone e imediatamente me reuni com aquele administrador. Pedi, com urgência, uma reunião de credores, e montado nos meus milhões, paguei a dívida de uns míseros milhares de euros. No mundo do materialismo ter a força do dinheiro abre qualquer porta, qualquer uma! Já por outros mundos, de que o materialismo desdenha e apelida de ignorante, a potência dominante é apenas e só a essência de cada um de nós. Infelizmente essa essência, embora ande por cá, não pertence a este mundo.
Deram-me a última residência conhecida do falido, o meu antigo patrão. Mas não fui talhado para fazer averiguações, e como podia, entreguei o assunto aos entendidos. Com o meu poderoso smartphone xpto, que uma pequeníssima côdea dos meus milhões me oferecera, logo encontrei uma agência de detectives privados, tendo contratado os seus serviços. Duas semanas depois um detective contactou-me e deu-me a informação de que eu precisava: a localização do senhor Albertino Pereira Torres. Emudeci! Uma hora depois estava lá.
A força dos meus milhões levou-me até um parque de estacionamento que servia um hospital. Estávamos em Dezembro, às portas do Natal. O dia estava soalheiro, mas frio. Eram três da tarde.
Percorri o parque mais em busca de um arrumador que me indicasse um lugar para estacionar, do que propriamente o espaço para estacionar.
Quis ser visível. E fui! Ao fundo daquela rua sem história, que se abria entre duas longas fiadas de carros estacionados, uma à direita outra à esquerda, lá estava o arrumador a fazer-me sinal com as mãos de que havia ali um lugar. Aproximei-me dele e observei-o muito…muito bem, com as lágrimas a abrirem caminho pelos meus poros agora milionários. Tal como um dia me indicara um local para ser feliz, agora aquele arrumador indicava-me um local para estacionar.
Estou muito feliz. E essa felicidade devo-a aos milhões que tenho, que me possibilitaram devolver dignidade material a um homem que, um dia, teve o condão de me ensinar o quanto a nossa essência espiritual pode influenciar a nossa existência material. Aprendida a lição, apenas mostrei ao meu mestre a forma como o fiz.
É Natal, faz muito frio na rua. Mas com o calor do forno, junto ao qual o senhor Albertino Torres de novo é feliz, e eu também, servindo às mesas (não rejeito uma gorjeta), o calor humano aquece a alma.
Neste Natal o restaurante Azeite e Alho, além de poder dar um sabor melhor e diferente ao bacalhau, tem montado um encantador presépio para oferecer magia aos seus clientes.
Passem por cá. Não se irão arrepender!

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

SEMENTES DE DÚVIDA EM MASSIFTONRÁ

S

...Propositadamente não mencionara o Sumo-Sacerdote estrangeiro, protegido de Amon-Rá, que andava fugido ao ódio do faraó. Esse era o ponto fraco do deus supremo. Que delicia iria ser, quando tivesse em seu poder esse estrangeiro.
No seio dos deuses reinava a estupefacção.
-         Mas o que é que se passa, que forças deixei eu de controlar?- perguntava Amon-Rá.
-         É natural que Seth pense sentir em ti fraqueza- disse o deus ancião Áton- com a liberdade de movimentos que ele vê no faraó...
-         Mas o faraó não é um humano qualquer. Nas mãos dele está o destino material do Egipto. É sensato desacreditá-lo aos olhos dos homens?
-         E será sensato os homens sentirem fraqueza em ti?- perguntou o deus chacal Anúbis.
-         O poder de Amon-Rá é de tal forma grande, que nunca corre o risco de cair em descrédito- disse o deus supremo- se não ataco o faraó directamente, posso fazê-lo rodeando-o, minando a sua influência, sem que disso o comum dos homens se aperceba, mas, ficando essa fraqueza bem perceptível ao faraó, de imediato compreenderá a minha mensagem. Mas não me preocupo com isso porque não sou louco. Tenho a perfeita noção de que uma sacerdotisa não vale a preocupação de um deus. Tenho de ser superior a isso tudo. Muito mais me preocupa a integridade física de Masahemba; e julgo que o faraó tem vontade de o sequestrar. Essa sim, essa é uma questão pessoal, à qual não permitirei ataques.
-         Seth não mencionou o nome de Masahemba, mas estou convencida de que sabe da sua existência e dos seus problemas- disse a deusa Ísis.
-         Ainda bem que me alertas para esse pormenor. O sifto encarregado de contactar Masahemba que parta imediatamente, e leve o meu Sumo-Sacerdote para a casa do abençoado artesão.
-         E em relação ao resto?- perguntou o deus ancião.
-         Ao resto? Que resto? A que te referes?- perguntou Amon-Rá.
-         Ao meio pelo qual foi possível a Seth introduzir-se em MassiftonRá- respondeu Áton.
-         É verdade, já me passava. O que seria de mim sem os vossos conselhos e observações?!- retorquiu Amon-Rá sorrindo...(em continuação, ex. XXXII)

