segunda-feira, 31 de agosto de 2009

SAUDÁVEL BANHO DE SENTIMENTO PORTUGUÊS




Não podia deixar de escrever algumas palavras após a leitura de um livro, que de forma acidental me veio parar ás mãos. Achei-o extraordinário por várias razões. É um livro de investigação histórica, a história de Portugal. Uma apresentação como até agora não tinha lido. Uma perspectiva deliciosa. E, fundamentalmente, porque o seu autor é um português com apenas 32 anos de idade, o que considero fantástico, levando em conta que considero que os portugueses, e principalmente os jovens, estão-se a desligar das raízes que fazem deles portugueses. Pior: vai-se considerando que ser-se português é uma infelicidade.
Pois muito bem- este livro faz renascer o orgulho lusitano. Portugal é visitado desde o paleolítico, com a descoberta do menino do Lapedo, esqueleto encontrado na região de Leiria com 25 000 anos, abordando de seguida os ancestrais tempos dos Celtas, passando pelas lutas que Viriato e o povo lusitano manteve contra o Império Romano, passando pelas influências visigóticas e árabes, entrando pelo início do Condado Portucalense, de forma profunda, acompanhando a explicação com a revelação fantástica de que a independência de Portugal, foi, de certa forma, um projecto templário, pois que o Conde D. Henrique era familiar chegado do então Mestre da ordem dos cavaleiros do Templo, apelidando D. Afonso Henriques um rei templário, um Portugal Templário- fascinante!
Estou a tender para me deixar ir, mas não o quero fazer, porque alongaria demasiado esta abordagem.
Neste livro o início da nossa independência, em 1143, é tratado de forma entusiástica. D. Afonso Henriques vive nas suas páginas, bem como Gualdim Paes, Mestre da Ordem dos Templários em Portugal, no tempo do nosso primeiro rei.
Com a extinção infeliz da Ordem dos cavaleiros Templários, o nosso rei D. Dinis, em sua substituição criou a Ordem dos cavaleiros de Cristo. Surgiu então a cruz de Cristo, cunho eterno de D. Dinis, símbolo desenhado nas velas das nossas caravelas do tempo dos Descobrimentos.
Três símbolos profundamente nacionais:
1-as cinco quinas que desde o primeiro momento, já lá vão 866 anos, estão presentes nas nossas sucessivas bandeiras.
2- a cruz de Cristo, símbolo dos descobrimentos.
3- a esfera armilar, cunho pessoal do nosso enorme rei D. Manuel I, presente na nossa actual bandeira.
Por último, o nosso jovem autor, revela-nos uma faceta fortemente patriótica do nosso maior poeta contemporâneo- Fernando Pessoa, para já não falar nas fabulosas palavras dedicadas ao mago Luís Vaz de Camões.
São 181 páginas de pura delícia.

«Que esta História Mística de Portugal tenha o condão de despertar saudade a todos aqueles que a lerem e, igualmente, possa provocar no âmago de cada um a vontade de conhecer, cada vez mais, o próprio passado do país, seja através da leitura, seja mediante a visita aos múltiplos monumentos que, felizmente, temos a oportunidade de possuir no interior do nosso país. Essa é a função de um ensaísta. Mais do que redigir um tratado histórico, compete-lhe despertar no leitor essa vontade indómita de sentir a alma portuguesa.»

