domingo, 18 de janeiro de 2015

NOTAS AMADORAS DE UMA HISTÓRIA QUE TAMBÉM É MINHA: 711- BATALHA DE GUADALETE- O INÍCIO DE UMA NOVA ERA

710- Península Ibérica- quando Rodrigo é eleito rei dos Visigodos, o domínio visigótico na península está a chegar ao fim, tendo Rodrigo sido o seu último rei.
No ano seguinte, 711, os berberes (povo oriundo do Norte de África, convertido ao islamismo), comandados por Taric, derrotam  o rei Rodrigo na batalha de Guadalete, que teve lugar no dia 31 de Julho de 711, nas proximidades do rio Guadalete, na Andalúzia, no sul da Península Ibérica, dando-se assim início á islamização da península.
Três anos depois, em 714, Coimbra é conquistada pelo Emir Abd Al-Aziz.
Três anos depois, em 717, mais para sul, os berberes iriam fundar um pequeno povoado, que 1298 anos depois dá pelo nome de Alfeizerão, na Estremadura Oeste do nosso país.

Uma nova era começava no território que alguns séculos depois viria a ser Portugal. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

NA SOLIDÃO DE UM CASEBRE...A VASTA ANGÚSTIA DA GUERRA

...O casebre que servia de moradia a António Avilar encontrava-se ligeiramente mais acolhedor, se é que este termo podia ter significado naquela pobreza. Lucinda e o padre José Soares encarregaram-se de levar algum conforto àquelas paredes feitas de desilusão. A enxerga velha e apodrecida fora substituída por uma pequena cama já bastante usada, feita de ferro, pintada de branco, apresentando aqui e ali o sobressair castanho da ferrugem. Um velho colchão de palha, ao qual fora previamente mudada a palha, completava a cama. Três cobertores castanhos com riscas transversais vermelhas, serviam para defender do frio o corpo cansado do morador. Uma bacia branca, colocada num suporte próprio e um jarro também branco, eram a maior utilidade e a única decoração daquele local. Fora improvisada uma lareira a um dos cantos do casebre. Bem útil era. Atenuava o frio que teimosamente entrava pelas frinchas existentes entre as velhas tábuas que davam forma àquele abrigo.
Estava-se em pleno Novembro. O Outono tornara-se mais frio. A noite envolvia todo o casario trabalhador da herdade Vila de Ló. Através da escuridão plena divisava-se o vermelho vivo e quente das brasas, que piedosamente na lareira aqueciam o ar do pobre casebre. Lá fora o vento soprava forte e o céu molhava a terra com chuva intensa, que abatendo-se sobre Alfeizerão, fazia a água escorrer sobre o telhado da pobre habitação de António Avilar, criando bicas, tantas quantos eram os regos côncavos formados pelas telhas.

António Avilar dormia na velha cama. Dormia um sono agitado. Repentinamente acordou e encontrou-se sentado na cama. O seu rosto fortemente barbado suava. Levantou-se e tacteando com as mãos encontrou a caixa de fósforos que procurava. Acendeu a vela de sebo e com o mesmo fósforo acendeu ainda um cigarro. Inalou profundamente o fumo do tabaco. Estava deveras pensativo, incrédulo, preocupado, confuso. Acabara de ter um pesadelo. Mas não fora um pesadelo normal. Sentia que algo o avisara contra um perigo iminente. Um homem que ele nunca conhecera, vestido de preto e calçado com botas de montar, surgiu-lhe repentinamente quando ele trabalhava perto dos seis carvalhos. Agarrou-o por um braço e velozmente, não compreendendo como, se dirigiram ambos para o solar. Quando lá chegaram, o tal homem desapareceu e António Avilar ficou ali, especado, observando uma daquelas coisas esquisitas com quatro rodas a que chamavam automóvel, que ali se encontrava parado. Subitamente, por detrás do automóvel apareceu o mouro, que logo montou naquela coisa, tendo-se esta de imediato posto em movimento. O mouro berrava e com a cimitarra cortava o ar, encetando uma feroz perseguição ao desgraçado do António Avilar. Este corria, corria imenso, olhando de vez em quando para trás. Subitamente, da retaguarda do automóvel surgiram soldados alemães que com as baionetas brilhantes ao sol ajudavam na perseguição. António Avilar queria fugir para algum local seguro, mas tudo se transformara num enorme deserto. Só existiam ele, o automóvel, o mouro e os soldados alemães, que progressivamente se aproximavam. Nesse momento o sol tornou-se também seu inimigo, ferindo-lhe os olhos e retirando-lhe força às pernas para prosseguir a fuga. Caído no chão, sem protecção, viu horrorizado o automóvel aproximar-se, tendo por ocupante o mouro, de olhos injectados de ódio, clamando por sangue. Quando o automóvel estava prestes a alcançá-lo, acordou...(em continuação, pág. 117, ex. XLIII)
in Quando Um Anjo Peca