in A Causa de MassiftonRá

terça-feira, 20 de novembro de 2018

XXV JANELA SOBRE O MEU PAÍS- MISTICISMO PORTUGUÊS


Iberos, Celtiberos, Romanos, Visigodos e Reconquista Cristã, um caldeirão de culturas e lendas que é a Península Ibérica e Portugal. Na profundidade de Trás-os-Montes, escondida por penhascos, se revela a existência de um Portugal místico.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

NO GIRO 4

...Sou de Viseu. Por isso durante muitos anos prestei serviço na cidade de Aveiro e foi assim que tive a oportunidade de conhecer a história e a vida do Serôdio.
Naquele seu primeiro Domingo de serviço em Aveiro, patrulhando o giro quatro, que era composto pelas ruas de S. Sebastião, Mário Sacramento e Avenida Araújo e Silva, refugiado em si próprio, escapando assim à solidão das ruas desertas, Serôdio teve a oportunidade de recordar os seus primeiros três anos de vida policial.
Fazia um balanço desastroso; o serviço que tinha de executar até que tinha aliciantes, levando em conta que se tratava do bem estar dos cidadãos. Mas sob as ordens de tais homens, e tendo como logística a miséria que se via, ele perdia todo o incentivo. Corria riscos, perdia noites, era mal remunerado e nem uma palavra simpática recebia em troca. Era este então o tal «espirito de missão»: dar muito e em troca quase nada receber! Como escape para tanta frustração deveria insurgir-se contra os seus colegas «do antigamente»? Era evidente que não. Isso seria um enorme disparate...(em continuação, ex. XXXIX)

in Filhos Pobres da Revolta

Março/2003 

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

POR RESPEITO AO MFA


Regresso ao infeliz tema do assalto aos paióis de Tancos. E faço-o porque me aflige que, de uma forma tão branda, aceitemos o descrédito das Forças Armadas a quem devemos o facto de podermos, neste momento, estarmos a falar de forma tão livre e directa sobre esta questão. Eu vivi intensamente o dia 25 de Abril de 1974 na minha querida cidade de Coimbra. E nesse dia, para mim, as Forças Armadas (que três anos depois integrei), ganharam um valor e um respeito imensos, sentimentos que guardei e guardarei até ao final dos meus dias. Embora não tenha sido nada fácil, orgulho-me de ter servido as Forças Armadas durante dezasseis meses, nessa sumptuosa unidade que é a Escola Prática de Infantaria em Mafra. Por isso me aflige que, muito acima da encenação da recuperação do material roubado em Tancos, não se fale, não se explique, como foi possível esse assalto. Porque aí é que reside a vergonha. Aí é que está o ónus da questão. E não vejo ninguém preocupado em esclarecer como esse facto aconteceu.
Não me adianto mais. Como cidadão e ex-militar apenas exijo essa explicação. A memória do MFA também!