in HISTÓRIA MÍSTICA DE PORTUGAL

Pedro Silva

domingo, 30 de agosto de 2009

SOB O ARCO DO TRIUNFO

...O fogo da artilharia alemã continuava intenso como não se mostrara até então. O poder de resposta português era francamente inferior. Subitamente, ao barulho das explosões juntou-se também o som alternado e rápido das metralhadoras alemãs. Quase em simultâneo os portugueses perceberam a razão da ferocidade da artilharia inimiga. Servia para preparar um ataque de grande envergadura. Com a entrada das metralhadoras alemãs em acção, os soldados portugueses viram os capacetes alemães, com o seu adorno pontiagudo despontarem na trincheira, para logo de seguida, milhares de silhuetas saltarem os parapeitos da mesma e avançarem em três vagas de assalto. A fuzilaria lusa tentava desesperadamente conter o avanço inimigo. Mas quando, inexplicavelmente, o ataque se fez sentir também pela retaguarda, o exército português perdeu a operacionalidade. As silhuetas alemãs deram lugar a homens, homens que como os portugueses sofriam e matavam na tentativa de não serem mortos. Ao exército português apenas restava sair e enfrentar o inimigo corpo a corpo.
António Avilar e o Rouxinol mantinham-se juntos. Dentro e fora da trincheira o chão estava pejado de cadáveres, muitos portugueses, alguns alemães. Corria o rumor de que a infiltração alemã fora possível, porque o corpo de tropas inglesas cedera à avalanche germânica. Mas o momento era de agir, não de pensar. Na destreza de movimentos e na sorte dependia a sobrevivência de cada um.
Também para o António Avilar e para o Rouxinol chegara o momento de saltar o parapeito da sua trincheira. No seio de homens e armas, bailando a dança da morte, o Rouxinol e o António Avilar, como que criando um micró-espaço protegido por um escudo impenetrável feito de amizade, deram um forte abraço e desejaram boa sorte um ao outro. O breve momento mágico terminara e ambos se lançaram para fora da trincheira. O Rouxinol, mal se equilibrara do salto que dera ao sair daquele nefasto corredor, foi alvejado por uma rajada de metralhadora que lhe atravessou o abdómen. Como que empurrado pelo impacto das balas, o seu corpo voltou à trincheira de onde acabara de sair. Tal como muitos outros, o seu corpo envolveu-se com a lama da trincheira, manchando-a de vermelho.
Lá longe, em Aveiro, um barco moliceiro baloiçava ao sabor da ondulação suave da ria. Uma onda maior atingiu a quilha. A água, escorrendo, tomava a forma de lágrimas. O moliceiro chorava.
António Avilar viu bem o seu amigo e confidente ser alvejado e desfalecer. Sabia que nada havia a fazer. Por isso seguiu em frente, lábios crispados, proferindo palavras sem sentido, a arma bem fixa nas mãos, a baioneta pronta a lamber sangue alemão. No seu percurso era acompanhado por uma avalanche de portugueses que em desespero tentavam eliminar a muralha alemã, e pedir auxílio à retaguarda. Pernas extenuadas mas velozes passavam por cima de imensos cadáveres. Por vezes imobilizavam-se numa luta corpo-a-corpo e desfaleciam.
A manhã do dia 09 de Abril de 1918 presenciou, nas planícies da Flandres, o acumular de muitos milhares de mortos. António Avilar mergulhou naquela onda humana. O seu ser diluiu-se naquela efusão de sentimentos e vontades. Aqueles pântanos beberam sangue lusitano. Aqueles pântanos, por onde corria o rio Lys.
Durante três dias os soldados portugueses, sobreviventes da batalha de La Lys, vaguearam pelos campos franceses em busca de auxílio. Durante três dias os franceses negaram-lhes esse auxílio, julgando-os culpados da derrota aliada. Mas finalmente a verdade foi conhecida. Por isso, em 14 de Julho de 1919, as tropas portuguesas sediadas em França, desfilaram orgulhosamente em Paris, sob o Arco do Triunfo, na festa da vitória. António Avilar não se encontrava naquelas fileiras de glória. A sua vontade de justiça, o seu drama, toda a sua verdade se desvanecera nas nuvens de pólvora e gases dos pântanos de Armentiéres...(pág. 57)

