terça-feira, 29 de julho de 2008

PERCUSSÃO, COMPASSOS NUMA VIDA





Um jovem militar

um maduro cidadão do mundo.

Mafra, 1978- fanfarra da Escola Prática de Infantaria

Aveiro, 2005- baterista do Grupo Voces Carmeli

Dois momentos na vida de um homem, separados já por 27 anos.

Um bombo, uma tarola

A juventude que o levou à meia idade, transportando-o no tempo certo, no contra tempo, no compasso e ritmo, que sempre lhe embelezaram a vida.

Um jovem cidadão do mundo

um maduro militar

Tanto faz! De uma forma ou de outra, o homem continua a ser o mesmo.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

ESTA ALIANÇA DE SÉCULOS








Foi no século XIV que Portugal firmou uma aliança com a Inglaterra, aliança monárquica, que transitou para a nossa República e que chegou até aos nossos dias, aliança essa firmada por intermédio do nosso rei D. Fernando e o rei inglês Eduardo III, em Julho de 1373. Essa aliança teve por finalidade a inter-ajuda entre os dois reinos contra o reino de Castela, aliança essa reforçada, depois, em 1387, com o casamento do novo soberano português, El-Rei D. João I, com D Filipa de Lencastre, pertencente à família real inglesa. D. Filipa de Lencastre, rainha de Portugal e mãe da Inclítica Geração. Preparava-se, então, Portugal, para vir a ser uma grande nação, ocupando o mesmo espaço físico que ocupa hoje, à excepção da cidade de Olivença, que em 1801 perdeu para os espanhóis.
Esta aliança, que já leva 635 anos de existência, começou por respeitar os preceitos de ajuda mútua. Portugal auxiliou a Inglaterra na guerra contra Castela e contra a França, no decurso da Guerra dos cem anos, e os ingleses apoiaram Portugal na decisiva Batalha de Aljubarrota, contra os castelhanos.
Inclitica Geração, da qual se elevou aquele, que viria a dar o impulso para que Portugal se viesse a tornar, então, uma grande potência Europeia e mundial- o Infante D. Henrique, filho de El-Rei D. João I e da Rainha D. Filipa de Lencastre.
Portugal lançou-se na epopeia dos Descobrimentos, disseminou-se pelos quatro cantos do mundo, conquistou novos territórios em todos os continentes, tornou-se numa imensa potência. Durante esse período áureo, a aliança com os ingleses ficou em banho maria. Castela já não representava um perigo para nós. Partilhámos o mundo a meias. Igualávamo-nos como potências mundiais. Até que tivemos a infelicidade de ter como rei D. Sebastião. Álcacer-Quibir chegou em 1578, tenebrosa, monstro que nos roeu as entranhas. E como muito alto tínhamos subido, enorme foi o trambolhão...até hoje.
Perdemos a independência, recuperámo-la...com muito sacrifício, perdas de vidas e a ruína da nossa economia; e os anos foram passando, e Portugal ia vendo as constantes lutas em que se engalfanhavam França e Inglaterra, agora as duas maiores potências. E em função dessas lutas, a Inglaterra, nossa aliada, pediu apoio a Portugal para albergar os seus navios nos nossos portos. E nós, coitaditos, agora pobres diabos, outra coisa não pudemos fazer do que deixar que os navios ingleses se abastecessem e as tripulações recuperassem forças nas nossas águas. Em França, tal gesto foi considerado como um acto de guerra, e aí vieram os franceses, invadindo o nosso país em três sucessivas avalanches, 1807, 1809 e 1810. A Inglaterra fez o seu papel de aliada, e auxiliou militarmente Portugal, nas batalhas que se sucederam.
Mas, aos ingleses, não os movia tanto o espírito da aliança com Portugal, mas antes o interesse em derrotar a França fosse em que território fosse, até porque a França, quatro décadas antes, auxiliara os Estados Unidos da América a tornarem-se independentes do domínio britânico. A corte portuguesa fugiu para o Brasil, os franceses foram derrotados nas três invasões, e os ingleses tomaram conta de Portugal, a seu belo prazer. Deve-se a essa época o facto de o nosso produto nacional, famoso e único em todo o mundo- o Vinho do Porto, nascido da terra rija lusitana e do sol abrasador que torra as encostas do Douro, regado com súor bem português, tenha hoje marcas inglesas como «Offley», «Sandeman» «Tawny», «Post Scriptum»...dá-me que pensar!