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

PARA OS QUE ESCREVEM UM PORTUGUÊS À CALHOADA


Parece-me que qualquer pessoa minimamente sensata, concordará com a afirmação de que o tesouro maior de um povo é a sua língua. É através dela que, escrevendo ou falando, nos comunicamos naturalmente, e sem qualquer tipo de dificuldade na compreensão, com todos aqueles que têm por mãe pátria o chão que também é o nosso.
            Sendo a língua a característica mais importante que identifica cada povo, e a nossa, especificamente, uma língua bem difícil de ser aprendida, pensava que tal como eu, todos os portugueses a estimavam e até, porque não dizê-lo, a mimavam, empenhando-se por, orgulhosamente, a falar e escrever correctamente.
            Infelizmente não é isso que venho constatando. Os atropelos à nossa língua, a falta de interesse em que a expressão escrita seja correcta, é constante.
            E o mais grave é as entidades comerciais serem as primeiras a dar o exemplo, incentivando assim a que os jovens escrevam português à «calhoada».
Recebi esta mensagem:
 «Outono e sinonimo de prevencao! Troque os pneus e faca a revisao da sua viatura, pague com o cartao…».
Estes senhores decerto que além de pneus também vendem facas!
O (~) til, que é um sinal tão bonito e que origina um som que só nós portugueses sabemos pronunciar, é simplesmente suprimido…porque dá muito trabalho. Quanto aos acentos agudos…vai lá que já te apanho.
            Já não bastava o maldito e anti-patriótico acordo ortográfico vir denegrir a língua de Camões, também nos defrontamos agora com a preguiça no escrever.
Sejamos portugueses em toda a acepção da palavra se fazem favor!

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

QUANDO SE ENCONTRA ARTE FILHA DA MADRUGADA



Hoje dei-me ao trabalho de dar uma vista de olhos sobre papéis velhos. Quantos tesouros se podem guardar em velhos papéis.
Estávamos em pleno Junho de 2004, decorria em Portugal o Campeonato da Europa de Futebol. A cidade de Aveiro recebeu no seu novo estádio dois jogos desse campeonato. Toda a cidade se transfigurou, recebendo os milhares de visitantes, não propriamente turistas mas antes amantes do futebol, a maioria adeptos das quatro selecções que jogaram na nossa cidade.
A segurança foi um dos serviços públicos, a nível nacional e local, que mais esteve em foco durante esse mês de Junho. E tinha de o ser, já que Portugal tinha sobre si os olhos de todo o mundo.
Em Aveiro o coração do serviço de segurança recebeu reforço. Ele foi um dos elementos que foi reforçar as hostes que trabalhavam em prol da segurança de todos.
Uma manhã bem cedo, ao entrar de serviço, ele passou com o olhar pelo interior da guarita de sentinela existente à entrada do coração do serviço de segurança, e apercebeu-se de que existia uma folha branca de papel esquecida no tampo da mesa rudimentar, que tinha qualquer coisa desenhada. Aproximou-se e… por momentos ficou imóvel de espanto. Naquela folha alguém, por certo quem estivera de serviço durante a noite, desenhara aqueles espantosos aviões de guerra e aquele navio de guerra a lapiseira, alguns do tempo da II Guerra Mundial. Ele desconfiara de quem era o autor daqueles desenhos e confirmou-o na escala de serviço. Claro, o Leal, só poderia ter sido ele.
Aqueles desenhos não mereciam ficar ali esquecidos, não mereciam ir para o lixo, não mereciam o desapego do seu criador, que por certo ali os abandonou por ter já criado imensas obras de arte a que nunca deu qualquer valor. Foi apenas por hábito que os abandonou. Criou-os para que lhe fizessem companhia durante a noite. Chegado o dia, cerrou o breve postigo do seu talento e obrigou-o a ficar de novo adormecido.
Ele guardou a folha branca de papel e assim que encontrou o autor dos desenhos disse-lhe que a tinha guardado, e perguntou-lhe porque razão ele não investia na sua arte. O autor sorriu e respondeu que não era pintor.
Hoje, passados todos estes anos, ele reencontrou aquela folha branca, entre papéis velhos, e resolvi dar-lhe alguma vida, homenageando assim o talento desconhecido de um camarada que, andando por aí, pelas madrugadas fora terá criado outras obras de arte para oferecer ao sol.
Tanto artista sem talento que, na sua mediocridade, se põe nos bicos dos pés e enche exposições com telas cheias de tinta de muitas cores. Outros há que…
Que maravilha!