in QUANDO UM ANJO PECA

Março/1998

domingo, 23 de agosto de 2009

NO SECTOR DE LA BASSÉ

...- Fazes-me rir Rouxinol. Um pobre agricultor não é propriamente um morgado.
- Mas é um valente soldado, militar da infantaria 24, que combate em França.
- Tal como tu. Afinal, és de onde?
- Sou de Aveiro. Nasci em Verdemilho.
- Verdemilho? Nome bonito esse. Faz-me lembrar as searas de milho quando ainda estão verdes. As searas da nossa terra querida. Tens saudades de Portugal?
- Eu? Que bom seria sentir debaixo dos pés o baloiçar de um barco moliceiro. Amo a ria, a ria de Aveiro. Sim António, tenho saudades de Portugal, mas principalmente tenho saudades da vida.
- Tem calma homem. Em breve para ela vais voltar.
- Tenho medo. Tantos homens que como nós para aqui vieram e já partiram.
- Quem não tem medo Rouxinol? Ser um bravo, um herói, é fazer coisas dominando o medo que se sente. Vivendo cinco meses com a ameaça da morte, combatendo o inimigo, a fome e o frio, põe qualquer um de rastos. Mas, como ouviste, talvez ainda hoje sejamos rendidos. O desabafo que tive contigo deixou-me mais sereno. Vamos descansar um pouco?
- Vamos meu amigo. Preparemos os nossos espíritos para a alegria que será deixar este lodaçal.
Os dois homens voltaram a colocar os capacetes na cabeça. Encostaram-se a uma das paredes da trincheira. As botas, impregnadas de lama, faziam sulcos no terreno mole. Os capotes compridos estavam rijos pela dureza da lama seca que os envolvia. Os bornais que traziam a tiracolo estavam rotos e imundos. O peso das munições que guardavam nos bolsos dos capotes, pedia-lhes que descansassem os corpos doridos e martirizados. A carência de descanso era tanta que qualquer local onde deitassem a cabeça se transformava rapidamente no conforto da almofada que se usava lá em casa.
Com as tréguas providenciais que se faziam sentir havia algumas horas, os combatentes portugueses acomodavam-se como podiam, tentando recuperar forças e sonhando com a prometida rendição. Naqueles doze quilómetros, nos quais fora formado o sector português, já não existiam combatentes psicologicamente preparados para a guerra. Estavam ali apenas homens, que pelo facto de lhes ter sido prometida a rendição para esse dia, se encontravam no campo de batalha apenas fisicamente. Os seus espíritos estavam longe, abraçando as esposas, os filhos, as namoradas, os pais, os amigos. Doze quilómetros de trincheiras, onde o sentimento reinante era a alegria de muito brevemente as abandonar.
Subitamente, às 04H15, ouviu-se o som de um disparo da artilharia alemã. Seguidamente outro e mais outro. Poucos minutos depois a noite era rasgada por imensos clarões. Estilhaços enchiam o ar, como mortífero enxame de abelhas.
O corpo de tropas portuguesas acordou do seu torpor. Os combatentes protegiam-se como podiam. Tentavam diminuir a sua silhueta, comprimindo-se o mais possível contra os muros térreos da trincheira. Olhares furtivos à trincheira inimiga tentavam adivinhar qual o propósito daquele fogo, que ao fim de um quarto de hora indiciava ter um qualquer objectivo. Os rebentamentos das granadas, que a princípio começaram por não oferecer grande perigo às tropas portuguesas, foram-se lentamente acercando da trincheira lusa, numa demonstração inequívoca de que os artilheiros alemães estavam a afinar a pontaria. A noite conseguia esconder as imagens, mas não o som brutal das explosões, o gritar de ordens confusas, o praguejar de homens sem alento para combaterem, o zumbido aterrorizador de estilhaços invisíveis, o gemer de feridos, o silêncio dos mortos.
Em cinco meses de trincheira nunca a artilharia alemã se mostrara tão feroz e mortífera. A primeira luz do dia 09 de Abril de 1918 mostrava doze quilómetros de gente lusitana bastante flagelada. Algumas centenas de corpos jaziam por aqueles corredores de desespero, atrapalhando os movimentos dos vivos na ânsia de sobreviverem. O cheiro a sangue empestava o ar. O hospital de campanha, improvisado nas zonas da trincheira consideradas mais seguras, depressa ficara sem espaço. Os feridos, conforme iam chegando, eram colocados em cima de esteiras podres e fétidas, que dadas as condições existentes, eram o que de mais cómodo a trincheira podia oferecer. As enfermarias do suposto hospital mais não eram do que galerias abertas em pequenas elevações do terreno, onde os homens se acumulavam e sentiam angustiadamente o esvair da vida. Membros mutilados esguichavam sangue para cima de homens horrivelmente surpreendidos. Barrigas abertas deixavam escorrer intestinos ainda com vida. Os queixumes, os gritos de dor, o som das explosões, faziam daquele hospital um local sem esperança. Os maqueiros, enfermeiros e médicos tentavam acudir a todos, mas a artilharia alemã era mais eficaz.
Horas antes, a serenidade fora completa. Tão plena, que dera oportunidade ao António Avilar de desabafar com o seu colega de circunstância. Agora, que o dia nascia, a morte passeava-se no seio dos combatentes portugueses, semeando o caos. Por momentos António Avilar fixou o olhar no rosto jovem e inútil de um soldado. Jazia numa amálgama de sangue e lama. O rosto virado para o céu apresentava um olhar vítreo, onde no entanto se adivinhava a surpresa da morte. Mesmo no teatro da guerra, a morte é sempre inesperada. António Avilar teve tempo para fechar os olhos àquele seu camarada de armas, por quem, decerto, alguns pensamentos estariam enganosamente esperançados no seu regresso...(pág.55)