Os ingleses por cá se instalaram. Dez anos depois, foi o povo que mostrou aos fracos políticos o quanto ainda podia o espírito lusitano. Em 1820, o Almirante Belfast regressava do Brasil, onde se deslocara para pedir mais poder ao rei português D. João VI, refugiado na colónia brasileira. Trazia poderes para dominar o reino a seu belo prazer. O povo não o deixou desembarcar e deu-se a revolução de 1820.
Os ingleses foram-se embora, mas a aliança manteve-se intacta. 58 anos depois Portugal assina um tratado com a Inglaterra, em que permitiu que a partir de Goa, do porto de Mormugão, fosse construído um caminho de ferro que fizesse a ligação à Indía britânica. Esse acordo, na perspectiva portuguesa, tinha por objectivo o desenvolvimento de Goa. Claro, os inocentes dos ingleses, fizeram esse acordo, a pensar no desenvolvimento da colónia portuguesa!!!!!
Em 1879, novo tratado entre os dois reinos, agora para proibir Portugal de vender armas portuguesas aos Zulus, da África do Sul. Inglaterra tinha fortes interesses no país dos Boers, e os Zulus começavam a incomodar. O comum português não gostou deste tratado, que lesava os interesses económicos de Portugal.
Sete anos depois, em 1886, num convénio celebrado com a Alemanha, Portugal tinha direito ao território africano, que se estendia de Angola a Moçambique, pintado a cor de rosa no mapa de África, tendo existido a oposição feroz da Inglaterra para que tal possessão se efectivasse.
Em 1890, e porque tudo se canalizava para que Portugal tomasse posse dos territórios inseridos no mapa cor-de rosa, posse legítima, na qualidade de descobridor, recebeu Portugal um ultimato inglês, pois tal concessão colidia com os projectos ingleses de criar um império desde a cidade do Cabo até à cidade do Cairo, no Norte de África. Sem dúvida nenhuma, a aliança no seu melhor.
Passaram 28 anos. O mundo mudara para muito pior. A Europa estava a ferro e fogo havia quatro anos. A I Guerra Mundial estava a chegar ao fim. Portugal vira-se forçado a entrar na guerra, em 1916, porque, por pressão dos ingleses, apresara setenta navios mercantes alemães que se encontravam em portos portugueses. A Alemanha declarou guerra a Portugal. Em defesa dos seus interesses, Portugal enviou um Corpo Expedicionário de 30 000 homens para a frente de guerra. A 09 de Abril de 1918 ocorreu a Batalha de La Lys, dia de luto para Portugal, onde numa única manhã, nos terrenos alagadiços de Armentiéres, no Norte de França, muitas centenas de soldados portugueses perderam a vida, quando se encontravam ao lado do aliado inglês, que muito pouco fez para travar a avalanche de tropas alemãs.
E os anos correram. O mundo voltou a mudar de século. A 3 de Maio de 2007, uma menina inglesa, cujos pais passavam férias no Algarve, desapareceu. Madeleine Mccan não mais apareceu. A Policia Judiciária fez as suas investigações, e há poucos dias o caso foi encerrado, sem resultados positivos. Foi triste ver a forma como a imprensa inglesa reagiu perante o arquivamento do processo. Fomos tratados como subdesenvolvidos, os tóinos que produzem o vinho Porto, que depois é comercializado com marcas inglesas.
Esta aliança de séculos, suscita-me a curiosa semelhança a uma sociedade de dois sócios, em que um deles domina o outro completamente, mantendo-o na sociedade apenas e só para que o mais fraco ( não que seja falto de forças, mas porque tem a mente adormecida por misterioso sono) lhe faça os recados.
Eu até sou grande admirador das lendas do rei Artur, do Mago Merlim e do Robin Hood. Tenho que aceitar a história tal como ela é, pois o que não tem remédio remediado está. Não posso e não devo, como cidadão português, é ouvir barbaridades sobre a Portugalidade e manter-me calado.
Que os súbditos de Sua Majestade me perdoem o desabafo, mas é só para que saibam que se as coisas correm assim, não é por vontade do zé povo, que bem se apercebe das jogadas. Ma, se quem tem responsabilidades de tomar decisões as não toma, que pode o zé povo fazer?
Estamos nos primeiros anos do 3º Milénio. Quem sabe, talvez daqui a 635 anos, os manhosos sejamos nós.


