sábado, 27 de setembro de 2014

PÂNICO NO GIRO...SARCASMO DE UM PATRULHEIRO

...Um subchefe meio trôpego, com aparência de carroceiro, olhos esbugalhados pelo muito álcool bebido em excesso, o cabelo cheio de caspa, o colarinho da camisa cinzenta da farda denunciando o uso abusivo sem ter sido lavada, transmitindo uma imagem que pouco ou nada se coadunava com as suas funções de chefia, numa instituição pública, acabara de fazer a formatura do primeiro turno de serviço daquele Domingo de Outubro de Mil Novecentos e Oitenta e Seis. A formatura era composta por oito homens, sendo eu um deles. Perfilávamo-nos em duas filas de quatro, num dos claustros do antigo convento setecentista das carmelitas, ocupado desde o principio do século pela Policia de Segurança Pública. Aquela formatura realizava-se, pois, nas instalações do Comando Distrital da PSP de Aveiro.
         O subchefe, numa conversação tosca, atrofiada e confusa, tentando exprimir-se no seu paupérrimo português, interrompido aqui e ali pelo horrível hábito de sugar as excreções das fossas nasais e cuspi-las logo a seguir, transmitia a relação de matrículas correspondentes a carros roubados. Os guardas, que tomavam nota daquelas matrículas, faziam-no de várias maneiras. Os menos aplicados escreviam num papel amarrotado que lhes dançava num dos bolsos das calças; outros, um pouco mais conscenciosos, anotavam as matrículas em papéis que para o efeito guardavam num dos bolsos do dólman; por último, os mais zelosos faziam as suas anotações em pequenas agendas de bolso.
         Transmitida a relação dos carros roubados, o subchefe com funções de comandante da guarda, fez ainda algumas determinações, tais como- «o giro não pode ser abandonado», como se entrado o guarda no seu giro de serviço e por qualquer razão se ausentasse, o tal giro ficaria desnorteado, andaria sem rumo, aflito pela ausência do seu protector. Com certeza que as pessoas que viviam na área do tal giro, se iriam sentir muito infelizes quando dessem conta de que o guarda, que as havia beneficiado com a sua magnânima presença, resolvera ausentar-se. Entrariam em pânico!
         Serôdio sorriu com esta imagem que imaginara. O guarda não podia abandonar o giro, porque com a sua ausência o giro entraria em colapso.
         Serôdio era um dos oito guardas que constituíam a formatura matinal daquele Domingo. Nós os oito, maquinalmente, subimos em grande algazarra as escadas de pedra que levavam ao primeiro andar, polidas pelo tempo, e fomos à sala de transmissões, onde operava o número nacional de emergência «115», buscar os obsoletos e pesados rádios «Motorola» para transmitirmos o que fosse necessário ser transmitido. Qualquer turno de serviço era assim que começava.
         Já na rua, Serôdio dirigiu-se para o giro que tão ansiosamente o aguardava. Voltou-se a rir, a rir sozinho, quando imaginou os moradores da sua área de serviço, que debruçados nos beirais das janelas o aguardavam ansiosamente. Ao verem-no finalmente chegar, todos respiravam de alívio.
         Que desilusão!! Ao chegar ao seu giro, Serôdio olhou vagamente para os prédios. Todas as janelas estavam fechadas e as persianas corridas. Se se ausentasse, o tal giro nem iria saber que ele ali estivera.

         Mas estava! E por ali iria permanecer nas próximas seis horas. Naquela manhã tinha a seu cuidado patrulhar as ruas Dr. Mário Sacramento e S. Sebastião. A meio do percurso ficava a sua casa e a casa dos seus pais, ainda na Viela da Fonte dos Amores. Talvez pudesse fazer um pequeno desvio... Deus o livrasse de tal ideia! Estava em Aveiro havia poucos dias, não queria por isso arranjar sarilhos. O subchefe que estava de ronda não tinha boa cara. Ele ainda era muito novo naquelas andanças, para facilitar!...(em continuação, pág. 79, ex. XXVI)

in Filhos Pobres da Revolta

Março/2003

sábado, 20 de setembro de 2014

NOTAS AMADORAS DE UMA HISTÓRIA QUE TAMBÉM É MINHA: HISPÂNIA ULTERIOR E OS LUSITANOS

Hispânia, nome que designava o território que veio a ser chamado de Península Ibérica, e que se mantém, derivou do termo «Spania», de origem Céltica.
Ano de 197 ac.: A Península que confinava com o início do Mar Mediterrâneo, foi administrativamente dividida pelo Império Romano em: Hispânia Citerior e Hispânia Ulterior.
A Hispânia Ulterior era ocupada pelo povo Lusitano, que em 155 ac. começou a oferecer resistência aos romanos, povo invasor.
Em 147 ac., os Lusitanos, continuando a guerra contra os romanos, eram chefiados por Viriato, figura que se tornou mítica na História de Portugal. Em 139 ac. o governador romano da Hispânia Ulterior, Servílio Cipião, deu ordens para que Viriato viesse a ser assassinado, sentença que se cumpriu apenas em 80 ac., governava então a Hispânia Ulterior Sertório.
Escreviam-se as primeiras linhas da História de Portugal.


sábado, 13 de setembro de 2014

ESPERANDO...