in QUANDO UM ANJO PECA

Março/1998

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

EMANAÇÕES DE UMA RUINA

Num tempo
Que ao tempo
Já não ocupa espaço,
Na pressa do abrigo
Ver surgir,
Vi nascer a minha essência
Vi abrir-se o teu sorrir.
Por mim passou o desejo,
O amor que se fez sem pressa.
Onde estás que te não vejo
Dono da minha existência.
Tive dias de alegria
Alguém por mim olhou,
Uma voz que sempre dizia
Que eu não chegaria
Ao que sou.
Mas a morte um dia veio
Afugentando de mim a vida.
A promessa ficou pelo meio,
Já que tu,
Meu dono,
Depressa foste de partida.
O meu dono é agora a solidão
Não passo de um triste ermo,
Sou sangue sem coração
Sou história a que se pôs termo.
Na ruína do meu ser
Tenho por companhia o luar.
Já me não é possível querer
O amor,
Que outrora em mim teve lugar.

25/02/2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A ESTRANHEZA DE UM LIVRO

...Viajante manteve a mão estendida por alguns segundos. Duarte estava receoso, amedrontado com a perspectiva de um contacto com aquela mão, que embora parecesse humana, vinha de algo, de um lugar que ele desconhecia. Por fim, com hesitação, estendeu a mão ao Viajante e retribuiu o cumprimento.
- Está fria- disse Duarte, retirando a mão rapidamente.
Viajante estendeu de novo a mão direita, desta vez na direcção de Victor e disse:
- Olá Victor, è bom ver-te assim tão de perto.
Victor apertou bem forte aquela mão estranha e disse por seu turno:
- È muito agradável apertar a mão a um homem que è dono de uma mente tão poderosa. Mas realmente a sua mão está bastante fria.
- Admirais-vos? Já vos disse que para vivermos não precisamos de queimar tanto oxigénio como vós. O nosso metabolismo è diferente.
- E porquê?- perguntou Duarte.
- Uma das razões è porque na nossa atmosfera não existe tanto oxigénio como na vossa.
- Então agora podeis respirar melhor- disse Victor.
- As nossas células apenas queimam o oxigénio de que precisam- respondeu Viajante, que de imediato se virou para trás, estendeu as mãos aos seus companheiros e estes lhe entregaram dois objectos. Eram dois livros- eis o que aqui me trouxe.
- Dois livros? Vocês vieram do infinito para nos darem dois livros?- perguntou Victor.
- Sim, mas são dois livros... ou melhor, são dois exemplares de um livro que ainda o não è.
- Como è que è? Essa não percebi- disse Duarte ironicamente.
- È simples- respondeu Viajante- são dois exemplares de um livro que um dia há-de ser escrito.
Victor e Duarte, muito lentamente olharam um para o outro, e depois, perplexos, fixaram o rosto de Viajante. Este, sentindo que os dois rapazes estavam dominados por grande confusão, disse:
- Meus amigos, isto è muito naturalmente um reflexo do futuro.
- Sim, isso è a coisa mais natural e banal que eu já ouvi em toda a minha vida!!- respondeu Duarte cheio de ironia, ao mesmo tempo que balançava os ombros e fazia caretas.
- Nós temos conhecimento do futuro- disse o Viajante.
- Isso è fascinante- comentou Victor.
- E è adivinhação e bruxaria. As velhas ciganas também lêem o futuro na palma da mão- acrescentou Duarte.
- Contra o teu cepticismo, Duarte, eu contraponho que a visão do futuro è uma faculdade que essencialmente nos advém do nosso desenvolvimento espiritual.
- Quer então você dizer que nós, homens do planeta Terra, somos uns «tacanhos»?- perguntou Duarte.
