sábado, 23 de janeiro de 2016

EFG, A CASA ONDE OS ESPELHOS MENTEM

...Com o passar dos dias, Serôdio foi conhecendo melhor o ambiente que o rodeava. Se fizesse um paralelismo com a E.P.I. de Mafra, poderia dizer que na E.F.G. de Torres Novas tinha melhores instalações, a alimentação era de melhor qualidade, servida num único e enorme refeitório. Mas continuava a existir o espírito militarista, com a agravante de que os oficiais de Torres Novas, muito distantes da formação técnica e cultural dos oficiais de Mafra, a Serôdio não conseguiam transmitir fosse que mensagem fosse. Nele apenas residia a vazia convicção de que os oficiais de Torres Novas (chefes de esquadra, segundos comissários e comissários) eram uns analfabetos e pobres de espírito, que tendo atrás de si um passado com uma existência amorfa e intelectualmente atrofiada, não tinham a mente suficientemente desenvolvida para carregarem aos ombros o peso de galões. Quando fardados se olhavam ao espelho e viam o reluzir dos galões nos ombros, deveriam ficar deslumbrados com a sorte que a policia lhes proporcionara. Mas o seu vínculo com a classe de oficiais ficava-se por aí, porque de oficiais apenas tinham os galões, a cor ligeiramente diferente do blusão e o ordenado. Interiormente continuavam a ser os brutos de espírito e intelecto que toda a vida haviam sido...(em continuação, pág. 84, ex. XXXI)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003

domingo, 10 de janeiro de 2016

XIII JANELA SOBRE O MEU PAÍS- O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA

Alcobaça, pequena cidade do Distrito de Leiria, detém um monumento incluído na lista de bens do património mundial da UNESCO- o Mosteiro de Alcobaça.
Fundada em 1153, a Abadia de Santa Maria de Alcobaça, obra-prima de arte gótica, foi idealizada pelo nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, como agradecimento pela conquista de Santarém aos mouros, em 1147, e que a doou à Ordem de Cister, pelo que o Mosteiro de Alcobaça está profundamente ligado ao início da monarquia portuguesa.
Do imenso espólio existente no Mosteiro de Alcobaça, destacam-se dois túmulos, das mais belas esculturas funerárias em estilo gótico que existem: os túmulos de Inês de Castro e D. Pedro I, que ali foram depositados cerca do ano de 1360, que nos cantam o encanto de um romance impossível, que de forma tão trágica terminou.

Mosteiro de Alcobaça, uma verdadeira pérola arquitectónica de Portugal.

domingo, 3 de janeiro de 2016

A «CÁTEDRA» DE TORRES NOVAS

...Serôdio começou com as aulas. Para cada pelotão havia uma sala e três formadores: o comandante de pelotão, que era um chefe de esquadra, e dois ajudantes- um primeiro subchefe e um segundo subchefe. Depois, cada disciplina tinha o seu professor. As disciplinas estavam divididas em duas áreas: a área técnica e a área cultural. Na parte técnica existiam entre outras, as disciplinas de Serviço Policial Urbano (S.P.U), Trânsito, Manutenção da Ordem Pública e Código Penal. No que dizia respeito à área cultural, eram ministradas as disciplinas de Português, História e Ciências.
         Que desolação!! O 25 de Abril acontecera havia nove anos. A sociedade portuguesa evoluía rapidamente. No entanto a Policia de Segurança Pública estagnara. E que outra coisa se poderia esperar, tendo em conta o nível académico daqueles professores? Eram homens completamente iletrados, que cientes do nível baixo de ensino dos seus alunos, tomavam uma postura estúpida e arrogante de grandes catedráticos. Mas se sabiam existir no seio da pobre turma, esmagada pelos seus profundos conhecimentos, um guarda provisório com o sétimo ano do liceu, reprimiam-no o mais que podiam, nunca lhe dando a palavra.
         Um dos primeiros conselhos que Serôdio guardou na memória, não para o seguir, mas antes para o contradizer, pois na sua concepção era precisamente por ali que se iria iniciar a mudança, foi dado por um subchefe alentejano na disciplina de Serviço Policial Urbano. Dizia ele:- « na rua, a melhor arma do policia é a caneta. A gente não fala com os transgressores, só escrevemos». Para quem não tinha poder de conversação, nem dispunha de argumentos para desfeitear aqueles, que a todo o custo, pretendiam demonstrar que a razão nunca estava do lado da policia, aquele talvez fosse um bom conselho. Mas ele nunca o iria seguir, nunca fugiria ao diálogo, porque sabia dialogar e não estava interessado em ser analisado como mais um que engrossaria «a anónima e obtusa massa cinzenta, que feria a sensibilidade democrática de Portugal», como anos antes lera num artigo de jornal, no qual o ignóbil articulista se referia à PSP. Mas onde Serôdio se sentiu vivendo num perfeito paradoxo, foi quando lhe foram leccionadas as disciplinas de âmbito cultural. Mas que português era aquele, onde se não passava das noções elementares de gramática e dos acabrunhantes ditados, que o fizeram recuar aos seus longínquos tempos de meninice!? Que história era aquela, onde o professor sepultou D. Afonso Henriques no Mosteiro de Alcobaça e colocou o Santo Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, ao serviço de el-rei D. João II!? E que raio de ciências eram aquelas, onde o digno professor, não tendo a menor noção do que era uma célula, mas teimosamente apostando nos seus conhecimentos de biologia, numa memorável aula, sentenciou as baleias a viverem eternamente com células de dez metros de diâmetro!?

         Tanta estupidez junta era impossível existir, mas existia na E.F.G. em Torres Novas...(em continuação, pág. 83- ex. XXX)
in Filhos Pobres da Revolta
Março/2003