domingo, 20 de julho de 2008

A MINHA VELHA COIMBRA


esporadicamente vou à minha cidade. A Baixa e a Alta praticamente que estão imutáveis. A Rua da Sofia, a Praça 8 de Maio, a Visconde da Luz, a zona antiga da cidade (Rua Direita, Rua da Moeda), a igreja solene de S. Bartolomeu, que se situa na Praça do Comércio, são a Coimbra do meu tempo. Lá está a imponente Igreja de Santa Cruz, onde repousam os restos mortais do fundador da nacionalidade.
Na Alta, o Arco de Almedina, as escadas do Quebra-Costas, A Sé Velha, a Rua da Ilha, a Rua da Matemática, as Escadinhas da Carqueija. Ainda existe o edifício que um dia albergou o velhinho cinema Sousa Bastos, de cadeiras de suma a pau, onde fui a muitas matinées. Era então o cinema mais antigo de Coimbra, e como tal, onde passavam filmes de menor qualidade e com as piores condições de conforto; mas qualquer conimbricense que se presasse, tinha de, vez em quando, frequentar o Sousa Bastos. E eu guardo carinhosas memórias daquele cinema.
Nos dezoito anos em que vivi na minha terra, fi-lo sempre afastado do coração da cidade. Vivi em Coselhas, na Rua Figueira da Foz, à Casa do Sal, no Calhabé, no Pinhal de Marrocos, na Conchada e no Bairro da Cumeada, aos Olivais. Mas era na Baixa e na Alta que se desenrolava a vida estudantil.
O café Bocage, principalmente, era o grande pólo de concentração da malta de pasta flexível de cabedal na mão, que tomava uma forma curva, na qual, com mestria, encaixávamos os livros, que sem qualquer protecção se mantinham compactados uns contra os outros, sem que se espalhassem pelo chão. A minha capa de cabedal, era castanha, e em baixo relevo apresentava a figura do Eça de Queiroz. E eu, que até os cadernos diários timbrados pelo Liceu D. João III guardo com orgulho, não sei que sumiço dei àquela saudosa capa. Se a tivesse preservado, teria agora 34 anos e seria um objecto valiosíssimo que enriqueceria o meu património familiar.
No período em que morei na Conchada, quando me dirigia para a Baixa passava pelo estreito e castiço Beco de Montarroio, com as suas casas pequenas e infindáveis estendais de roupa a secar. Tudo o resto se transformou em Coimbra, ares que me são estranhos.
Pode isto parecer um churrilho de palavras patéticas, que apenas falam de sítios de uma cidade...coisa tão banal! Poderá alguém dizer: e ocupa este gajo de 52 anos de idade espaço à blogosfera portuguesa, com esta porra de nomes de ruas...
Poderão alguns pensar assim. Mas é importante para mim que Coimbra se não esqueça deste seu filho, que a não habita há 34 anos, mas a mantém viva no peito. E que melhor forma de o fazer do que lhe trazer à memória as suas veias antigas. Coimbra lê estas palavras e pensará: nao há dúvida, só um filho meu conheceria estes meus pequenos cantinhos.
Para quem nasceu, viveu e continua a viver em Coimbra, pouca ou nenhuma importância dá ao facto de, em tempos ter andado por Montarroio, porque por lá continua a passar diariamente. Mas para mim, que por lá não passo há três décadas, é importante que se saiba que eu sei da existência de Montarroio.
Coisas que a saudade provoca, que o presente despreza, mas que o passado agradece.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

