sexta-feira, 25 de julho de 2014

VII JANELA SOBRE O MEU PAÍS- O FAROL DA BARRA

Saindo de Aveiro, em direcção ao Atlântico, e percorridos dez quilómetros, encontramos as praias da Costa Nova e da Barra. E é nesta última que vamos encontrar uma pérola de construção civil, dos finais do Séc. XIX: o Farol da Barra.
O Farol da Barra foi construído entre 1885 e 1893, tendo sido electrificado em 1936.
Com os seus 62 metros de altura, é o farol mais alto de Portugal, o 2º maior da Península Ibérica, sendo o 21º mais alto do mundo.
Tem um alcance luminoso de 43 kms.

Sabe muito bem uma bica, tomada numa bela noite de verão, numa esplanada de café, sob a presença vigilante deste portentoso farol, ali, a meia dúzia de metros.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

PROMESSA DE MORTE

...O mouro ia deveras agitado. Ruminava ameaças. As esporas que possuía na base das botas de montar feriam os flancos do cavalo que montava. Ao chegar à herdade, o pobre animal sangrava das feridas provocadas pelos bicos aguçados das esporas. Aquele sangue era o reflexo da raiva que consumia o mouro. A curta distância que separava o casario trabalhador do solar, fora percorrida pelo mouro num galope veloz, alimentado por instintos sanguinários.
Chegado ao solar o mouro desmontou e dirigiu-se em passos largos e rápidos à porta principal, na qual bateu brutalmente com os punhos cerrados.
- Patrão, ó patrão, venha cá fora - clamava o mouro furiosamente.
Chegava o fim da tarde de mais um dia de Outono. Corriam os primeiros dias de Novembro. Barreto Raposo encontrava-se no escritório, fazendo contas, utilizando uma aritmética muito própria, constituída por símbolos que só ele sabia decifrar. Necessidades de quem nunca aprendera o significado de letras e números. Possuído por uma grande cobiça e uma incomensurável ambição, Barreto Raposo foi obrigado a criar o seu próprio sistema aritmético, para assim poder gerir os seus bens, muitas vezes os frutos da sua esperteza maldosa, do seu mau carácter, sem ter de recorrer a ninguém, para não correr o risco de dar a conhecer a sua deplorável conduta. Ouviu os batimentos de desespero, reconheceu a voz do mouro e atravessou o comprido corredor.
- O que é que se passa mouro? - abriu a porta e deparou com o seu capataz de feições alteradas, olhar mais frio do que nunca, espuma branca e nojenta aos cantos da boca.
- Eu mato-os a todos - dizia o mouro.
- A quem é que tu matas? - perguntou o fivelas, curioso.
- Aquela reles da Lucinda, o padre e o zarolho.
- Não estou a perceber - dizia o Barreto Raposo - pareces um bezerro tresmalhado. Põe-me as ideias no sítio e explica-te. Pelo que vejo há aí história.
- E das grandes patrão.
- Conta-me o que se passou.
- Vinha eu de passar uma vista de olhos pela herdade. Encaminhava-me já para aqui. Ao passar pela casa do Daniel ouvi a mulher dele a chorar e a rir ao mesmo tempo. Achei aquilo muito sem "trambelhos". Desmontei e quando me aproximava da casa saiu-me ela como doida, a dizer que havia de contar ao marido, que o menino dela estava vivo há doze anos...
- Disseste há doze anos?
- Foi o que eu ouvi ela dizer.
- Eh raio! Há doze anos tomei eu conta da herdade. Também me fica uma pulga atrás da orelha. E que mais?
- Ela quando me viu chamou-me belzebu. Eu ia-me a ela quando de dentro da casa apareceu o padre.
- O padre?
- Foi verdade. Logo ali me disse uma lengalenga. Não percebi nada mas ficou-me a ideia de que o padreco esteve a mangar de mim. Subiu-me cá o nervoso, que com duas das minhas o pus em sentido. Mas para ajudar à festa apareceu também o zarolho que se pôs a defender o padre e a ameaçar-me.
- E porque é que logo na altura não lhe ensinaste algumas das tuas habilidades?
- Deixei isso para um outro dia, para quando me possa desforrar bem à minha maneira - disse o mouro, escondendo do Barreto Raposo as apreensões que sentira quando teve vontade de atacar o António Avilar.
- Tu tens razão mouro. Aí há história. O padre já estava em Alfeizerão quando eu para cá vim. Segundo me parece ele era muito amigo do fidalgote. Falar-se aí nalguma coisa que aconteceu há doze anos, estando o padre misturado com o povinho, cheira-me a esturro. Haverá por aqui qualquer coisa que eu desconheça?
- Ó patrão, se houvesse eu já sabia.
- Talvez sim, talvez não. As cabeças vazias dos «pobretas» por vezes conseguem pensar. Se tens andado atento, põe-te mais atento ainda. Mas nada de fazeres qualquer coisa contra a Lucinda ou o padre. Não me estavas a ajudar em nada. Já reparei que a Lucinda é muito estimada pelas gentes de cá e com respeito ao padre, desse nem se fala.
- E o zarolho patrão? Esse também se fica a rir?
- Não, a esse podes tu chegar-lhe com força. Se quiseres manda-o desta para melhor. Não me agradam aqueles que provocam o meu capataz.

- Ah rico patrãozinho, que a falar assim nunca a língua se lhe tolha. Pois àquele hei-de eu tratar da saúde, pode o patrão ficar descansado...(em continuação, pág. 115- ex. XLI)

in Quando Um Anjo Peca
Março/1998

terça-feira, 8 de julho de 2014

FILIPE VI DE ESPANHA- UM TESTE Á NOSSA IDENTIDADE HISTÓRICA

Nunca me passou pela cabeça que, um dia, fosse possível conviver com o regresso de um Filipe ao trono de Espanha. Mas ele aí está! Filipe VI, o segundo Filipe depois do Filipe IV de Espanha, Filipe III de Portugal.


Nos nossos actuais 871 anos de história como país independente, muitos têm sido os momentos de forte tensão e guerra com o país vizinho, do qual nos tornámos independentes em 1143- a Espanha. Ficam sempre resquícios. O ditado popular «de Espanha nem bom vento nem bom casamento» é sintomático disso. O dia 14 de Agosto de 1385, nos campos de Aljubarrota e o dia 1 de Dezembro de 1640, em Lisboa, são duas datas que bem nos diferenciam de Espanha.

Quando ainda existe a questão de Olivença por resolver, uma cidade que nos foi roubada por Espanha, em 1801, na sequência da patética «guerra das laranjas», no pronúncio das Invasões Francesas, eis que a história no mês passado me bateu no coração, ao ouvir que um novo Filipe iria ocupar, em breve, o trono de Espanha.

É curioso que isto acontece, quando em Portugal, uns idiotas a quem, infelizmente lhes foi dado poderes de governação, pretendem desvalorizar a memória desse dia de raça bem portuguesa, o 1º de Dezembro de 1640.

E ontem Filipe VI de Espanha pisou terra portuguesa. Não sei se, porventura, algum resquicío histórico, dos muitos, dos imensos, que existem por essas pedras mudas, terá vibrado, terá tocado as sirenes de alerta. Apenas sei que eu não me senti muito confortável com a visita. O rei até tem cara de boa pessoa. A história que o antecede é que lhe não é nada simpática.

Seria interessante saber quantos portugueses pensaram nesta questão. Não é que ela tenha alguma relevância prática, mas que é um teste á relação que temos com a nossa identidade histórica, disso não tenho qualquer dúvida.