- Não, vós sois o que a vossa idade e a vossa natureza vos admite que sejais. Quanto à idade, nada há a fazer. Só se aprende através dos anos de vida, estudando e adquirindo experiência. Com respeito à natureza... bom, aí algo pode ser feito. Pecam aqueles que em consciência sabem que pecam.
- E o que tem a nossa idade?- perguntou Victor.
- Nada de mais- respondeu Viajante- apenas que vós sois uns recém nascidos comparados connosco. Quando os primeiros da vossa espécie começaram a povoar o vosso planeta, já nós tínhamos naves por toda a galáxia. A diferença de conhecimento è abismal. Por isso aqui estamos para vos ajudar.
- De que maneira?- perguntou Duarte.
Viajante entregou um livro a cada um dos rapazes. Os livros tinham uma encadernação preta. Na capa existia a meio uma mancha amarela, uma fonte de luz, rodeada por uma massa disforme que dava a percepção de uma grande concentração estrelar. Imediatamente abaixo surgia a lua em quarto minguante, e mesmo no fundo da capa aparecia a palavra « contacto», escrita em letras grandes, de cor cinzenta.
- Este livro será o símbolo da curiosidade que o homem do planeta Terra sente, quando coloca a hipótese de não se encontrar sozinho no universo. Representa ainda a sua necessidade em encontrar companhia. E isso já è de alguma forma um desenvolvimento mental. O autor que o irá escrever tem neste momento apenas onze anos de idade...
- E quem è ele?- perguntou Duarte.
- Não o posso revelar- respondeu o Viajante.
- E porque não?
- Isso seria antecipar o futuro. Tu não podes saber pormenores sobre um acto de uma pessoa, antes dessa pessoa praticar esse acto. O autor do livro «Contacto» ainda não sabe que vai escrever este livro. Deixêmo-lo primeiro adquirir conhecimentos e experiência para o fazer. O que è muito importante que vocês os dois saibam, è que estes livros vos são entregues em função da sã amizade que vos une. E esse è um sentimento que nós queremos disseminar por todo o vosso planeta.
- Mas existem muitas pessoas amigas por todo o mundo- disse Victor.
- Felizmente que existem- respondeu o Viajante- mas dada a facilidade que tu demonstraste em seres contactado, foram vocês os eleitos. Para quê perder mais tempo?! Do vosso planeta emanam fluídos muito negativos, que profetizam tempos de muito egoísmo e maldade. Vós sereis a rampa de lançamento, o agente condutor pelo qual passará a benção espiritual que queremos trazer ao vosso mundo. Através dessa benção temos fé que, vocês homens, compreendereis que a matéria existe apenas em função da espiritualidade. A primeira è efémera, ao passo que a segunda è eterna. A espiritualidade è apenas e só aquilo que nós somos. No entanto muitos homens há que apenas apostam na matéria. Irão perder a cartada. E é essa conduta, essa forma de vocês vos encarardes a vós próprios, que nós queremos corrigir. Aceitai esta ajuda e continuai amigos, para o vosso próprio bem. Sereis de novo contactados em 1996. Nos vossos livros surgirão a data exacta e o local do contacto. Estai pois atentos. Quando chegar a altura, na capa do livro surgirá então o nome do autor. Nós vos estaremos agradecidos e uma boa recompensa vos aguarda. Mas atenção, que nunca passe pelo vosso coração a intenção de manterdes a amizade apenas por interesse. Somos muito sensíveis aos sentimentos genuínos e aos hipócritas também. Está inscrito nas vossas áureas. No dia em que entre vós exista deslealdade, a amizade termina e o agente condutor è extinto. Que me dizeis?
Os dois rapazes estavam atónitos...(pag. 23)