OS CONDES DE ABRANHOS DO SÉC. XXI

«O Conde de Abranhos», sátira política bem à maneira do nosso imenso Eça de Queiróz, narra, essencialmente, a ascensão de um provinciano, Alípio Abranhos, criado, por caridade, por uma tia rica, em terras minhotas, desde o seu profundo provincianismo, passando pela Universidade de Coimbra, até ministro do reino, com a pasta da marinha, ascensão essa apenas possível por ter casado com a filha de um desembargador, dono de uma imensa fortuna, que além de ser dono do seu dinheiro, dizia que também era dono dos ministros. Do genro, tinha a concepção de ser um inútil, um ladrão que lhe chupava toda a fortuna, um «pancrácio».
Pelo meio, ao jeito da pena profundamente critica e extremamente humorística do Eça, passeamo-nos, na obra, no seio dos deputados deputedo do reino, já que deputados de política pouco interessados estão em ser. E é nesse ambiente, que os deputados, no hemiciclo, medem forças, não nas ideias para desenvolver o reino, mas antes nas capacidades de oratória, aveludando as suas palavras ocas com elaborados preceitos de estilo. Vence no «combate político» o que mais fizer vibrar a veia literária dos iluminados deputados, pouco lhes importando se através das palavras proferidas o reino avance.
A obra é de uma acutilância sublime. Parabéns à RTP, que finalmente conseguiu traduzir para a tela todo o espírito que se encerra em Eça de Queiroz, produzindo uma excepcional série baseada no romance »O Conde de Abranhos». Parabéns a todo o elenco, que foi prodigioso, com especial relevância para os actores que protagonizaram as personagens de Alípio Abranhos-«O Lipinho», e o seu secretário Zagalo, o olho da razão, a mente que na sombra ridiculariza todos os outros personagens, incluindo o doutor do «é notável...é notável».
Mas na mesma televisão divirto-me, quando ouço comentadores políticos dizerem que será interessante ver quem, na Assembleia da República, ou num qualquer debate, o irá vencer.
O medíocre, parasita e incompetente Alípio Abranhos, que nada percebia de barcos, quando foi nomeado ministro, deram-lhe a pasta da Marinha. E a primeira grande medida que idealizou tomar em mãos, que proporcionasse o desenvolvimento da marinha portuguesa, foi o de fazer uma grande expedição ao Pólo Norte, com a aprovação sarcástica do seu secretário Zagalo.
Não sei porquê...a sério que não sei, mas em muitos debates politicos que vejo, sorrio e vem-me à memória «O Conde de Abranhos». Será idiotice minha, ou existirão na nossa praça muitos condes de abranhos? Decerto que é idiotice minha, pois a politica que se faz no meu país é de fazer inveja a qualquer um...


sexta-feira, 11 de julho de 2008

ARMENTIÉRES, 9 DE ABRIL DE 1918 (CONTINUAÇÃO)