...Finalmente a maldita luz daquela janela se apagara. O homem saiu do interior do seu Simca 1100. Fechou a porta do carro, cuidadosamente, com a preocupação de fazer o menor barulho possível. Enquanto calçava umas luvas de plica preta, observava em seu redor, não fosse ser surpreendido por alguém que estivesse a pé na Rua Frei Tomé de Jesus. Estava todo vestido de preto, para melhor se poder confundir com a noite. Reparara que o candeeiro de iluminação pública mais próximo do número 61, distava daquele cerca de vinte metros. Isso era óptimo, porque assim a entrada daquela casa pouco beneficiava da luz emanada pelo candeeiro.
         Tinha a área já muito bem estudada, pois passara toda uma tarde sentado no interior do carro, vendo as movimentações da rua e especialmente observando as pessoas que habitavam o 61. Eram apenas três. Um casal de meia idade e uma jovem e atraente rapariga, que deveria ser filha. Naquele Sábado colocara o carro em frente ao 61 da Rua Frei Tomé de Jesus. Chegara ali já a noite descia. Levara um bom suprimento de alimentos, pois contava em ali jantar, tal como veio a acontecer. Chegara numa óptima hora, pois cerca de meia hora depois de ali se encontrar, viu o casal despedir-se da jovem, desejar-lhe uma boa noite e lançar-lhe um «até amanhã», que para ele soou maravilhosamente. A rapariga iria estar sozinha em casa. Seria um serviço simples, rápido e principalmente rentável.
         O arquitecto Duarte Amorim ia-lhe pagar uma boa maquia... imagine-se, para ele roubar daquela casa apenas um livro, um livro que se intitulava «Contacto». O homem sorria e abanava a cabeça. Aonde podiam chegar a ambição e as fantasias dos ricos.
         Já se apercebera de que a janela que se encontrava do lado direito da porta, janela essa que houvera pouco tempo estivera iluminada, deveria pertencer ao quarto da rapariga. Como o tal arquitecto vira a moça com o livro no regaço, presumia que ela o estivesse a ler, e como tivera a luz acesa até tarde, provavelmente o livro estaria ali, bem à mão de semear. Intuição de quem era ladrão profissional.

          A princípio ficara um pouco preocupado por o arquitecto Duarte Amorim ter conseguido chegar até ele. Sim, porque uma das habilidades daquela actividade era não ser conhecido fora do seu âmbito de acção. Mas quando soube que o Xavier Amorim era filho do tal arquitecto, sossegou mais o espírito. Embora o miúdo não fosse ladrão, tinha uma forte inclinação para simpatizar com eles. Talvez o rapazola se preparasse para no futuro ser o cérebro de um bando profissional. Burro não parecia ele ser. Seria mais um, de entre muitos, que escondiam as suas actividades ilícitas atrás de uma boa presença, uma privilegiada  posição social, um português refinado, um bom fato, uma lustrosa gravata, um bom perfume; e a raia miúda, como ele, è que levava por tabela. Mas os contitos de reis até que não faltavam... eventualmente dois ou três anitos na cadeia, era o preço que se pagava por um nível de vida bastante aceitável, sem preocupações...(em continuação, pág. 88, ex. XXVII)

in Visitados
Novembro/1999

domingo, 7 de setembro de 2014

FOI COMETIDA UMA INFÂMIA Á NOSSA IDENTIDADE HISTÓRICA

Por estes dias, um estúpido, um senil jovem de 26 anos, em Guimarães, partiu a espada da estátua do nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, e andou a passear-se com ela durante algum tempo, até ter sido detido pela policia e presente a tribunal. A estátua, que ostenta perto de nove séculos de história e independência, lá está, mutilada, como mutilada se encontra a imagem da nossa soberania.
Este acto é demonstrativo do que se pressente, no viver e pensar de uma grande percentagem da população portuguesa, que nenhuma ligação, nenhum orgulho, nenhum interesse demonstra pela história do seu povo. E quem não se rala, nem tem qualquer preocupação em perceber quem é, e porque razão o é, como pode pensar em conceber o seu futuro?
Talvez por todas estas razões, depois de termos sido bravos combatentes, ao cairmos agora numa passividade sufocante, seja possível que em Portugal se multipliquem os agravos á democracia, de toda a ordem.