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

MAUS E TRISTES TEMPOS AQUELES DAS REPRESÁLIAS


...Foram tempos difíceis. Os velhos guardas, sentindo-se inferiorizados pelo superior nível cultural de alguns colegas mais novos, não perdiam a oportunidade de desdenhar deles, ou mesmo recusar-lhes ajuda, quando os viam em situações delicadas, fruto da sua inexperiência. No que dizia respeito aos subchefes e oficiais, era um perfeito tormento. Contavam-se pelos dedos os subchefes, chefes de esquadra ou comissários, que naturalmente aceitassem o facto de  terem sob o seu comando guardas, que culturalmente  os ultrapassavam com facilidade. Valendo-se do seu estatuto hierárquico de superiores aos guardas, que, no entanto, eram intelectualmente mais evoluídos, ministravam-lhes represálias, tais como cortes de folgas ou imposição de serviços de patrulha suplementares, para assim lhes quebrar o ânimo, quando não era a instauração de processos disciplinares, baseados em pequenas faltas, mas que no momento eram astuciosamente empoladas.
No início da década de oitenta este clima era vivido mais nos dois grandes comandos do país, Lisboa e Porto, e no comando de Aveiro, que servia como comando trampolim, onde muitos guardas passavam anos aguardando a sua transferência, geralmente para os comandos de Bragança, Viseu e Coimbra. Nos restantes comandos, muitos do interior, as transferências faziam-se muito lentamente, pelo que as novas mentalidades apenas alguns anos depois lá chegariam. Serôdio em Lisboa e eu em Aveiro, ambos fôramos protagonistas e vítimas da lenta mudança. A mim alcunharam-me de «O Beirão»...(em continuação, ex. XXXVIII)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003

terça-feira, 2 de outubro de 2018

PORTUGAL E CATALUNHA, UMA LUTA EM COMUM



Já aqui uma vez disse que admiro imenso a escrita da nossa escritora Deana Barroqueiro, não só pela forma extremamente cinematográfica como escreve, mas também pela enorme investigação histórica que faz, no sentido de escrever os seus romances históricos. Sinto que as suas pesquisas são fidedignas apresentações da história.
            E não podia ser em melhor momento que eu podia ler o seu último romance: 1640, (que ainda não acabei) que, obviamente, nos fala sobre a restauração da nossa independência.
            E digo que não podia ser em melhor momento, porque ao ler o romance aprendi que, de certa forma, devemos aos catalães a possibilidade de a nossa revolução ter tido sucesso. É que em finais de Novembro de 1640 a nossa nobreza foi convocada pelo rei Filipe III (IV de Espanha), e pelo governo do Conde Duque Olivares para ir ajudar na revolta da Catalunha, que há 378 anos se levantou em armas contra a opressão espanhola. A nossa fidalguia pensou então que, guerra por guerra, antes lutar pela causa portuguesa. E fizeram a revolução de 1640, quando o governo espanhol tinha muitas das suas forças desviadas para a Catalunha.
            Os catalães ainda continuam a lutar pela sua independência, como se viu ontem na televisão.

sábado, 29 de setembro de 2018

TANCOS, UMA TRISTE VERGONHA


Quando desapareceram as armas em Tancos, a parte da minha alma de militar, que ainda preservo, ficou quase estarrecida. Além de todo o tipo de coisas perfeitamente vergonhosas e escandalosas, que se têm passado neste nosso pobre país, só faltava isto: o exército passar pela triste vergonha de se deixar roubar, de deixar que um paiol fosse assaltado. No meu tempo de serviço militar um paiol era o correspondente ao altar de um templo. Muitas sentinelas de serviço, divididas por turnos, muitas rondas diárias e não eram necessários sistemas de vigilância. Tudo funcionava na perfeição.
            Os tempos mudam e parece que no seio da tropa mudaram muito.
            Agora, para meu espanto, ao fim de alguns meses de investigações, vejo o director da Polícia Judiciária Militar ser detido, o chefe da polícia que efectuava as investigações a esse assalto. A sério??? Mas o que é que se passa?
            E gostaria que me explicassem, que não percebo mesmo: no meio de todo este filme infeliz, o que é que o posto da GNR de Loulé teve a ver com tudo isto? Loulé? Nos cafundeu do Algarve? Relacionado com um assalto à base de Tancos, no Ribatejo? Estou desejoso de perceber esta charada!