O senhor Major Joaquim Sérgio, guardava na memória, há 63 anos, o momento em que saltou o parapeito da sua trincheira, com o seu pelotão, para fazer frente aos soldados alemães que se aproximavam. Nesse mesmo momento, um seu cabo, bravo soldado, foi literalmente cortado a meio por uma rajada de metralhadora, regressando o corpo, já sem vida, á profundidade lamacenta da trincheira, esguichando sangue por vários orifícios de bala. No final da batalha, o sargento Joaquim Sérgio, acompanhado por alguns camaradas, conseguiu sair do pântano de Armentiéres, pejado de milhares de corpos de soldados ingleses, alemães e portugueses. O sargento Joaquim Sérgio deambulou três dias pelo Norte de França, mitigando uma côdea de pão com que matar a fome. Mas os franceses, convencidos de que a derrota se devia à má prestação dos soldados portugueses, negavam-lhes esse auxílio. Só ao terceiro dia, após a batalha, é que a verdade foi reposta. As Divisões inglesas não haviam ocupado as posições que lhes estavam determinadas. E foi por esse buraco que se infiltraram os soldados alemães. Foi uma narrativa carregada de emoção e amargura, 63 anos depois. Eu, naquela tarde, estive na presença de um herói nacional. Quem falava comigo era o jovem sargento Joaquim Sérgio. Eu tomei conhecimento da batalha de La Lys, quando comprei uma colecção de livros que preservo como um grande tesouro. Mas eu estudei História de Portugal. Pergunto: porque razão me não foi ensinado a ocorrência desta batalha, que afinal ocorreu num tempo relativamente próximo do meu? Que história aprendemos nós? Aprendemos que tivemos combatentes portugueses na I Guerra Mundial, mas tudo nos surge de forma difusa, nebulosa. E na nossa história encontramos outros exemplos, escandalosos, de completo esquecimento sobre factos e gente, a nossa gente, que neles tiveram intervenção directa. Não chega sabermos que soldados portugueses combateram na I Grande Guerra. É preciso que, ao olharmos para os monumentos aos nossos mortos da Grande Guerra, o fazermos com respeito, muito respeito, porque tal como os nossos soldados, actualmente, se encontram em missão, em vários pontos do planeta, representando a nossa bandeira, também esses combatentes de Armentiéres foram para França defendendo a mesma bandeira que é a nossa.
Em conversa com uma pessoa conhecida, cidadão português tanto quanto eu, conversando sobre estas coisas, disse-me ele: «já muita vez perguntei a muitas pessoas, porque razão é que a rua onde moro se chama 9 de Abril de 1918, e nunca me souberam esclarecer a dúvida».
Servem estas palavras para prestarem homenagem a todos os soldados portugueses, caídos em combate na I Guerra Mundial, e com especial incidência aos soldados portugueses, que há 90 anos, na Batalha de La Lys, pereceram. Todos eles foram meninos de suas mães, bisavós, trisavós de muito do nosso actual tecido social, mortos em La Lys, a nossa última grande batalha.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