Março/1998

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

ESTE PODEROSO CHARLIE

«Não há machado que corte
a raíz ao pensamento
não há morte para o vento.
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida.
Nada apaga a luz que vive
no amor num pensamento
porque é livre como o vento».

Manuel Alegre

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

UM REI SEM CONCENTRAÇÃO DO PODER- UMA IDEIA PROBLEMÁTICA

...Dois dias depois regressei a casa do Conde de Cértima. A aplicação atempada dos unguentos no braço dorido era fundamental para que surtisse o efeito desejado. Ao reentrar naquela casa, tive a perfeita noção de que, muito acima do médico, quem ali entrava era o homem, pois os meus olhos procuravam avidamente a figura esbelta de Maria Clara.
         A governanta recebeu-me com o seu ar cândido, um semblante que denunciava também o resgate de uma desculpa. O seu olhar não transmitia felicidade, antes uma necessidade imensa de se encontrar consigo própria. Eu sentia-o, sem no entanto o perceber. Aquela casa transmitia à existência feminina, ali presente, um não sei quê de enigmático.
         D. Rodrigo Corga recebeu-me com a ânsia normal que o doente denota pela presença do médico, em quem deposita a esperança da cura da doença que o apoquenta. Mas era apenas isso. O nosso relacionamento baseava-se somente, pelo lado dele, na necessidade de ser curado; e pelo meu lado, pôr em prática os meus conhecimentos para curar. Da parte dele não tinha havido ainda uma palavra calorosa, que denunciasse a vontade de querer conversar comigo, como homem. E isso intranquilizava-me, pois tornava Maria Clara cada vez menos acessível. Teria de tomar uma atitude, pela qual me fosse permitido entrar ali mais vezes e de forma mais hospitaleira. Teria de saber ultrapassar a oposição a esse meu anseio, que residia na pessoa do filho do Conde de Cértima. Ainda o não tinha visto. Por isso, enquanto fazia a aplicação dos unguentos, perguntei:
- E o filho de Vossa excelência, o senhor Pedro Corga?
- O meu filho já regressou aos seus afazeres militares. Foi-se embora ontem à noite.
- E vai a cavalo até ao Porto?
- Não. O exército tem constantemente em deslocação carruagens para transmissão de ordens e de outras questões militares. Na Mala-Posta o meu filho tomou uma carruagem que saiu do Regimento de Infantaria de Coimbra e foi para o Porto. Claro está que a esta possibilidade de transporte apenas têm direito os oficiais. E bem se vê que a arraia miúda não precisa dela, pois o seu burgo está sempre próximo do seu regimento. Agora com os oficiais a história é outra. Não existem assim tantos e têm de ser colocados onde é preciso; e ultimamente as movimentações da tropa têm sido constantes. Isto de surgir no reino a ideia de que o poder não deve estar apenas concentrado no rei, só trouxe problemas. E o que é mais assustador é saber que o próprio rei aderiu a esses ideais. Como sabe, acabou por expulsar o infante D. Miguel do reino, não se sabe muito bem qual o paradeiro da rainha, a senhora D. Carlota Joaquina… e segundo diz o meu filho, tudo isso está a provocar divisões no seio do próprio exército.
- Compreendo, excelência – disse eu, sem levantar os olhos do trabalho que estava a executar.
- Diga-me doutor, e que mal lhe pergunte, de que lado está?

- Excelência, se um rei souber ser justo, se através da coroa que lhe adorna a cabeça tiver amor pelo seu povo, não me faz diferença que o poder seja só dele. Afinal é Deus que lho confere...(em continuação, pág. 40, ex. XVIII)
in Alma de Liberal

Junho/2009