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

SOBRE UM ESPÓLIO HISTÓRICO DE VERDEMILHO


Acabei de ler uma notícia no Diário de Aveiro que me deixou chocado. Não que tenha sensibilizado, no mau sentido, os meus sentimentos de compaixão pelo próximo ou de injustiça cometida contra alguém. Nada disso. Antes o espanto, a incredulidade perante o desinteresse do município pela história local, um momento que foi o despoletar de uma crise, terrível mas necessária.
            O actual dono daquela que foi a casa do desembargador Joaquim José de Queiroz, avô paterno do nosso Eça de Queiroz, no sentido de restaurar a dita casa, viu-se na necessidade de oferecer todo o espólio documental, relacionado com a revolta de 16 de Maio de 1828, à biblioteca particular de José Pacheco Pereira, uma vez que a Câmara Municipal de Aveiro não se interessou por receber esse espólio.
            Para os que, eventualmente, possam não saber, afinal de que se tratou essa revolta?
            Em 1828 D. Pedro IV, então D. Pedro I do Brasil, ordenou que o seu irmão, o infante D. Miguel, retornasse do exílio na Áustria, para onde o pai de ambos (o rei D. João VI) o enviara, e tomasse a regência do reino, durante a menoridade da futura rainha, a infanta D. Maria, com a obrigação de jurar cumprir a carta constitucional de 1822. Juramento feito, D. Miguel tomou conta da regência do reino. O seu primeiro acto político foi o de dissolver a Câmara de Deputados, a 13 de Março de 1828, contrariamente ao que jurara havia pouco tempo. Dissolvida a Câmara, todos os deputados regressaram aos seus círculos políticos. Joaquim José de Queiroz foi um deles. Profundamente escandalizado com tamanha afronta cometida contra a carta constitucional e ao liberalismo, rapidamente em Aveiro urdiu uma revolta contra o regime absolutista de D. Miguel, que se supunha definitivamente extinto de Portugal, com o apoio do Batalhão de Caçadores Dez de Aveiro, transformando-se este movimento no primeiro grito de revolta, em Portugal, contra o regime absolutista, que eclodiu em Aveiro a 16 de Maio de 1828. Os preparativos desta revolta tiveram lugar na casa do deputado Joaquim José de Queiroz, no lugar de Verdemilho, a dois passos da então já cidade de Aveiro.
Os revoltosos seguiram para o Porto e a revolta acabou por ser esmagada pelas forças leais a D. Miguel e à sua mãe, a rainha D. Carlota Joaquina. Tudo acabou de forma trágica. Muitos dos cabecilhas fugiram para Espanha, mas sete foram apanhados e enforcados na Praça Nova, no Porto. As suas cabeças foram cortadas e enviadas para Aveiro e espetadas em estacas, por várias ruas, para exemplo. Essas sete cabeças repousam hoje no cemitério Central da cidade. Joaquim José de Queiroz nunca foi apanhado, mas nunca se ausentou do país, vindo a falecer apenas em 1850.
E digam-me lá se a documentação que retrata este momento, não deveria permanecer na cidade onde os factos ocorreram, guardada com carinho e emoção?
Quem somos nós se não percebermos de que forma chegámos aonde estamos?