ARMENTIÉRES, 9 DE ABRIL DE 1918


Em praticamente todas as cidades portuguesas existe um monumento aos combatentes da Grande Guerra. Sintoma de que Portugal não esqueceu os seus filhos, combatentes mortos durante a I Guerra Mundial. Mas hoje em dia, todo esse drama se esbateu no tempo. Já vivemos num outro século, que não aquele onde se deram esses acontecimentos de horror. Muitos de nós já nem sabe bem qual o significado desses monumentos, envoltos numa enorme solidão, que na generalidade representam soldados com um capote vestido, capacete na cabeça, e uma espingarda com uma baioneta acoplada. Aveiro, a cidade onde vivo, apresenta uma dessas estátuas, com uma forte e fúnebre simbologia.
Mas, afinal, que combatentes foram estes? Onde combateram? Onde morreram?
A acção que iria determinar a sua morte, ocorreu no dia 9 de Março de 1916, data em que a Alemanha declarou guerra a Portugal, por o nosso país, sob pressão da Inglaterra, ter tomado posse de 70 navios mercantes alemães, que se encontravam refugiados em portos portugueses. Com esta tomada de posição, Portugal entrava, formalmente, na I Guerra Mundial.
Nesse sentido,
em Julho desse mesmo ano foi formado, em Tancos, o Corpo Expedicionário Português, composto por 30 000 homens, cujo 1º contingente partiu para França em 30 de Janeiro de 1917, sob o comando do General Gomes da Costa. Em 23 de Fevereiro partiu o 2º contingente.
O tempo correu célere. O cheiro acre a sangue impregnava a Europa e a África, onde Portugal marcava também posição, lutando pelas suas províncias ultramarinas. Lentamente, contando-se as horas, os dias, de forma muito sofrida, se chegou a Abril de 1918. Se o soubessem, se o pudessem adivinhar, teriam aqueles homens dito que afinal se chegara a Abril de 1918 rapidamente demais.
No início desse Abril, a Primavera foi encontrar milhares de soldados portugueses, no Norte de França, na Flandres, numa frente de combate, com 55 quilómetros de extensão e apertadas trincheiras, entre as povoações de Gravelle e Armentiéres, incorporados num exército de 84000 homens, entre portugueses e ingleses. Havia mais de um mês que padeciam os efeitos do fogo esporádico do inimigo alemão, do outro lado das trincheiras, a 200 metros de distância, e o sacrifício de arrastarem os seus dias, empapados e enregelados pela lama sempre presente, pois ali eram terrenos alagadiços, efeitos do rio La Lys que os atravessava.
Ás tropas portuguesas tinha sido anunciado que a 9 de Abril iriam ser rendidas por batalhões britânicos. Os nossos soldados exultaram de alegria. A rendição prolongar-se-ia por dois dias. O Corpo Português encontrava-se colocado, há longo tempo, nas trincheiras lamacentas do sector de La Bassée. Subitamente, ás 04:15 da madrugada do dia 09 de Abril de 1918, o exército alemão irrompe num violentíssimo fogo de artilharia sobre as posições anglo-lusas. Os nossos soldados, a quem fora prometida a rendição para esse mesmo dia, não querem acreditar no que está a acontecer. Qual a razão daquele ataque? Sabe-lo-iam três horas e trinta e cinco minutos depois. Pelas 07:50, as tropas alemãs, a coberto do fogo cerrado da sua artilharia, saltam os parapeitos das suas trincheiras, e avançam sobre o sector de La Bassée em três vagas de assalto. Perante a persistência da artilharia inimiga e agora do ataque da infantaria, as linhas portuguesas começam a ceder terreno. Mais para trás, as tropas tentam fazer frente ao avanço do inimigo alemão, mas com a frente de batalha a ceder terreno ao inimigo, a situação torna-se insustentável. Resiste-se o que se pode e como se pode. E de qualquer forma se morre. As linhas de tropas britânicas, que envolviam o sector de La Bassée também cederam; e por aí se infiltraram milhares de soldados alemães, que pela retaguarda atacaram o exército português, que assim se viu completamente rodeado pelo exército alemão. Ordens bem expressas foram emitidas para a frente de combate, para que os nossos soldados resistissem, pois rapidamente iriam receber o apoio das tropas inglesas. Apoio esse que nunca chegou. Obedecendo corajosamente ás ordens recebidas, muitos dos nossos soldados pagaram com a vida essa tenaz, mas inútil resistência, imobilizados nos parapeitos das suas trincheiras, tentando ripostar o mais eficazmente que podiam. Os soldados portugueses tudo fizeram para tentar suster o avanço alemão. Em três outros sectores- La Couture, Neuve Chapelle e Fauquissart, tentaram recuperar posições, mas onde deveriam estar soldados britânicos, encontraram entrincheirados soldados alemães.
A 2ª Divisão portuguesa, constituída por 7500 homens, no sector de La Bassée, numa frente de combate de doze quilómetros, foi atacada por oito divisões alemãs, tendo sido completamente aniquilada, entre mortos, feridos e prisioneiros.
Não muitos foram os portugueses que saíram incólumes desta batalha. Mas dos poucos, tive a feliz oportunidade de conhecer ainda um, em 1981, um senhor com 83 anos de idade, major na reforma, que no dia 09 de Abril de 1918, em Armentiéres, na Batalha de La Lys, era um jovem sargento com 20 anos de idade. Era de seu nome Joaquim Sérgio. Naquela tarde do verão de 1981, numa inflamada descrição no café Marcampo, em Alfeizerão, o senhor Major Joaquim Sérgio, com os olhos brilhando de emoção, como que rejuvenescido durante o tempo que durou a nossa conversa, que em 9 de Abril de 1918 era o jovem sargento Joaquim Sérgio, da 2ª Divisão do exército português, no sector de La Bassée, descreveu-me toda a batalha, tal como a fonte em que me baseei para a descrever agora. E deu-me a conhecer outros pormenores, momentos guardados apenas na memória de quem lá esteve, pois a história, por mais profunda e exacta que seja, não é capaz de os preservar, pois esses momentos são humanos, e a história é uma ciência.

