domingo, 12 de junho de 2016

REMOÇÃO DE UM GRANDE MONTE DE ESCOMBROS TEMPORAIS

...Finalmente ia visitar Alfeizerão, a terra onde tivera lugar o grande caso que ultimamente o trazia deveras interessado. Ele, na qualidade de advogado, se auto-nomeara defensor dos interesses do pequeno Carlos Avilar. Uma tremenda atrocidade fora cometida. Duplo crime, seguido de posse fraudulenta de uma herdade. Todo este embuste só fora possível graças à tremenda confusão em que o país mergulhara após a implantação da república. E em todo aquele processo incluía-se a conivência do funcionário da conservatória, que forjara um documento falso. Não deveria ter sido pequeno o suborno. O tal funcionário, responsável na altura pela entrada do documento, demitira-se havia alguns anos e desaparecera de Alcobaça. Graças à sua actividade de homem de leis, conseguira Américo Afonso ter acesso ao documento e até copiá-lo, quando explicou que estava em jogo o futuro de uma criança. Mas tudo isto precisava de ser provado. E também carecia de prova a relação de parentesco entre o Carlos e o antigo morgado. Por isso ali ia o jovem advogado, no propósito de conversar com alguém em Alfeizerão, que lhe pudesse fazer luz em relação à penumbra que tornava obscuro todo o conhecimento sobre a maneira pela qual o senhor Barreto Raposo se tornara dono da tal herdade.

Américo Afonso ia extremamente confiante. Conduzindo a sua recente aquisição, só possível dada a razoável fortuna de seu pai, doutor Sebastião Afonso, sentia-se um triunfador. E quando pensava na alegria expressa pela sua deslumbrante Luísa, quando soube que ele ia abraçar a causa do pequeno Carlos Avilar, então sentia-se com a força de Hércules para remover todos os escombros do tempo, um grande monte, com doze anos de mentiras...(em continuação, pág. 122. ex. XLVII)
in Quando Um Anjo Peca
Março/1998