domingo, 16 de setembro de 2018

NUMA MANHÃ HÚMIDA CIPRESTES QUE PINGAM MORTE


... O céu estava nublado, cinzento. Um olhar triste, macilento, revelador de um estado de espírito devorado pela falta de vontade de viver, ao olhar aquele céu mais certeza tinha de que a vida já ficara para trás. Era o céu de Portugal, país ingrato. Sacrificando a sua juventude, tivera ele como paga daquele seu país o desaparecimento do fulgor que ao seu corpo dava energia, ao seu espírito alento.
         No desembocar de uma rua, abria-se esta num largo. Do lado direito existia um morro de terra avermelhada, encimado por eucaliptos. Do lado esquerdo estendia-se um longo canavial. Ao centro do largo podia-se admirar um extenso e verdejante relvado. Ao fundo, por detrás de uma linha de ciprestes, localizava-se o cemitério da Conchada. O carro contornou o relvado e parou junto aos ciprestes. Álvaro saiu do carro, acompanhado pelo seu pai. A manhã estava fria e húmida. Tudo era feio para Álvaro. O mundo não tinha mais graça. Aquela relva molhada era horrível, como o eram as folhas permanentes dos ciprestes, que pingavam morte.
         O enfermeiro Victor aconchegou o filho contra si. Pôs-lhe um braço por cima dos ombros e assim atravessaram o imenso portão do cemitério, espiados pelas órbitas metálicas e velhas de uma representação de caveira, incrustada no topo do portão. Álvaro caminhou pela rua ladeada de jazigos. Onde estava? Para onde ia? Ao querer encontrar-se com a sua querida loirinha, era ali o seu destino, no meio daquelas casas sombrias, fantasmagóricas, escorrendo desolada humidade esverdeada, impregnadas de podridão? As lágrimas corriam-lhe quentes, envelhecendo-lhe o rosto...(em continuação, ex. XXXVII)
in Visitados
Novembro/1999

sábado, 1 de setembro de 2018

NOTAS AMADORAS DE UMA HISTÓRIA QUE TAMBÉM É MINHA- 1179- BULA MANIFESTIS PROBATUM- VIVA EL-REI DE PORTUGAL


Em 1179 ocorreu um facto que D. Afonso Henriques desde sempre procurou, tendo-o atingido muito à custa do seu trabalho e perseverança, como interveniente na reconquista cristã da Península Ibérica, desenhando assim o mapa de Portugal.
            Se em 1143 tinha obtido de D. Afonso VII, rei de Leão, o reconhecimento do título de rei, esse mesmo reconhecimento manteve-se omisso, durante três décadas, no que à Santa Sé dizia respeito. O que, naquela época, era impensável acontecer.
            Até que, em 1179, o papa Alexandre III através da bula Manifestis Probatum, reconheceu o título de rei a D. Afonso Henriques. Com este documento o rei português ficou sob a protecção da Santa Sé, e era declarado que Portugal era um reino pertencente a S. Pedro. Era prometido ainda auxílio papal à defesa da dignidade régia.
            Finalmente, D. Afonso Henriques era rei de Portugal em toda a sua plenitude!

domingo, 26 de agosto de 2018

1973- O REGRESSO A CASA


-... E foi assim senhor Victor que o seu filho Álvaro regressou, a tempo de passar o Natal de 1973 em casa.
-         Um natal que estava destinado a ser muito triste, mas que acabou por em certa medida traduzir uma mensagem de amor e esperança. O Álvaro quando chegou aqui foi internado no Hospital Militar. Ali esteve cerca de uma semana. Os sedativos eram fortes. Por isso o tempo em que esteve hospitalizado passou-o quase todo a dormir. Mas como não tinha ferida que se visse, mandaram-no para casa por algum tempo. O médico que o seguia, penso que era major, disse-me que enquanto ele não enfrentasse o problema não se iniciaria o processo de recuperação da perda. Recebemo-lo com a alegria possível. Quando entrou em casa quis ir de imediato ao meu escritório. Disse-me que fora ali o último grande momento de felicidade que vivera com a Catarina. Agarrou-se a mim, abraçou-me com muita força e chorou convulsivamente.
-         Não teve vontade de ver os pais de Catarina?
-         Nesse mesmo dia lá foi... (em continuação, ex. XXXVI)
in Visitados
Novembro/1999
                           

terça-feira, 14 de agosto de 2018

ALJUBARROTA E MAFRA, UMA PROFUNDA SIMBOLOGIA MILITAR


Hoje foi dia de festa na Escola Prática de Infantaria em Mafra. E a avaliar pelo 14 de Agosto que lá vivi, em 1978, foi um dia de grande orgulho patriótico. Hoje, em Mafra, comemorou-se mais um dia da unidade. E porque razão tem este dia uma carga simbólica assim tão forte? É que o patrono da EPI é o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, o símbolo máximo do poder da infantaria, e faz hoje, precisamente, 633 anos que se deu essa grande e importantíssima batalha de Aljubarrota, no glorioso dia 14 de Agosto de 1385, na qual o Condestável foi o grande herói.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A DOR QUE FERE A ALMA