terça-feira, 1 de julho de 2008

APOLO 11

Era uma vez um miúdo de treze anos, que vivia numa casinha pequena, encarrapitada no alto de uma enorme escadaria, em Coselhas, Coimbra. Vivia ele então o verão de 1969.
Naquela casinha viviam com ele três pessoas: o pai, uma senhora que vivia com o pai, sem no entanto estar casada com ele, e a filha dessa senhora, que tinha então dezassete anos. Esse miúdo não era feliz...não, não era. Era até muito infeliz, infelicidade grande demais para a sua pouca idade. O seu pai não se apercebia da sua enorme infelicidade, porque o desprezo de que o miúdo era vítima era-lhe muito bem escondido, e o miúdo, inocente, não tinha capacidade para transmitir ao pai o quanto sofria. No entanto, naquela casa, tinha um amigo, o seu gato «Corredor», que o ajudava a suportar as humilhações a que era sujeito pela dita senhora, a «D. Obscura», e pela sua filha. Naquela casa era um miúdo sem direitos, descriminado, tal como a Gata Borralheira. Um dia, ao chegar a casa, vindo das aulas, encontrou o seu querido gato morto. Fora envenenado.
Mas o miúdo estava atento ao que se passava no mundo. Por essa razão ouviu dizer que o homem se preparava para ir à lua. Conforme podia, ia seguindo as notícias sobre esse tema. O seu interesse sobre a questão, deu-lhe a oportunidade de saber que o homem iria aterrar na lua no dia 21 de Julho. A televisão portuguesa iria dar em directo a aterragem. O miúdo preparou-se e montou uma esquema para, sem que na sua casa o percebessem, poder assistir em directo àquele momento fascinante. Dormia na sala, num sofá que lhe servia de cama, onde se encontrava uma pequena televisão. Nessa noite deitou-se, tendo o Corredor por dentro do lençól,e fingiu que adormecera. Quando sentiu que a casa estava em total silêncio e que todos dormiam, o miúdo levantou-se, dirigiu-se à janela da sala, movimentando-se cuidadosamente para não fazer qualquer tipo de barulho e abriu-a.
A noite estava escaldante. Acendeu a televisão, pondo o som ao mínimo, mas de forma a poder ouvir o que se dizia. O jornalista que comentava as imagens era o José Mensurado. O miúdo ficou pregado ao ecrã. Da nave orbital, em que seguiam três astronautas, era já bem distinta a superfície lunar. A nave aproximava-se rapidamente da superfície do satélite da Terra.
E então, pelas 3 horas da madrugada do dia 21 de Julho de 1969, o miúdo viu um outro aparelho, um módulo lunar, desprender-se da nave e descer em direcção à superfície lunar. Era ocupada por dois dos três astronautas. O módulo descia na vertical. Umas enormes pernas sairam do aparelho, dando-lhe a forma de um aranhiço, e poisou muito suavemente. ouviam-se nitidamente as vozes dos astronautas. O miúdo correu para a janela, esquecendo do lugar em que estava, olhou para o céu e viu a lua. Naquela bola brilhante, naquele preciso momento, estavam dois homens. Aos olhos do miúdo afloraram-se-lhe umas lágrimas de emoção. Voltou à televisão. Uma escotilha abriu-se, surgiram umas escadas de dentro do aparelho, e um astronauta, com o seu formidável fato espacial, desceu as escadas, e muito cuidadosamente, colocou um pé no solo lunar. Neil Armstrong tornava-se o primeiro homem a pisar solo lunar, o Mar da Tranquilidade. E disse então uma frase, na sua voz transformada pela distância, que o miúdo considerou ser de uma beleza infinita: «um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade». Depois desceu o segundo astronauta, Edward Aldrin. E os dois saltaram, leves como duas penas, pela imensa superfície da lua. Cada salto que davam, elevava-os a uma altura extraordinária. O miúdo estava extasiado.
Hoje em dia o miúdo tem cinquenta e dois anos e anda por aí. Na sua memória guardou aquele verão de 1969, o mais infeliz da sua vida, mas na carinhosa recordação do seu grande amigo Corredor, guarda também na memória aquele postigo de muita felicidade, que se lhe abriu, naquela noite quente de Julho.
Sempre que se fala do homem na lua, o homem de 52 anos recorda, com orgulho, que na época em que foi miúdo, e contra todas as adversidades, lutou por assistir, e conseguiu ver em directo a missão da Apolo 11 a concluir a enorme Odisseia no espaço.
Porque foi corajoso, mereceu o prémio: o de fazer parte dos homens, a nível planetário, que em directo viram o primeiro ser humano a pôr os pés na lua.
Apolo 11 é para o homem de 52 anos significado de tanta coisa...