sábado, 13 de setembro de 2014

ESPERANDO...

...Finalmente a maldita luz daquela janela se apagara. O homem saiu do interior do seu Simca 1100. Fechou a porta do carro, cuidadosamente, com a preocupação de fazer o menor barulho possível. Enquanto calçava umas luvas de plica preta, observava em seu redor, não fosse ser surpreendido por alguém que estivesse a pé na Rua Frei Tomé de Jesus. Estava todo vestido de preto, para melhor se poder confundir com a noite. Reparara que o candeeiro de iluminação pública mais próximo do número 61, distava daquele cerca de vinte metros. Isso era óptimo, porque assim a entrada daquela casa pouco beneficiava da luz emanada pelo candeeiro.
         Tinha a área já muito bem estudada, pois passara toda uma tarde sentado no interior do carro, vendo as movimentações da rua e especialmente observando as pessoas que habitavam o 61. Eram apenas três. Um casal de meia idade e uma jovem e atraente rapariga, que deveria ser filha. Naquele Sábado colocara o carro em frente ao 61 da Rua Frei Tomé de Jesus. Chegara ali já a noite descia. Levara um bom suprimento de alimentos, pois contava em ali jantar, tal como veio a acontecer. Chegara numa óptima hora, pois cerca de meia hora depois de ali se encontrar, viu o casal despedir-se da jovem, desejar-lhe uma boa noite e lançar-lhe um «até amanhã», que para ele soou maravilhosamente. A rapariga iria estar sozinha em casa. Seria um serviço simples, rápido e principalmente rentável.
         O arquitecto Duarte Amorim ia-lhe pagar uma boa maquia... imagine-se, para ele roubar daquela casa apenas um livro, um livro que se intitulava «Contacto». O homem sorria e abanava a cabeça. Aonde podiam chegar a ambição e as fantasias dos ricos.
         Já se apercebera de que a janela que se encontrava do lado direito da porta, janela essa que houvera pouco tempo estivera iluminada, deveria pertencer ao quarto da rapariga. Como o tal arquitecto vira a moça com o livro no regaço, presumia que ela o estivesse a ler, e como tivera a luz acesa até tarde, provavelmente o livro estaria ali, bem à mão de semear. Intuição de quem era ladrão profissional.

          A princípio ficara um pouco preocupado por o arquitecto Duarte Amorim ter conseguido chegar até ele. Sim, porque uma das habilidades daquela actividade era não ser conhecido fora do seu âmbito de acção. Mas quando soube que o Xavier Amorim era filho do tal arquitecto, sossegou mais o espírito. Embora o miúdo não fosse ladrão, tinha uma forte inclinação para simpatizar com eles. Talvez o rapazola se preparasse para no futuro ser o cérebro de um bando profissional. Burro não parecia ele ser. Seria mais um, de entre muitos, que escondiam as suas actividades ilícitas atrás de uma boa presença, uma privilegiada  posição social, um português refinado, um bom fato, uma lustrosa gravata, um bom perfume; e a raia miúda, como ele, è que levava por tabela. Mas os contitos de reis até que não faltavam... eventualmente dois ou três anitos na cadeia, era o preço que se pagava por um nível de vida bastante aceitável, sem preocupações...(em continuação, pág. 88, ex. XXVII)

in Visitados
Novembro/1999

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