...Dizia que eu e a Lucinda esperávamos que o Hélder atingisse a idade adulta para o pormos ao corrente dos factos. Ele decidiria o que fazer. Fosse o que quer que fosse, teria o meu apoio.
- Mas, suponho que isso não irá ser preciso?!
- É verdade, a sua intervenção, senhor doutor, e a de mais alguém, estão a antecipar as coisas.
- E esse alguém é...
- O anjo de quem eu há pouco lhe falava. Mas, por favor, não insistamos nesse ponto. Mostre-me a cópia que fez do tal documento.
- Pois então vamos a ele.
         Américo Afonso levou a mão direita ao lado esquerdo do casaco e do bolso interior retirou uma folha branca dobrada em quatro. À visão daquela folha, o padre entrou numa excitação febril. Bem sabia que aquele não era o documento original. Bem sabia que a mão que escrevera as linhas ali representadas não fora a mão do morgado. Mas, acreditando na competência e seriedade daquele advogado, tinha a certeza de que o que ali estivesse escrito representava um atroz sofrimento, porque foram decerto das últimas palavras que atravessaram a mente do seu querido Vitorino. Por isso, o padre José Soares disse:
- O senhor doutor tem a certeza de que o conteúdo deste documento corresponde fidedignamente ao original?
- Em absoluto. Só aí falta a assinatura do morgado Vitorino.
- Pois vamos então tentar desvendar a verdade - e o padre José Soares iniciou a leitura do documento.
            “aos quatro dias do mês de outubro de mil novecentos e dez, eu, vitorino de lourenço fernando, declaro sob minha fé que vendo a minha herdade vila de ló, delimitada a nascente por s. martinho do porto e a poente por alfeizerão, a norte por salir do porto e a sul pelo vale paraíso, ao senhor barreto raposo. ao assinar o documento, olho com esperança  para a base do armário onde guardo os livros. sem fé.”
         As lágrimas romperam a capacidade de disfarce do padre José Soares. Sempre que era obrigado a falar sobre o morgado o seu amor próprio ficava destituído de significado, a dor feria-lhe a alma. Imóvel, deixando as lágrimas correrem livremente pelo rosto, fixava aquelas palavras. A pequena frase final “sem fé” era tão triste, tão vazia, tão sofrida...(em continuação, ex. LIV)

in Quando Um Anjo Peca

Março/1998

domingo, 29 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA DE GUERRA CHAMADA SÃO


Mais uma reunião de um grupo de amigos, todos a chegarem ao topo da escadaria dos sessenta, numa primeira Sexta-Feira do mês (igual a todas as outras primeiras Sextas-Feiras em que ali se reuniam), conversando animadamente sobre as aventuras e desventuras da vida (tantas para contar), e uma senhora, no mesmo topo da escadaria dos sessenta, sempre muito bem disposta, que por ali passa todas aquelas mesmas Sextas-Feiras, a quem todos chamam «São», a caminho da sua banca da fruta no mercado ali perto, que, no entanto, naquela Sexta-Feira, contrariamente às outras Sextas-Feiras, apresenta no seu rosto uma profunda expressão de tristeza.
- Que foi São, que aconteceu?- pergunta o grupo de amigos, pronto para, de alguma forma, minimizar a tristeza naquele rosto tão comunicativo e contagiante de alegria.
            E a São, a vendedoura de fruta, contou a sua pequena história.
            Há muitos anos namorou um rapaz, o Manuel, um namoro mesmo de paixão, um namoro que se via mesmo ir dar num casamento longo e sempre muito feliz. Num final de tarde o Manuel abordou-a e disse-lhe, de supetão, que ao outro dia iria embarcar no navio Vera-Cruz para África, para a guerra do ultramar. Nessa noite, ela e o Manuel aventuraram-se muito para além dos simples beijos- a noite mais feliz da sua vida.
            O Manuel partiu…e pouco tempo depois morreu despedaçado por uma mina, numa desventurada picada de África.
            A São ficou solteira. Casou com a memória do Manuel. E naquela Sexta-Feira, em que trazia o rosto mergulhado em sofrimento, fazia anos, muitos anos, que o pai do Manuel lhe dera a notícia da morte do seu filho na guerra do ultramar.
            Não, não conheço nenhum destes amigos que constituíam aquele grupo, nem tão pouco conheci aquela «São», nem sei se esta história é verdadeira, porque não fui eu que a criei. Apenas posso dizer que foi com imenso prazer que li a crónica intitulada «A importância de se chamar São», no Diário de Aveiro, da autoria do senhor Carlos Campos, de quem tenho lido outras saborosas crónicas, mas que esta, por tratar de um tema que me é tão sensível, a guerra do ultramar, achei merecedora deste destaque.
            Muitas «Sãos» como aquela existirão ainda por este Portugal, de Norte a Sul, dramas reais, de uma juventude sofredora, histórias que o tempo vai apagando, passados sem grande futuro na memória de um povo.
            Aquela crónica preencheu alguns minutos de uma leitura emocionada. Um verdadeiro quadro da vida de um povo.

