sábado, 30 de novembro de 2013

NA REMOTA PICADA DE UM IMPÉRIO DECADENTE

...Já o aquartelamento do Ninda se avistava ao longe, um pequeno rectângulo de construções simples e práticas, quase engolido pela imensidão verde que o rodeava, quando sobre a coluna se abateu mais uma intensa e tropical cortina de água. Álvaro ajeitou melhor o quico à cabeça, de modo a que a pala protegesse os olhos da impetuosidade da chuva. Vá lá, vá lá, que só a iam sofrer por algumas centenas de metros. Mas realmente, que raio de missão fora aquela?! Muito tinha que contar à sua loirinha. Quem efectivamente seriam aqueles três fulanos? De uma coisa ele estava certo, eles è que lhe denunciaram a emboscada. Eles è que o ajudaram a convencer o capitão Rebelo a aceitar aquela informação de proveniência tão duvidosa. Eles trabalharam para que as duas partes não sofressem mortos nem feridos. Inequivocamente eles queriam a paz e não a guerra. Mas eles...eles quem? Quem eram? Porque razão o escolheram a ele? Porque motivo haveria alguém de, num planeta manchado por imensos focos de guerra, usar tamanhos artifícios para instalar a paz naquela remota picada de um império decadente?
         A coluna avançava para o Ninda. Que viesse o rancho melhorado, pois ajudaria à alegria e festa existentes naqueles corações guerreiros, ansiosos pela paz. Assim se tivesse feito toda a história militar de Angola, e não teria havido razão na saudade permanente, vinculada à ondulação branca de um triste lenço no porto de Lisboa...(em continuação, pág 85, ex. XXV)

in VISITADOS

Novembro/1999

domingo, 3 de novembro de 2013

COMBATENTE DO ULTRAMAR AINDA HÁ QUEM TE RECORDE

Há poucos dias fiz uma viagem de combóio entre Lisboa e Aveiro. Estaria eu sentado no meu lugar havia pouco tempo, quando surgiram dois senhores, aparentando os seus sessenta e cinco a setenta anos, muito bem dispostos, um deles deslocando-se com o auxílio de canadianas. Sentaram-se nos lugares a seguir ao meu. E foram duas horas de acalorado diálogo, num passeio por vezes alegre, outras bem triste, pelo manancial riquíssimo da memória.
Moeda, no norte de Moçambique, foi o cenário. Soldados portugueses, unimogues, berliets, picadas, g3, granadas, rebentamentos, emboscadas, «os gajos», o maiombe africano, ferimentos, o sangue, a morte, lágrimas, desilusão, amargura, sofrimento de uma geração, foi o passeio de duas horas em que, inadvertidamente, fui incluído. Memórias tão presentes, tão cheias, tão nítidas, tão frescas, que, como eles recordaram, já levam 48 anos (1965).
Uma conversa que, daqui a mais duas ou três décadas, será impossível de ser ouvida em Portugal, quando tiverem desaparecido os últimos veteranos da guerra do ultramar. Um drama que vai sendo contado aos poucos, em livros que vão sendo publicados, escritos por quem o viveu, tal como estes meus dois companheiros de viagem, a quem tive vontade de dar um grande abraço, apenas não o tendo feito por vergonha.
A Guerra do Ultramar, um sacrífico de treze anos, de toda uma geração, tão esquecido, tão relegado para o desprezo pela nossa actual sociedade.

O 25 de Abril, além de nos trazer a democracia (coitada dela), devolveu-nos também a esperança na vida, uma questão que a juventude portuguesa actual simplesmente não entende.