in VISITADOS

Novembro/1999

sábado, 8 de agosto de 2009

HUMOR PORTUGUÊS DE LUTO



Cresci a ouvir as suas rábulas humorísticas que tantas gargalhadas me provocaram, a mim e a todo o Portugal. O soldado que foi à guerra, a forma de proceder do namorado em relação à namorada, antes e depois do casamento, perante o obstáculo que uma poça de água representava. Muitas mais que agora não me ocorrem. E não me ocorrem porque hoje não é dia para rir.
Depois surgiu o lendário programa televisivo da RTP «ZIP-ZIP» em que era o humorista de serviço. Nesse ano de 1969 e durante mais alguns, continuaria a ser o único humorista nacional, digno desse nome.
Mais tarde veio o concurso «Vaca Cornélia», ainda na RTP, em que continuava a ser o senhor do riso português.
Posteriormente surgiu uma série de episódios humorísticos, ainda e sempre na RTP, «Lá em Casa Tudo Bem», pelos quais alegrou muitos e muitos serões do nosso país.
Nunca tive o prazer de estar na sua presença. Nunca o vi ao vivo. Mas caso tivesse acontecido eu estar na China, e por uma qualquer circunstância ouvisse a sua voz, imediatamente, mesmo sem o ver, nela o reconheceria. É natural, pois faz parte da memória colectiva portuguesa, apanágio apenas dos grandes artistas, principalmente daqueles de quem o povo sinceramente gosta.
Partiu hoje.
Esta minha modesta homenagem a esse grande homem do teatro e da televisão portugueses.

Adeus Raul Solnado.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

DE ÚURON

...- Não estudaste um pouco de astronomia, em Ciências?- perguntou Victor.
- Estudei...- respondeu Duarte.
- Então já ouviste falar de estrelas, planetas, galáxias, sistemas solares...-dizia o Viajante.
- Já...já ouvi falar...já estudei...mas nunca li... sempre me disseram que a vida só existe no nosso planeta, a Terra.
- E não achas que a vossa espécie è um tanto ou quanto convencida, ao pretender que o vosso minúsculo planeta, no seio de uma infinidade de outros planetas, seja o único que reuniu as condições para o surgimento da vida?
- Essa questão nunca me preocupou, por isso nunca pensei nela.
- Assim como tu, muitos milhões de outros homens da tua espécie, também nunca pensaram nisso. Mas pelo vosso mundo já se vai falando em discos voadores, até já elegestes um local propício a manifestações extraterrestres- o Triângulo das Bermudas. E isso, quer vocês queiram ou não, perturba-vos, porque os terráqueos convenceram-se de que estão sozinhos no universo.
- E não estamos ?- perguntou Duarte.
- È óbvio que não, ou julgas tu que eu sou uma fraude?- questionou o Viajante.
- Você parece-me ser um homem igual a mim- disse Duarte.
- Sou semelhante a ti, não igual. Tal como tu, também eu preciso de oxigénio para viver, só que queimo muito menos desse gás do que tu. O nosso sangue tem muito menos glóbulos vermelhos que o vosso. Se tu tivesses o mesmo número de glóbulos que eu tenho, sofrias de uma anemia aguda. Por essa razão também o nosso corpo não è tão quente como o vosso. Só por esta pequena diferença eu me torno semelhante a ti, mas não igual.
- Porque motivo nos chamou aqui?- perguntou Victor.
- Nós, habitantes de Uuron, há muito que sabemos da vossa existência. O vosso planeta è aquele, que com vida, mais próximo de nós está. Mas conhecemos outros, com os quais mantemos intercâmbios de todos os níveis. A vossa rudimentar tecnologia è o início de uma nova era que se avizinha, um tempo em que a vossa inteligência vos irá proporcionar coisas que de momento vos são inimagináveis. Mas o vosso desenvolvimento intelectual não vai ser acompanhado pelo desenvolvimento da vossa moral, do vosso lado espiritual. Tempos muito maus virão. Nós estaremos atentos, pois ser-nos-iam atribuídas culpas, se nós mais inteligentes e perfeitos do que vocês, vos víssemos a auto destruírem-se e não interviéssemos. O vosso planeta tem o seu lugar próprio no cosmos. Este ficaria mais pobre e desequilibrado se no planeta Terra o homem deixasse de existir.
- E porque haveria o homem de se extinguir na terra?- perguntou Victor.
- Por força da sua desmedida ambição. E podem vocês os dois crer, que ainda neste vosso século, alguns de vós mais atentos, travarão grandes lutas pelas coisas da natureza, porque sentirão que o equilíbrio do planeta estará em risco.