domingo, 22 de julho de 2018

EM ALFEIZERÃO UMA CAIXA DE SURPRESAS


A Teresa, uma simpática senhora de meia-idade, que na medida do possível ajudava o padre José Soares, cozinhara para aquele almoço um suculento arroz pardo. Regado com bom vinho tinto, o almoço estava divinal, ajudando assim a que a frigidez, que a princípio existira entre os dois homens, acabasse por desaparecer.
- Aqui nesta sala, muitas vezes almoçou comigo o morgado Vitorino- começou por dizer o padre José Soares.
- O morgado Vitorino, dono da herdade que o senhor Barreto Raposo comprou - acrescentou Américo Afonso.
- Dono da herdade que o Barreto Raposo ocupa- corrigiu o padre- parecem dizer os factos que a comprou, mas eu recuso-me a acreditar nisso.
- E porquê?
- Porque fui eu que eduquei o Vitorino. Eu era o seu conselheiro. Ele não tinha intenção de vender a herdade porque ela era a sua vida. Mas mesmo que tivesse intenção de o fazer, tinha-me transmitido essa vontade. Essa venda, essa transmissão de propriedade, foi forjada.
- Eu concordo consigo senhor padre - disse o advogado - só numa situação de efectiva instabilidade, como foi a república substituir a monarquia, é que esta venda pôde ter lugar, através de um simples documento. Eu trago-o aqui copiado.
- Não me diga! Conseguiu isso?
- Fui na qualidade de advogado, tutor do pequeno Carlos.
- Esse é um outro assunto delicado - disse o padre José Soares.
- Qual? - perguntou Américo Afonso.
- O nome do pequeno. Ele não se chama Carlos Avilar. O seu nome é Leandro Vital de Lourena Fernandes.
- Como? Leandro? Esta história é uma caixa de surpresas.
- E ainda não acabaram senhor doutor. Se realmente defende os interesses do Leandro, não pode ficar só por aí. Tem também de defender os interesses do irmão.
- Como assim? - perguntou Américo Afonso, com semblante de grande confusão.
- O morgado Vitorino tinha dois filhos, o Leandro e o Helder. São gémeos. Como pode calcular, aqui em Alfeizerão, vive um rapazinho com treze anos de idade, que deve ser uma réplica perfeita do Leandro. E digo deve, porque eu não vejo o Leandro há doze anos. O senhor doutor, se quiser, poderá conhecer o Helder.
- Olhe senhor padre, eu já não sei que lhe diga. A minha Luísa quando souber disto tudo, não sei como reagirá. Será melhor nem lhe dizer nada agora. Está para breve o nascimento do nosso filho. Mas diga-me senhor padre, o senhor Barreto Raposo sabe alguma coisa sobre a existência das duas crianças?
- Não, este é um segredo que Alfeizerão guardou muito bem guardado. Eu e a Lucinda...
- Quem é a Lucinda?
- A Lucinda está para o Helder como a D. Luísa está para o Leandro.
- Percebo. E a mãe dos pequenos quem é?
- A mãe dos gémeos foi a saudosa Marta. Morreu ao dá-los à luz.
- Meu Deus, os miúdos estavam predestinados ao infortúnio- disse Américo numa reflexão sentida - o senhor padre falava na Lucinda... (em continuação, ex. LIII)

in Quando Um Anjo Peca

Março/1998