- Isso è um cenário muito negro- retorquiu Duarte.
- Pois è, mas com esta estúpida guerra que agora terminou, vocês, homens do meio do séc. xx, deram maus exemplos aos vossos descendentes, que no final do século terão nas mãos o futuro do vosso planeta. E as más sementes que agora vocês semearam, não poderão daqui a quarenta ou cinquenta anos darem bons frutos. Por isso aqui estou na companhia de mais alguns companheiros meus.
- Você não está sozinho?- perguntou Duarte.
- Achas que seria razoável eu viajar sozinho pelo espaço? È evidente que venho inserido numa equipa de trabalho. Posso agora aproximar-me de vocês?
Duarte olhou para Victor em busca de uma resposta. Como viu no seu rosto a serenidade, bebeu nele confiança, pelo que disse:
- Você preparou-nos psicologicamente para este momento! Eu e o meu amigo Victor estamos prontos a recebê-lo de braços abertos.
- Óptimo- disse o Viajante- no futuro cinema do vosso mundo, um dia vai existir um filme que retractará esta situação presente e terá muito sucesso. Chamar-se-á « Encontros imediatos do Terceiro Grau».
E sorrindo, Viajante iniciou a travessia da clareira. Caminhava lentamente. Atrás de si surgiram outros dois homens, abandonando o negrume do arvoredo. Victor e Duarte quase não respiravam, sentindo ambos a pulsação aumentar à medida que os três homens se aproximavam. Estes, chegando ao local onde se encontravam os dois rapazes, pararam. Os dois homens que por último tinham aparecido, mantinham-se afastados, à retaguarda de Viajante, cerca de dois metros. Victor e Duarte observavam minuciosamente os extraterrestres e eram observados por estes. Os três vestiam cada um uma única peça de roupa, que começava no fim do pescoço e lhes cobria o corpo por inteiro, incluindo os braços e as pernas. Apenas as mãos ficavam de fora, já que também os pés eram calçados pela mesma peça. Viajante estava coberto por um tecido azul escuro, ao passo que os outros dois vestiam uma peça de um amarelo torrado. Eram bastante altos e como se podia ver no rosto e mãos, a sua pele era branca pálida. Tinham o cabelo todo branco e os olhos tinham a cor do mar, azul e profundo. Os dois rapazes estavam extasiados.
- Fazemo-vos lembrar os vossos albinos, não è?- perguntou Viajante.
- Albinos? O que è isso?- perguntou Duarte, interrogando Victor com estranheza.
- Albinos são pessoas que não têm melanina na pele- respondeu Victor.
- Fico a saber o mesmo- volveu Duarte.
- São pessoas muito brancas, com cabelo branco e olhos muito claros- respondeu de novo Victor.
- Gostei da tua expressão facial- disse o Viajante sorrindo, dirigindo-se a Duarte.
- A minha expressão? Que tem ela de engraçado?
- A falta de conhecimento provoca em vós expressões como aquela que tu fizeste, e eu acho-as patuscas. Só isso.
- Eu sei muitas coisas, mas não sou um « sabe tudo».
- Não te zangues comigo Duarte. Foi só uma brincadeira- e dizendo isto o Viajante estendeu a mão direita a Duarte, em jeito de cumprimento- olá Duarte, estou muito feliz por te contactar... (pag. 20)

in VISITADOS

Novembro/1999

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A ACTUALIDADE DO SEC. XIX

«...nós somos realmente o povo que se compraz em estar quieto entre os choupais, a ver correr as águas meigas, pensando em coisas saudosas. Fomos à Índia, é verdade, mas quase três séculos são passados, e ainda estamos descansando, derreados, desse violento esforço.»

Eça de Queiroz

Eu, um português do século XXI, espanto-me com a infeliz actualidade destas palavras do nosso imortal Eça, escritas há 134 anos. Na realidade mantemo-nos quietos, não entre os choupais, que a urbanidade tudo vai engolindo, tendo já penetrado nas nossas mentes, por conseguinte eliminando de nós a necessidade do bucólico ambiente florestal,mas profundamente virados para um exasperante egocentrismo, que nos faz esquecer que o Estado também passa por nós, meros cidadãos, e que sem o nosso genuíno interesse pelo Estado, ele Estado, que já de si se vai tornando desinteressante, se torna, sem o nosso contributo mental, cada vez mais pobre.
Quase cinco séculos depois da Epopeia dos Descobrimentos, diria eu, permanecemos imutáveis, iguais ao que éramos no tempo de Eça de Queiroz, ou seja: continuamos a ser os últimos da Europa.